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“Eles dizem que é amor. Nós dizemos que é trabalho não remunerado”

“Eles dizem que é amor. Nós dizemos que é trabalho não remunerado”

As trabalhadoras domésticas: quem são? 

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que, desde 2013, o número de empregadas domésticas registradas com carteira assinada diminuiu no Brasil – e a diminuição foi ainda maior por conta da pandemia. Hoje, três em cada quatro trabalhadoras domésticas não têm carteira assinada. 

Em 2013, foi aprovada a chamada “PEC das Domésticas” (Emenda Constitucional 72) que previa a igualdade de direitos entre pessoas empregadas domésticas e demais trabalhadores e trabalhadoras. Em 2015 esta PEC passou por uma regulamentação e ocorreu a aprovação da Lei Complementar nº 150, que colocou a obrigatoriedade do recolhimento do Fundo de Garantia por Tempo de Contribuição (FGTS) e outras garantias previstas em lei.  

Porém, de acordo com a Agência Brasil, especialistas apontam que o objetivo de registrar ainda mais pessoas como empregadas domésticas não foi alcançado e houve um aumento de diaristas no país (pessoas que trabalham até 2 vezes por semana nas casas, não configurando relação trabalhista).  

O perfil das trabalhadoras domésticas é de mulheres (representam 92% das vagas neste setor) e 65% delas sendo mulheres negras. São cerca de 6 milhões de trabalhadoras domésticas no Brasil.  

Silvia Federici e O Ponto Zero da Revolução  

Em uma de suas obras, a filósofa italiana Silvia Federici faz um apanhado sobre o trabalho doméstico remunerado ou não como uma das principais forças motrizes do capitalismo como o conhecemos hoje.  

Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Contínua) revelam que mulheres que têm uma ocupação fora de casa gastam 6h e 48min a mais por semana do que homens em afazeres domésticos – e sem ganhar nada ou quase nada por isso. Este número é ainda maior dentro do número de mulheres que não possuem ocupação fora de casa, chegando a 24h e meia por semana dedicadas às ocupações domésticas.  

Silvia Federici coloca em um dos trechos do livro “O Ponto Zero da Revolução”:  

“Tal como Deus criou Eva para dar prazer a Adão, assim fez o capital criando a dona de casa para servir física, emocional e sexualmente o trabalhador do sexo masculino, para criar seus filhos, remendar suas meias, cuidar de seu ego quando ele estiver destruído por causa do trabalho e das (solitárias) relações sociais que o capital lhe reservou.” 

Estes e outros trechos do livro pretendem suscitar a ideia de trabalho feito em casa não como um “trabalho de amor”, mas um trabalho reprodutivo não remunerado. Como trabalho reprodutivo, a autora coloca todo o trabalho necessário para o desenvolvimento e o sustento da vida na esfera doméstica – que acaba sendo o que sustenta o trabalho fora de casa – e, na grande maioria dos casos, feito por mulheres.  

Themis – Gênero, Justiça e Direitos Humanos  

Márcia Soares, Diretora Executiva da Themis – Gênero, Justiça e Direitos Humanos (Organização da Sociedade Civil) participou da roda de conversa promovida pelo Comitê de Diversidade da Rede Lado sobre trabalho doméstico e coloca:  

“A gente lida com o conceito de Economia do Cuidado, mas isso tende a colocar em sinal de igualdade o trabalho doméstico remunerado e o não remunerado e eles não são a mesma coisa, a não ser pelo fato de serem um trabalho de cuidado. “ 

A Themis tem um trabalho com domésticas em várias frentes, envolvendo outras associações e organizações do Equador e da Colômbia, além do Brasil. O projeto “Mulheres, Dignidade e Trabalho” foi realizado com o objetivo de entender melhor os direitos das trabalhadoras domésticas nestes países. 

Outro ponto colocado por Márcia Soares na roda de conversa foi:  

“A categoria das trabalhadoras domésticas é a maior responsável pela autonomia das mulheres, seja porque é a que mais emprega no Brasil, seja porque é que possibilita que mulheres brancas de classe média saiamos para o mercado de trabalho. Então, esta ideia de que o trabalho doméstico não gera valor é completamente enviesada”.  

A Themis está preparando um estudo que analise o impacto do trabalho doméstico remunerado no Produto Interno Bruto (PIB).  

A organização sindical das trabalhadoras domésticas 

A desmobilização da classe trabalhadora atinge diversos setores, porém, para a categoria das trabalhadoras domésticas é ainda mais difícil, já que a Lei Complementar nº 150 é ainda muito recente e também pela dificuldade de organização – horários, remuneração – que as trabalhadoras têm ao se instituir um sindicato.  

