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set 17, 2021

Desafio: inclusão digital de advogados idosos

Neste ano, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ lançou como meta para os próximos anos a implantação e o desenvolvimento do programa Justiça 4.0, cujo objetivo é tornar a…

Neste ano, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ lançou como meta para os próximos anos a implantação e o desenvolvimento do programa Justiça 4.0, cujo objetivo é tornar a Justiça brasileira 100% digital. É provável que o lançamento do programa nesse momento se deva às adaptações que tiveram de ser feitas na forma de entrega da prestação jurisdicional durante o período da pandemia do COVID -19.

Desde março de 2020, as atividades presencias nos tribunais estão suspensas, tanto para os jurisdicionados, quanto para servidores, magistrados e advogados. As dificuldades do momento demandam paciência, resiliência e criatividade de todos os que trabalham e dependem do funcionamento contínuo da Justiça. O uso predominante da internet e de ferramentas digitais tem possibilitado a continuidade do trabalho na advocacia, visto que audiências e sessões de julgamentos estão sendo feitas, via reunião online, com a presença de advogados, magistrados, partes e testemunhas. O quase domínio da tecnologia da informação e do computador como ferramenta, tornou-se requisito essencial para a atuação na advocacia, sendo que para o advogado jovem, a familiaridade mostrou-se natural. Muito embora o jovem advogado tenha maior domínio em relação as ferramentas tecnológicas, a advocacia que lhe é oferecida na grande maioria das vezes é precária, onde as condições de trabalho nem sempre são adequadas, muitas das vezes com a necessidade dele até valer-se de meios próprios para exercê-la, com contratação a margem da lei. Se os tempos do avanço tecnológico é excludente ao advogado idoso, ele é em muito restritivo e excludente ao jovem advogado

Já para o advogado idoso, o novo cenário é uma antecipação sem precedentes de um processo de adaptação que se iniciou em 2013 com a implantação do PJe e que ainda estava em ordem de absorção antes da Pandemia. Se o debate em torno da inclusão digital do advogado idoso já era uma pauta necessária, hoje é obrigatória, diante da perpetuação do uso massivo dos meios digitais para o exercício da profissão.

De acordo com dados da OAB Nacional, hoje são 219.638[1] advogadas e advogados ativos no Brasil acima de 60 anos de idade, número que justifica a necessidade do debate em torno da inclusão digital tanto por parte da OAB, no papel de entidade representativa de classe, quanto do próprio poder judiciário como poder constituído, cujo dever é alinhar-se às políticas de promoção e valorização do trabalho do idoso, conforme prevê o Estatuto do Idoso. O processo de digitalização da Justiça tem sido cada vez mais ousado, o que por sua vez exige do trabalho da advocacia familiaridade com o mundo digital. A novidade da vez é a digitalização dos processos para formação de um big data jurídico que alimentará a inteligência artificial: “alimentar o DataJud de forma automatizada e transformar, em texto puro, decisões e petições, a fim de ser utilizado como insumo de modelo de IA.”[2] A questão é que, quando os advogados idosos estão se acostumando com PJe e se despedindo do processo 

físico, já há a inteligência artificial sendo alimentada para proferir e prever decisões.

Toda essa movimentação é resultado da expansão da internet – internet ubíqua – fluidez, rapidez no processamento de informações e internet das coisas, características da Quarta Revolução Industrial de Klaus Schawb. O evidente avanço tecnológico propiciado por essa fluidez de dados alcançou o trabalho na advocacia e o modificou profundamente, criando patamares de distinção entre aqueles que possuem domínio no uso de ferramentas tecnológicas (geralmente os jovens) e aqueles que não tiveram a possibilidade de acompanhar a mudança na mesma velocidade. Constata-se, portanto, que a adoção cega da tecnologia, sob o signo do avanço puro e simples, dissociada da ideia de adaptação, nem sempre é símbolo de evolução e progresso, porque ao longo do caminho alguns ficam para trás. Assim como a Quarta Revolução Industrial não chegou para todos ainda, o mesmo ocorre com a Justiça 4.0, que não chegará para os idosos que não possuem o conhecimento necessário do uso de ferramentas indispensáveis para a atuação nesse novo conceito de justiça proposto. Fala-se em inteligência artificial quando o protocolo de peças processuais e as provas no formato de áudio e vídeo ainda são um calvário, até mesmo para os mais jovens.

Após mais de um ano de pandemia em que a autuação na advocacia segue ocorrendo integralmente no formato digital, discute-se a perenidade dessa “nova” forma de advogar. Fato que não é nem um pouco incômodo para o CNJ, que já leva em frente o projeto de digitalização da Justiça. Aparentemente, por entender que tudo tem funcionado sem maiores problemas. Porém, o mundo real não é 4.0 para o advogado idoso, tendo em vista que os sinais de esforços por parte das instituições responsáveis pela inclusão digital ainda são incipientes ou inexistentes.

Não se trata aqui de desmerecer a digitalização da Justiça, mas sim de alertar para a necessidade de implementações tecnológicas de modo a permitir a inclusão simultânea dos advogados, sob pena de se preterir a riqueza de conhecimento acumulado por esta parcela expressiva da advocacia. Vale lembrar que ferramentas digitais não possuem vida própria e que haverá sempre a necessidade de um advogado experiente para alimentar a inteligência artificial com teses jurídicas desenvolvidas ao longo de anos de prática e estudo. A descartabilidade digital não deve envolver o advogado idoso que, sob essa ótica, faz parte do presente da advocacia tanto quanto o advogado jovem.

Há dois caminhos no horizonte, a exclusão progressiva do advogado idoso causada pela implantação da tecnologia como única porta de acesso, ou, a inclusão, a qual deve necessariamente se iniciar pelo chamamento público ao debate desses 219.638 advogados idosos inscritos, a fim de se mapear e expor as reais barreiras encontradas para o desempenho da atividade. Somente assim será possível a criação de políticas efetivas de inclusão dos advogados idosos na advocacia digital.

Vale registrar, por fim, as palavras de uma advogada, aluna do curso de inclusão digital realizado no Paraná em 2017, as quais sintetizam a urgência do debate: “O primeiro encontro foi uma experiência extremamente positiva. Os colegas muito envolvidos, comprometidos, com ânsia de aprender. Como aluna do curso senti e ouvi o quão agradecidos eles estão por serem lembrados e valorizados, num momento em que a tecnologia vem sendo aplicado em todos os aspectos da vida profissional e cotidiana”.[1]

A construção de uma Justiça 4.0 distante da realidade dos idosos, e até como forma de exclusão e precarização para a juventude, não pode significar ou materializar-se como avanço, quando para sua implantação profissionais ficam pelo caminho.

Meilliane P. Vilar Lima – Advogada LBS e mestranda em Direito do Trabalho e Relações Sociais

 

[1] https://www.caapr.org.br/noticia/1919/curso-de-inclusao-digital-para-adultos-insere-advogados-no-mundo-da-informatica/

[2] https://www.cnj.jus.br/tecnologia-da-informacao-e-comunicacao/justica-4-0/