Listamos pontos que atingem diversas camadas da sociedade brasileira e que causam grande prejuízo à vida das pessoas
Listamos pontos que atingem diversas camadas da sociedade brasileira e que causam grande prejuízo à vida das pessoas
Na última semana, a Câmara dos Deputados se reuniu em sessões com o propósito de votar a reforma da previdência antes do recesso parlamentar. Por diversas vezes, os partidos de oposição apresentaram requerimentos para retirar o tema da pauta, mas a base aliada ao Governo Bolsonaro conseguiu barrá-los, levando adiante a votação de um dos projetos mais danosos aos direitos previdenciários de todos àqueles que vivem do seu trabalho.
Após sucessivos discursos de deputados favoráveis e contrários à proposta, já na terça à noite, com um placar de 379 SIM x 131 NÃO, o texto base da reforma foi aprovado, passando-se, de imediato, à votação dos destaques e emendas, que são propostas de alterações pontuais ao texto, relativas a determinadas temáticas. Abaixo, listamos dez pontos que atingem variadas camadas da sociedade brasileira e, caso sejam de fato aprovadas, causarão grande prejuízo na vida de milhões de pessoas. Entenda:
1. Professores e professoras
O primeiro destaque a ser votado, ainda na madrugada de quarta, pretendia retirar as mudanças relativas às aposentadorias de professores e professoras do ensino infantil, fundamental e médio, mantendo as regras atuais. O destaque foi rejeitado por 265 x 182 e 02 abstenções. Sendo assim, para se aposentar, os professores que ingressarem no magistério após eventual aprovação da reforma terão de cumprir os requisitos de idade mínima de 60 anos para homens e 57 anos para mulheres e 25 anos de tempo de contribuição, lembrando que os requisitos são cumulativos. Já para os professores em exercícios, as regras de transição preveem, em geral, idade mínima de 51 anos para mulheres e 56 anos para homens, cumulada com tempo de contribuição mínimo de 25 anos para mulheres e 30 anos para os homens.
Interessante ressaltar que no cálculo de suas aposentadorias, serão considerados todos os salários de contribuição, o que significa que qualquer alteração da carga horária semestral impacta diretamente no valor do benefício, sendo necessários 40 anos de contribuição para acesso a 100% do salário de benefício.
É preciso mencionar, todavia que, na sexta-feira, sob discursos efusivos “em defesa da educação”, aprovou-se um destaque que reduz a idade mínima dos professores na regra de transição trazida pelo relatório substitutivo. Portanto, professores com 55 anos e 30 anos de contribuição e professoras com 52 anos e 25 anos de contribuição, desde que cumpram um pedágio de 100% do tempo de contribuição que falta para atingir 30/25 na data da promulgação da emenda, poderão se aposentar com 100% da média das contribuições (INSS).
Por essa regra, os professores dos institutos federais que ingressaram até 31/12/2003 terão direito à integralidade e à paridade se também comprovarem 10 anos de efetivo exercício no serviço público e 05 anos no cargo efetivo em que vier a se aposentar. Apenas a título de esclarecimento das consequências reais dessa emenda, que está sendo acusada de “manter privilégios”, uma professora que tenha 23 anos de magistério e 45 anos de idade na data da promulgação, teria que trabalhar mais 04 para cumprir o pedágio, mas com 49 anos, ela não atinge a idade mínima, devendo trabalhar 03, totalizando 07 anos a mais de trabalho e contribuição. Nesse ponto, ressaltamos que a reforma é extremamente cruel com as mulheres, já que dados do Censo Da Educação Básica (2018) dão conta de que do total de 2,2 milhões de professores, 80% são mulheres, as quais terão de passar ainda mais tempo dentro de sala de aula
2. Mulheres
Na quinta-feira, com a votação dos destaques sendo retomada no fim da tarde, foi aprovada a Emenda Aglutinativa n. 05, de autoria da assim chamada “bancada feminina”, que pretendia trazer de volta ao texto do art. 201 da Constituição a expressão “proteção à maternidade”, além de pleitear alteração na fórmula de cálculo das aposentadorias das mulheres e mudança no dispositivo que trata da pensão por morte. A emenda foi aprovada com 344 votos. Sendo assim, as mulheres passam a ter direito à aposentadoria quando somarem idade mínima de 62 anos e no mínimo 15 anos de tempo de contribuição. Portanto, agora, para as mulheres, são necessários 35 anos de tempo de contribuição (e não 40) para ter acesso à 100%.