A questão sindical é estruturante para que uma mudança significativa possa ocorrer para as empregadas domésticas, tanto para questão de fortalecimento da categoria, quanto de acesso aos direitos e à Justiça. Muitas das mulheres que fazem o trabalho sindical neste setor ou estão aposentadas ou largam o trabalho mensal para se dedicar a isso.  

Além disso, não há uma organização de empregadores para que seja possível reivindicar e negociar um piso salarial possível no Brasil, o que torna a demanda do salário justo ainda mais difícil. Mesmo com os desafios, há associações e sindicatos de trabalhadoras domésticas como a FENATRAD (Federação das Trabalhadoras Domésticas). 

Assista a roda de conversa completa feita pelo Comitê de Diversidade da Rede Lado com participação da Themis – Gênero, Justiça e Direitos Humanos

 

 

Seminário da Rede Lado reúne 160 participantes em São Paulo

Seminário da Rede Lado reúne 160 participantes em São Paulo

A edição de 2023 do seminário da Rede Lado, com o tema “Admirável Mundo Novo: não há trabalho sem direitos”, foi um sucesso e reuniu 160 participantes no Hotel Radisson Oscar Freire, em São Paulo (SP), na última quinta e sexta-feira, 17 e 18 de agosto. Em dois dias, a pauta de discussões girou em torno dos desafios atuais que a legislação trabalhista tem para se manter atualizada e relevante para quem vive de seu emprego.

No primeiro dia de discussões, a parte da manhã contou com a participação dos palestrantes Túlio Custódio, PhD em Sociologia pela USP; Grijalbo Coutinho, desembargador do TRT 10, doutor em Direito e Justiça pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais e ex-presidente da Anamatra; e Júlia Lenzi, professora de Direito da USP e doutora em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela mesma instituição, no painel “Distopia de um mundo nada admirável: trabalho sem direitos”. A partir de um apanhado jurídico e sociológico acerca da trajetória de conquista dos direitos trabalhistas até o início de sua precarização, os painelistas traçaram uma análise da indagação sobre como chegamos até “aqui”. O papel do poder judiciário nas mudanças observadas dentro dos contextos político, representativo e do sistema econômico vigente foi parte da discussão.

Em uma das colocações, Júlia Lenzi afirmou:

“Precisamos começar a ater o nosso olhar para a divisão racial do trabalho. Este é o caminho para a mudança.”

O professor titular na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB), ex-reitor da instituição e co-líder do Grupo de Pesquisa “O Direito Achado na Rua”, José Geraldo Sousa Júnior, abordou no painel da primeira tarde do evento o tema “Entre a Utopia e o Primitivo: proposições para proteção social”. A discussão girou em torno da busca de alternativas de proteção social para enfrentar/superar o processo de flexibilização negativa de direitos sociais, resultantes das políticas neoliberais de austeridade.

O professor José Geraldo deu uma aula magna sobre como continuar a luta por direitos e depositar esperança nos movimentos sociais e em figuras que defendem as maiorias minorizadas, ele disse em um trecho da palestra:

“Hoje, para mim, o maior ato de Direitos Humanos neste país é a marreta do Padre Júlio Lancellotti”.

Segundo dia de seminário

Abrindo o segundo dia de evento, o painel “Trabalho e Emprego: crise de representatividade dentro e fora da Utopia” trouxe os facilitadores José Eymard Loguercio, advogado atuante em tribunais superiores (TST e STF), mestre em Direito pela UnB, também integrante da Rede Lado; Clemente Ganz Lúcio, sociólogo, coordenador do fórum das centrais sindicais e do GT Trabalho na equipe de transição Lula/Alckmin; e Patrícia Pelatieri, economista do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), onde responde também como Diretora Técnica Adjunta. Na pauta, esteve a construção de um panorama e o debate acerca da reorganização sindical brasileira a fim de conformar sua estrutura à realidade atual do mundo do trabalho.

Durante este painel ocorreu, ainda, o lançamento do livro “Teoria Jurídica da Liberdade Sindical”, de Paulo Lemgruber, advogado do escritório Mauro Menezes & Advogados. A obra procura delimitar o conteúdo do direito fundamental à liberdade sindical, previsto no artigo 8º da Constituição Federal e nos tratados internacionais sobre o tema que o Brasil ratificou e busca apontar alguns caminhos a serem trilhados no intuito de manter atualizado o escopo protetivo do direito fundamental à liberdade sindical.

