O Supremo Tribunal Federal julgou no final de 2020 a ação declaratória de constitucionalidade ajuizada por entidades do sistema financeiro para tentar manter a Taxa Referencial Diária (TRD) como critério de correção monetária na Justiça do Trabalho.
O imbróglio jurídico envolvendo o tema teve início com o reconhecimento do STF da inconstitucionalidade da aplicação da TRD sobre os créditos dos precatórios devidos por União, estados e municípios. A fundamentação jurídica foi embasada em uma questão econômica: a TRD não recompõe os valores devidos, pois seus índices de atualização são inferiores aos inflacionários, logo, utilizá-la importaria em prejuízo financeiro ao credor, com violação ao direito de propriedade e à coisa julgada produzida na ação judicial.
O resultado do julgamento do STF sobre essa matéria respaldou ao órgão pleno do Tribunal Superior do Trabalho (TST) a também declarar, por consequência, a inconstitucionalidade da TRD como fator de correção dos créditos trabalhistas. No entanto, inicialmente, com modulação, somente para os créditos posteriores a 25/3/2015, aos quais deveriam ser adotados os índices do IPCA-E. Para o período anterior, preservava-se a TRD.
Em agosto de 2020, o TST alterou o entendimento em relação à modulação dos efeitos jurídicos da inconstitucionalidade declarada. Passou a determinar a adoção do IPCA-E, como critério para correção monetária, aos créditos trabalhistas a partir de junho de 2009, mantendo-se a TRD ao período anterior.
Em que pese a modificação de entendimento, quando o ministro Gilmar Mendes apresentou seu voto na ADC 58, a inconstitucionalidade da aplicação da TRD para correção dos créditos trabalhistas já era matéria consolidada na Justiça do Trabalho, assim como a adoção do IPCA-E como índice substitutivo. A controvérsia existente pairava no marco inicial da modulação, se junho de 2009 ou 25/3/2015.
O Supremo Tribunal Federal pretendeu encerrar a discussão com o julgamento da ADC 58. Mas a decisão suscitou dúvidas, tanto assim que há três embargos de declaração opostos sobre o tema, uma vez que, na espinha dorsal do voto, houve alteração do critério de correção monetária dos débitos trabalhistas, principalmente a retirada de juros de 1% ao mês devidos a partir do ajuizamento da demanda, nos termos do artigo 883 da CLT, o que nem sequer se encontrava em discussão.
Com voto condutor do ministro Gilmar Mendes, o Supremo Tribunal Federal dividiu o processo em duas fases: a) pré-judicial, assim consideradas as verbas devidas até o ajuizamento; b) judicial, assim consideradas após o ajuizamento.
Para a fase pré-judicial, o STF determinou a aplicação do IPCA-E como índice de correção monetária e mais juros definidos no artigo 39, caput, da Lei 8.177/91, qual seja a TRD acumulada no período compreendido entre a data do vencimento da obrigação e o seu efetivo pagamento. Enquanto o artigo 833 da CLT previa a aplicação dos juros de 1% ao mês, a partir do ajuizamento da demanda, a decisão do STF determina a aplicação da TR como juros a partir da data do vencimento da obrigação. Embora o acórdão tenha autorizado a aplicação da TRD até a data do efetivo pagamento, na prática isso significa um computo de juros até 2017, vez que a TR a partir de então está zerada.
A cumulação de dois índices IPCA e TR no período pré-judicial foi uma surpresa para a comunidade jurídica, já que estes sempre foram utilizados como indexadores de correção monetária. No entanto, o ministro Gilmar Mendes em seu voto menciona a dúplice função da TR: ora usada como indexador de atualização monetária, ora usada como taxa de juros.
Para a fase judicial, o Supremo determinou a aplicação da Selic, na sua dúplice função: índice de correção monetária e juros. Com isso, a partir do julgamento do STF, os juros de 1% ao mês após o ajuizamento da demanda deixariam de existir.
Aquilo que deveria apaziguar as discussões está longe do fim. Isso porque, ao determinar a aplicação da Selic, o acórdão não define qual taxa Selic deve ser utilizada. Explicamos: ao se mencionar “Selic acumulada”, falta dizer se ela será acumulada de forma simples (somando os índices, como é o caso da tabela da Receita Federal) ou de forma composta (multiplicando-se os índices, como é o caso da calculadora do Banco Central).
Parece evidente que, ao instituir a Selic como índice duplo (correção monetária e juros), de forma a elidir a aplicação dos juros de 1% ao mês, o Supremo Tribunal Federal adotou a Selic acumulada composta, já que somente esta mostra-se hábil a contemplar a correção monetária mais juros.
No entanto, como a parte dispositiva do acórdão menciona a “Selic (artigo 406 do CC)” e este trata dos juros moratórios para pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional, o Tribunal Superior do Trabalho e os tribunais regionais estão utilizando a Selic acumulada simples, sendo que esta não contempla a dúplice função. Ao utilizar a Selic acumulada de forma simples, a tabela dos tribunais não considera no período judicial o cômputo dos juros, reduzindo o crédito do trabalhador e violando o seu direito de propriedade.
A decisão do STF para normatizar o índice na Justiça trabalhista provocou novas dúvidas e prejuízo ao trabalhador.
Texto publicado no Conjur
Por: Cristina Stamato (advogada trabalhista e sócia do Stamato, Saboya & Rocha Advogados Associados) e Nasser Ahmad Allan (é advogado trabalhista e sócio do Gonçalves, Auache, Salvador, Allan & Mendonça Advocacia).