Ocorre que, de acordo com o texto aprovado, suas aposentadorias continuarão tendo valor inicial de 60% do salário de benefício, uma vez que a redução impacta apenas no acréscimo de 2% para cada ano que ultrapassar 15 anos de contribuição. A título de comparação, pelas regras de hoje, a maioria das mulheres se aposenta por idade aos 60 anos de idade com 15 anos de tempo de contribuição, tendo acesso à 85% do valor do benefício, verificando-se, pois, que a reforma lhes impõe uma perda inicial de 25% nos seus ganhos.
3. Homens
Também os homens foram contemplados com alguma suavização nos requisitos de transição necessários para a aposentadoria, aprovando-se destaque que assegurou a manutenção do tempo mínimo de contribuição nos atuais 15 anos (e não 20, como pretendia o texto-base), sendo mantida, entretanto, a idade mínima de 65 anos. Entretanto, importa esclarecer que, primeiramente, essa redução apenas alcança os homens que já são segurados do INSS; para os jovens que ingressarem após a aprovação da emenda, estão mantidos os 20 anos como tempo mínimo de contribuição. Ademais, até o momento, não foi alterada a fórmula de cálculo dos benefícios para os homens, mantendo-se, por hora, a necessidade de 40 anos de tempo de contribuição para ter acesso ao valor integral da aposentadoria.
Por fim, é preocupante constatar que, ao contrário das idades mínimas, que continuariam a estar previstas na Constituição, o tempo mínimo de contribuição para acesso à uma aposentadoria é remetido para regulamentação por Lei Complementar. Isso significa que, ainda que tenha havido essa importante redução de 20 para 15 anos, fruto da mobilização e luta popular, nada impede que, aprovada a reforma, o Governo e o Congresso voltem a subir o critério, “contornando o impasse” ao trazê-lo na lei que regulamentará a reforma, muito mais fácil jurídica e politicamente de ser aprovada. Para termos dimensão do quanto esse aumento dificulta o acesso à aposentadoria, destacamos que entre 2003 e 2017, 54% dos homens que se aposentaram por idade tinham menos de 20 anos de tempo de contribuição.
4. Trabalho intermitente*
Por falar em alterações que inviabilizam o direito de se aposentar, é preciso ressaltar que o destaque que pretendia proteger os trabalhadores intermitentes, adequando sua forma de contribuição aos seus ganhos mensais, foi rejeitado pela bancada reformista. Com essa rejeição, fica mantido o texto-base da reforma, que determina que somente será computado o mês de contribuição se atingido o valor mínimo referente ao piso da categoria profissional.
Para entender o que isso significa, imaginemos que o trabalhador intermitente pertence a categoria cujo piso está fixado em R$1.000,00, logo, pelo texto-base da reforma, a contribuição mínima será de R$ 90,00 (9%). Se, em 3 meses, o trabalhador intermitente contribuir apenas R$ 30,00 porque, somados seus dias de trabalho efetivo, ele apenas recebeu 1/3 do piso a cada mês, o INSS irá somar esses 3 valores para que resultem em 1 mês de contribuição, ou seja, 3 meses de trabalho = 1 mês de contribuição.