Para fechar o Seminário, Carla Appolinário de Castro, doutora e mestre em Ciências Jurídicas e Sociais e professora de Direito na Universidade Federal Fluminense e Marcelo Manzano, economista, professor do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit) falaram sobre o tema “Nada envellhece mais rápido que o futuro: propostas para um novo Direito do Trabalho”. Durante o painel, foram debatidas proposições acerca da eventual necessidade de ampliação do debate de revogação da reforma trabalhista, a partir do olhar do direito do trabalho como limitador e protetor, visando a reconsideração dos conceitos de empregado e empregador, bem como a construção de alternativas de direitos que englobem o trabalho formal e informal.

A Rede Lado agradece a participação de todos, todas e todes, tanto os que se inscreveram como os painelistas, que enriqueceram ainda mais as discussões sobre temas tão relevantes nos dias atuais. Esperamos encontrá-los em breve para mais trocas a respeito de temas que nos ajudam a cumprir nossa missão de estar sempre do lado da democracia e da classe trabalhadora.

Se você foi um dos participantes do evento, responda à pesquisa de satisfação, a Rede Lado agradece!

Coletivos de trabalhadores e trabalhadoras são peças-chave na construção de caminhos para a proteção dos direitos das categorias

Coletivos de trabalhadores e trabalhadoras são peças-chave na construção de caminhos para a proteção dos direitos das categorias

A representação de classe, ao longo da história, mostrou-se fundamental para que trabalhadores e trabalhadoras se fizessem ouvir pelos governos e patrões e, assim, garantirem seus direitos e necessidades. Do sindicalismo nascido no fim do século XIX no país à atual representatividade que empregados pelas novas formas de trabalho vêm organizando em coletivos, homens e mulheres que vivem do seu trabalho querem e precisam ser ouvidos.

O trabalho de base, aquele em que se educam as camadas populares para que desenvolvam consciência de classe e um programa que atenda suas reivindicações é o alicerce da luta para conquistar implantação política e construir núcleos militantes. Sem trabalho de base não há organização popular

“Eu acho que sindicatos, associações, todos os movimentos de organização do trabalhador têm que estar na linha de frente dessa discussão porque não dá pra discutir direito do trabalho e direito dos trabalhadores sem os trabalhadores, sem os ouvir”, aponta a advogada Marcelise Azevedo, integrante do Grupo de Comunicação da Rede Lado.

No entanto, a profissional reitera que a atuação de advogados e advogadas da área trabalhista ajuda a enriquecer a discussão.

“A gente que é o operador do Direito ou acadêmico em áreas que têm relação com esse tema tem a possibilidade de trazer aportes acadêmicos, ou da nossa experiência dentro do judiciário. E é isso que a gente faz: a gente aporta algum conhecimento, mas sem nunca – eu acho muito importante falar isso – sem nunca tirar o protagonismo do trabalhador e da trabalhadora nessa luta e na formulação do que eles pretendem, do que eles querem, de como eles gostariam que essa proteção fosse feita, que esse trabalho fosse reconhecido”, explica. 

Mais do que um ambiente saudável de trabalho, a proteção pela qual lutam trabalhadores e trabalhadoras visa garantir qualidade de vida, saúde e segurança no exercício das suas atividades profissionais. Num cenário ideal, os impactos vão além e alcançam todas as camadas da sociedade com desenvolvimento econômico e social para o país, maior produtividade e inovação nas empresas e nos setores produtivos.

“A proteção ao trabalhador, à trabalhadora, é um direito humano, é um dever do Estado, então tem que ter política pública que assegure os direitos trabalhistas e previdenciários, tem que ter fiscalização do cumprimento das normas de segurança e saúde do trabalho. A questão da proteção do trabalhador é antes de tudo uma questão de justiça social e de cidadania”, diz Marcelise. 

Em busca de soluções

E justamente para ajudar operadores e operadoras do direito a encontrarem soluções para os desafios impostos pelas novas formas de trabalho do mundo atual, a Rede Lado realiza nesta quinta e sexta-feira, 17 e 18 de agosto, o Seminário “Admirável Mundo Novo: não há trabalho sem direitos”, em São Paulo. 

“Esse evento que a Rede Lado promove busca exatamente trazer aportes a essas discussões e trazer aportes multifacetados. A gente vai ouvir advogado, sociólogo, economista, trabalhador todo mundo reunido em dois dias para tratar desse mundo novo que é um mundo novo que surge não só para o trabalhador, não só para o direito do trabalho, mas para a sociedade de uma forma geral”, explica Marcelise, que participou das discussões sobre o evento desde sua concepção.

Para Nilo Beiro, coordenador da Rede Lado, o evento reforça o compromisso que a entidade tem de discutir criticamente todos os temas ligados ao mundo do trabalho sempre a partir de um determinado lado: o dos trabalhadores, que são aqueles que efetivamente constroem a riqueza.

“Esperamos que o Seminário nos proporcione ferramentas para enfrentar esse mundo diferente e em mudança acelerada”, projeta.

Ao lado dos trabalhadores

Criada como um espaço de atuação conjunta para congregar escritórios da causa trabalhista e de outras diversas áreas do direito, a Rede Lado tem como compromisso a defesa da democracia e, junto aos movimentos sociais, da classe trabalhadora. Atualmente, o grupo é formado por 27 escritórios de advocacia de 15 estados do Brasil, totalizando 371 profissionais que se uniram por acreditarem na transformação social por meio da defesa dos direitos humanos.

Entre os associados estão principalmente aqueles ligados às áreas Trabalhista (individual e coletiva) e Previdenciária. Também há cerca de 90 sindicatos, federações, confederações e instituições  assessoradas pelos escritórios que fazem parte da Rede Lado.

A Rede atua na defesa da classe trabalhadora apoiando o trabalho de cada um de seus escritórios associados, fomentando o estudo crítico do direito e do mundo trabalho, da constante troca de informações e experiências entre os escritórios e da atuação coletiva, na qual cada um contribui com a sua especialização”, explica o coordenador Nilo Beiro.

Além de sua atuação, a Rede Lado se envolve e se posiciona frente a questões e desafios inerentes aos dias atuais. Nas Eleições de 2022, por exemplo, firmou apoio à candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva em carta que defendia “país mais fraterno, solidário, justo e igual”. Mais recentemente, o coletivo se uniu à Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) para lançar um manifesto em prol  da expropriação das terras de empresas flagradas com trabalhadores em condições análogas à escravidão na Serra Gaúcha. Isso para citar apenas os casos mais atuais. 

Seminário

Com inscrições já esgotadas, agora falta pouco para que profissionais e estudantes de Direito, sindicalistas e pesquisadores da área do trabalho interessados em construir soluções em defesa da classe trabalhadora se encontrem no Seminário que ocorre na próxima quinta e sexta-feira em São Paulo. Para receber mais informações sobre o evento e textos com debates acerca dos temas que serão abordados no encontro, deixe seu e-mail no formulário abaixo.

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Novas formas de trabalho precisam de novas formas de proteção

Novas formas de trabalho precisam de novas formas de proteção

O Princípio da Proteção é um dos preceitos basilares do Direito do Trabalho e, basicamente, busca equilibrar o jogo do trabalho, atribuindo ao empregado – que naturalmente conta com menor poder nessa  relação – uma vantagem jurídica para equiparar-se ao empregador, detentor do poder econômico. No Brasil, essa proteção à parte hipossuficiente, ou seja, ao trabalhador, é fornecida principalmente pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) que garante a quase 43 milhões de trabalhadores e trabalhadoras direitos como jornada diária máxima de oito horas, descanso semanal remunerado, férias, pagamento de hora extra, atuação em ambiente salubre, aviso prévio, licença-maternidade e paternidade, 13º salário, proteção contra demissão sem justa causa e seguro-desemprego.

No entanto, atualmente 39% da população ocupada não está amparada por esta legislação. Destes, pelo menos 1,5 milhão de homens e mulheres atuam como entregadores de comida e mercadorias, segundo dados da Aliança Nacional dos Entregadores de Aplicativos (ANEA), uma representação nacional criada em 2022 que congrega trabalhadores organizados em coletivos e associações para a defesa e representação dos trabalhadores. 

O que querem os trabalhadores de aplicativos

No documento “Trabalho digno e uma carta de direitos para os entregadores”, a entidade resume o desejo de boa parte daqueles que vivem de seus trabalhos, mas não gozam de nenhuma proteção legal para exercer suas atividades. “Entre os pontos básicos de uma lei protetiva, defendemos uma carta de garantias e direitos que inclua, entre outros: garantia de renda mínima, (limite de jornada diária e semanal) com liberdade de horários, direito a descanso e desconexão, férias, seguro contra acidentes de trabalho e doenças ocupacionais. Além disso, a lei deve garantir aos trabalhadores proteção contra demissão abusiva por parte das plataformas, condições de trabalho dignas, com normas de proteção à saúde e segurança”, diz a carta disponível no site da instituição.  

A entidade reúne 25 lideranças de entregadores de diversos estados e participa, ao lado das centrais sindicais, das discussões sobre modelos de regulação do setor. O tema parece despertar o interesse do atual governo federal, tanto que o presidente Lula cobrou agilidade do grupo de trabalho criado para tratar do assunto e discursará sobre o tema na Assembleia Geral da ONU em setembro. 

Breques foram só o início

A movimentação da categoria dos trabalhadores por aplicativos é anterior à criação da ANEA. Ainda em 2020, um grupo que buscava melhores condições de trabalho, de salário e amparo por parte das empresas organizou o primeiro Breque dos Aplicativos, como ficaram conhecidos os movimentos que se sucederam a este e que paralisaram as entregas. 

Em 2021, 2022 e 2023, novos movimentos semelhantes ocorreram. O mais recente deles ocorreu no mês de julho de 2023, convocado pelo grupo Entregadores Unidos pela Base que reivindica a criação de um  “projeto de lei popular que obrigue as empresas de app a garantir, entre outros itens, a taxa mínima de R$ 10 por entrega, um piso mínimo de remuneração para a categoria, o fim dos bloqueios sem justificativa, idade reduzida para aposentadoria e um limite para a jornada de trabalho, com pagamento de horas extras”.  

Um dos líderes da ANEA e participante do grupo de trabalho formado pelos representantes dos entregadores e as centrais sindicais para discutir a regulamentação junto ao governo federal, Nicolas Souza Santos acredita que os entregadores foram apenas os primeiros de uma série de profissionais que ainda serão atingindos pela plataformização e que cabe a eles, agora, a tarefa de pavimentar o caminho da regulamentação para as demais profissões. “Nós só fomos os primeiros. É um problema que vai atingir todo mundo, porque é uma nova tecnologia, é a quarta revolução industrial, e assim como o tear e os tratores invadiram todos os trabalhos, esse tipo de tecnologia e essa forma de organização do trabalho também vai atingir a todos”, prevê. “Nosso trabalho, também, é alertar o restante da sociedade de que isso está acontecendo e que ela precisa se engajar”, defende.

Um dos caminhos neste primeiro momento, aponta Souza, é ampliar a proteção que a CLT já oferece. “É consenso [nas discussões dentro da Aliança] de que a CLT é muito ruim, e eu tenho que concordar, a CLT é muito ruim. Mas ela é o mínimo. A gente tem que fazer o que? Melhorar ela. O que a gente tem que fazer é trazer primeiro esses trabalhadores que são informais, na verdade, eles não são autônomos, para dentro da proteção social que a CLT garante”, finaliza. 

Livro aborda proteção dos sindicatos

A representação por meio de coletivos, entre eles os sindicatos é tema de diversas publicações da área. O livro “Teoria Jurídica da Liberdade Sindical”, de Paulo Lemgruber, é um deles e será lançado oficialmente durante o Painel 3 “Trabalho e Emprego: crise de representatividade dentro e fora da Utopia”, do Seminário “Admirável Mundo Novo: não há trabalho sem direitos”, que a Rede Lado promove nos dias 17 e 18 de agosto em São Paulo para debater esses novos desafios.

De acordo com Lemgruber, a obra procura delimitar o conteúdo do direito fundamental à liberdade sindical, previsto no artigo 8º da Constituição Federal e nos tratados internacionais sobre o tema que o Brasil ratificou. “Com base nesse conteúdo, o livro busca delimitar o grau de proteção que o princípio da liberdade sindical confere aos trabalhadores e às entidades por eles formadas contra as práticas antissindicais”, explica. Além disso, “Teoria Jurídica da Liberdade Sindical” busca delimitar alguns caminhos a serem trilhados no intuito de manter atualizado o escopo protetivo do direito fundamental à liberdade sindical.

Seminário

Interessades em participar desta e de outras discussões acerca dos desafios atuais que a legislação trabalhista tem para se manter atualizada e relevante para quem vive de seu emprego já podem se inscrever no Seminário que ocorrerá nos dias 17 e 18 de agosto, das 10h às 17h, no Hotel Radisson Oscar Freire, em São Paulo (SP).

Para receber as notícias do evento e textos com debates acerca dos temas que serão abordados no encontro, deixe seu e-mail no formulário abaixo.

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Novas formas de trabalho desafiam direito a encontrar meios de proteger trabalhadores e garantir empregos

Novas formas de trabalho desafiam direito a encontrar meios de proteger trabalhadores e garantir empregos

Diversos fatores contribuíram, nos últimos anos, para a aceleração de transformações profundas nas formas de se trabalhar e, consequentemente, nas relações que delas nascem. Evolução tecnológica, mudança de foco das novas gerações que ingressam no mercado de trabalho e, em especial, a pandemia de Covid-19 que obrigou o mundo ao isolamento foram as principais molas propulsoras de um novo mercado que agora se desenha e ao qual o Direito do Trabalho tem o desafio de se adaptar. 

De acordo com estudo do departamento de estatística dos EUA, a parcela de pessoas que trabalham remotamente dobrava a cada 15 anos antes da pandemia; entre 2020 e 2021, no entanto, esse número quadruplicou. Mas se por um lado o home-office amplamente adotado de 2020 para cá tem suas vantagens, como redução de custos, maior conforto e flexibilidade de horários para realização das tarefas e eliminação do tempo gasto com o deslocamento até o local de trabalho, ele também tem pontos negativos. Excesso de horas trabalhadas e a dificuldade no controle desse expediente são um exemplo disso.

Além do home-office, também aumentou o número de profissionais que atuam como prestadores de serviços digitais, a exemplo dos trabalhadores de plataformas on-line como Uber e iFood; e os freelancers que prestam serviços pontuais com contratação pela internet e movimentam a chamada “gig economy”.  A informalidade crescente resultante desse processo que obrigou os trabalhadores e trabalhadoras, em grande parte, a utilizarem da criatividade para sobreviver, trazem consigo a precarização da mão-de-obra, a exclusão de homens e mulheres do mercado formal e, consequentemente, insegurança social, ganhos irregulares e falta de proteção social e de representação das novas categorias. 

Desafio para o direito

Os novos tempos levantam uma questão inexorável: como a justiça, em especial a área trabalhista, deve se atualizar para garantir os direitos dessa massa que, hoje, não goza dos benefícios de quem tem carteira assinada, sem que isso signifique acabar com essas novas formas de trabalho.

“Palco de lutas permanentes e, consequentemente, de disputas e contradições, o Direito do Trabalho e suas instituições (em especial, a Justiça do Trabalho, o Ministério Público do Trabalho, os sindicatos e as associações de classe) têm hoje o grande desafio de garantir efetividade à proteção dos trabalhadores e das trabalhadoras acompanhando as metamorfoses do trabalho e das relações trabalhistas, com vistas à promoção do bem estar no sentido amplo”.

explica a Doutora em Ciências Jurídicas e Sociais pelo Programa de Pós-graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF) Carla Appolinário de Castro, que abordará o tema no painel de encerramento do Seminário “Admirável Mundo Novo: não há trabalho sem direitos”, que a Rede Lado promove nos dias 17 e 18 de agosto em São Paulo.

“O olhar para o futuro do trabalho, sem perder de vista o presente, como propõe o painel, permite, a um só tempo, debater as transformações já em curso, mas sobretudo as consequências sociais e econômicas que podem contribuir para o acirramento das nossas históricas desigualdades sociais”, completa.

 

“O painel que trata desse tema tem como objetivo colocar em discussão esse novo mundo que nos atropela e a necessidade de um novo direito do trabalho que faça frente a ele, mais protetivo, inclusivo e plural”,

explica a coordenadora da Rede Lado e sócia do escritório Gasam Advocacia, Jane Salvador, para quem o Direito do Trabalho já não é mais suficiente para fazer frente às novas formas de trabalho que se apresentam.

“Consideremos que cerca de 40% dos trabalhadores estão na informalidade, sem carteira assinada, férias, 13º, FGTS, etc., representando uma parcela significativa da população economicamente ativa, ocupada, mas desprotegida. No é só o resgate de importantes direitos suprimidos pela reforma trabalhista que deve estar em pauta, mas também a regulamentação dessas novas formas de trabalho, assim como dos trabalhos de cuidado não remunerados, e que, não necessariamente, devam ser encaixados no modelo padrão da relação de emprego. É um desafio. Mas só o debate amplo, aberto, com a participação de todos, é que permitirá o avanço rumo à democratização de direitos para toda a classe trabalhadora”, defende.

Seminário

Interessades em participar desta e de outras discussões acerca dos desafios atuais que a legislação trabalhista tem para se manter atualizada e relevante para quem vive de seu emprego já podem se inscrever no Seminário que ocorrerá nos dias 17 e 18 de agosto, das 10h às 17h, no Hotel Radisson Oscar Freire, em São Paulo (SP).

Para receber as notícias do evento e textos com debates acerca dos temas que serão abordados no encontro, deixe seu e-mail no formulário abaixo.

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Futuro do sindicalismo está na readequação do seu foco de atuação

Futuro do sindicalismo está na readequação do seu foco de atuação

A importância do papel dos sindicatos como defensores dos direitos dos trabalhadores e atores políticos no Brasil é inegável. No entanto, nas últimas décadas, o que se vê no país é uma perda sistemática de poder dessas entidades, para a qual corroborou fortemente a Reforma Trabalhista de 2017, e uma falta de aproximação com novos públicos que poderão ser fundamentais para que a história do movimento no país continue. 

Produto do capitalismo, o sindicalismo nasceu paralelamente ao desenvolvimento deste sistema econômico e surgiu no Brasil no fim do século XIX , com os operários imigrantes que vieram da Europa para trabalhar no país após o fim da escravidão, a Proclamação da República e com o surgimento de centros urbanos e litorâneos onde cresciam as atividades manufatureiras. Já conscientes de seus direitos, eles passaram a se unir para questionar as condições de trabalho e lutar por melhorias, movimento que deu origem aos primeiros sindicatos no país. 

Ao longo das décadas seguintes, já no século XX, o sindicalismo foi ganhando espaço e força, graças às condições exploratórias de trabalho de homens, mulheres e crianças que não raro chegavam a ser submetidos a jornadas de 14 ou 16 horas por dia, salários baixos e sem qualquer direito ou proteção legal. Ainda em 1906, o 1º Congresso Operário Brasileiro, no Rio de Janeiro, contou com a participação de vários sindicatos, federações, ligas e uniões operárias, principalmente do Rio e São Paulo, e deu origem à Confederação Operária Brasileira (COB), primeira entidade operária nacional.

A história do movimento é marcada por lutas e reações patronais e do governo a partir de então. As condições de trabalho agravadas pela 1ª Guerra Mundial, deram origem a uma onda de greves entre 1917 e 1920 que chegou a paralisar as atividades de 45 mil pessoas em São Paulo. A reação ofensiva do governo, que convocou tropas e até navios de guerra para reprimir o movimento, veio em seguida, causando mortes de manifestantes.  

A “Revolução de 1930″, liderada por Getúlio Vargas, resultou desse processo e deu início à modernização e consolidação de um Estado Nacional forte e atuante num país em que a industrialização e, consequentemente, a massa de operários só crescia. Nesta época, a estrutura sindical fora atrelada ao Estado, acabando com a natureza social e política que o movimento tinha até então, desde seu surgimento, o que deu origem a uma estrutura sindical corporativista. 

Ainda assim, os trabalhadores e trabalhadoras resistiram e seguiram se mobilizando em movimentos próprios. Nas décadas seguintes, o contingente de trabalhadores mais do que dobrou, assim como sua força, e algumas lei foram criadas como resultado da pressão dessa fatia da população. Em 1943, elas ganharam destaque com a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), principal instrumento de garantias fundamentais que resiste até os dias de hoje. 

Com o Golpe Militar de 1964, o movimento foi reprimido e desarticulado com o fechamento de sindicatos, cassação e prisão de líderes. Somente a partir dos anos 1970 o sindicalismo volta a ter seu protagonismo, com uma nova roupagem e um modelo livre da estrutura sindical. No meio desse movimento, surgem também novas lideranças, como a de Luiz Inácio Lula da Silva, então operário da região do ABCD paulista (que engloba as cidades de Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul e Diadema), onde o fenômeno foi visto com maior nitidez. 

Na década seguinte, os sindicatos foram importantes atores de movimentos em prol das Diretas Já e da anistia de exilados políticos vítimas da Ditadura Militar que assolava o país. Partidos políticos e entidades nasceram desse momento histórico, como o Partido dos Trabalhadores (PT), em 1980; e a Central Única dos Trabalhadores (CUT), em 1983, atualmente a maior central sindical do Brasil, da América Latina e a quinta maior do mundo, com 3.806 entidades filiadas, 7.847.077 trabalhadoras e trabalhadores associados e 23.981.044 trabalhadoras e trabalhadores na base.  

Crise de representatividade

No entanto, após seu auge nos anos 1970 e 1980, o movimento começou a ver seu declínio de representatividade a partir dos anos 1990, com ascensão do neoliberalismo no país e a incorporação de teses como a da necessidade de modernização e flexibilização das relações trabalhistas. Essas ideias, ainda hoje não superadas como um todo, resultaram, entre outros golpes ao movimento sindical e aos direitos trabalhistas, em ações do Estado como a Reforma Trabalhista de 2017. 

A Lei nº 13.467/2017 e seu grande número de dispositivos normativos alterou o equilíbrio existente entre proteções dos trabalhadores e liberdades dos empregadores. No tocante às relações coletivas de trabalho, a Reforma trouxe a possibilidade de negociação entre sindicatos e empresas (ou entre sindicatos de empregados e sindicatos de empregadores), com prevalência sobre a legislação no que se refere à duração e remuneração do trabalho; entre outros aspectos, dentre os quais se destaca, ainda, a desobrigação do recolhimento da contribuição sindical, que até o ano em que a lei foi aprovada representava a principal fonte de renda dessas entidades. 

Mas muito além de uma questão meramente econômica, a crise pela qual o movimento sindical passa, atualmente, tem também um caráter de relevância e foco no público-alvo.

“Há um grande dilema em jogo. De um lado querem nos fazer crer que as novas tecnologias, esse novo mundo digital com inteligência artificial e muita conectividade, fez e fará ainda mais desaparecer o mundo do trabalho e os empregos. De outro, novas formas de trabalho precarizadas e muitas demandas por reconhecimento de direitos de jovens, de mulheres, de negras e negros, LGBTQIA+”, define o Mestre em Direito pela UnB, advogado em Brasília, atuando especialmente junto aos Tribunais Superiores (TST e STF), José Eymard Loguercio.

Ele abordará o tema “Trabalho e Emprego: crise de representatividade dentro e fora da Utopia” no painel que abre o segundo dia do Seminário “Admirável Mundo Novo: não há trabalhos sem direitos”, que a Rede Lado promove em agosto em São Paulo

Loguercio acredita que, para se manterem relevantes no mundo atual, os sindicatos precisam deixar de ser meramente corporativos, ampliar o papel histórico de representar apenas categorias profissionais e passar a olhar também para novas classes, como as dos trabalhadores de aplicativos, por exemplo.

“Há uma tendência de cada sindicato defender a sua categoria. Mas as categorias vêm se modificando. Muitos trabalhadores não se enquadram em esquemas de categorias profissionais ou não têm vínculo formal como empregado, mas são trabalhadores e precisam estar e se sentir representados para conquistar direitos. Então existem novas pautas e novas exigências que vão além da representação de uma categoria”, explica. 

“Ou seja, há necessidade de que os sindicatos se abram para essas novas agências se reconectando com a sua razão de ser no mundo: organizar a solidariedade para a permanente defesa e criação de direitos e contra as desigualdades e discriminação”, completa.

Reforma Sindical

Atualmente, há propostas de uma Reforma Sindical por parte do governo e de entidades representativas. Central Única dos Trabalhadores (CUT), Força Sindical, União Geral dos Trabalhadores (UGT), Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB), Nova Central e Intersindical Central da Classe Trabalhadora, CSP Conlut estão à frente das discussões do projeto de lei. 

Entre os pontos defendidos pelas centrais estão a valorização da negociação coletiva, com forte presença dos sindicatos nas tratativas; capacidade de as entidades se articularem com as federações e confederações para produção de acordos trabalhistas de maior amplitude; previsão de mecanismos que fortaleçam a negociação; e a criação de diretrizes como o fortalecimento de sindicatos que sejam mais democráticos em seus respectivos estatutos; e um sistema de autorregulação. 

Para líderes das centrais sindicais, o avanço recente de pautas como o arcabouço fiscal e a Reforma Tributária, criou clima favorável para as negociações junto aos empresários. O projeto em andamento prevê, entre outros pontos, um mandato de quatro anos para dirigentes sindicais, direito de oposição, transparência e exigência de que os sindicatos comprovem densidade para que possam funcionar e também propõe a criação da taxa negocial, que substitui o imposto sindical, será definida em assembleia e paga aos sindicatos por todos os trabalhadores abrangidos por acordos coletivos, descontada em folha de pagamento.

Seminário

Interessades em participar desta e de outras discussões acerca dos desafios atuais que a legislação trabalhista tem para se manter atualizada e relevante para quem vive de seu emprego já podem se inscrever no Seminário que ocorrerá nos dias 17 e 18 de agosto, das 10h às 17h, no Hotel Radisson Oscar Freire, em São Paulo (SP). 

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