Em uma conta simples, considerando a alteração da regra de transição, 15 anos de tempo de contribuição seriam, portanto, mais ou menos, 45 anos de trabalho… o que, não nos esqueçamos, daria a ele o direito a uma aposentadoria de 60%. Isso, infelizmente, é o retrato da reforma apresentada pelo Governo Bolsonaro que está sendo aprovada pela Câmara.
* Considera-se, em geral, como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses. Exemplo: um garçom em temporada de verão.
5. Benefício de Prestacão Continuada (BPC)
Na sequência, também foi rejeitado o destaque que pretendia manter as regras atuais de concessão do BPC, o benefício assistencial no valor de 1 salário-mínimo pago ao idoso ou à pessoa com deficiência que comprovam situação de miserabilidade. Sobre ele, é importante dizer que a proposta de aumento da idade mínima de 65 para 70 anos e a previsão de pagamento de benefícios no valor de R$ 400,00 caíram no Relatório Substitutivo, o qual serve agora de texto-base da reforma. Isso só foi possível com muita luta, resistência e divulgação massiva desse absurdo ataque às pessoas em situação de maior vulnerabilidade social.
Todavia, o Governo ainda conseguiu manter um importante mecanismo que dificulta o acesso a esse benefício: a previsão de que o critério de ¼ de salário-mínimo per capita passe a estar previsto na Constituição, contrariando, inclusive, entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Dessa forma, o Governo pretende inviabilizar a análise do caso concreto – se, por exemplo, o idoso ou a pessoa com deficiência e seu núcleo familiar, ainda que tenham renda um pouco superior a ¼ de salário-mínimo por pessoa, gastam muito com remédios, tratamentos de saúde, fraudas, alimentação especial etc., promovendo injusta exclusão e agravando a situação das famílias mais pobres.
6. Abono salarial
Nessa mesma linha de ataque direto aos mais pobres, outro destaque que também foi rejeitado dizia respeito à retirada das limitações impostas pela reforma ao pagamento do Abono Salarial, que hoje contempla trabalhadores que recebem até 2 salários-mínimos.
Com a manutenção do texto-base, trabalhadores que recebem acima de R$ 1.364,43 perdem o direito de receber o abono, ainda que o valor de seus salários seja inferior a 2 salários-mínimos. Essa é uma das muitas alterações que são difíceis de serem justificadas por aqueles e aquelas que afirmam que a “reforma combate privilégios”.
7. Policiais
Por sua vez, os protestos de policiais e a manifestação de descontentamento da categoria, importante base de apoio do Governo Bolsonaro, com as propostas de alteração em suas aposentadorias parecem ter surtido algum efeito: foi acolhido um destaque que reduziu a idade mínima de 55 anos para 53 anos para homens e 52 anos para mulheres, assegurando à categoria idades inferiores às estabelecidas para o professorado e para trabalhadores que estão expostos à condições especiais que prejudicam sua saúde ou integridade física, como vigilantes, eletricitários, profissionais da saúde, mineiros etc. Assim, policiais federais, rodoviários federais, ferroviários federais, policiais civis do DF, policiais legislativos, agentes socioeducativos e agentes penitenciários federais deverão cumular a idade mínima com 30 anos de contribuição, sendo pelo menos 20 anos no exercício do cargo de natureza policial, para homens e 25 anos de contribuição, com pelo menos 15 anos no exercício do cargo de natureza policial, para mulheres. Lembrando que o texto-base já previa o direito à aposentadoria com proventos integrais e paridade para a categoria.
8. Regras de transição
Mesma consideração não receberam os milhões de trabalhadores e trabalhadoras que já estão na ativa, contribuindo e na expectativa de se aposentar, sendo que para alguns, falta bem pouco, algo como 3, 4 ou 5 anos. Faltava, afinal, o destaque que pretendia suprimir o pedágio 100% de uma das regras de transição foi rejeitado. Sendo assim, essas pessoas terão efetivamente de trabalhar e contribuir por mais 6, 8 ou 10 anos respectivamente…
Ainda sobre as regras de transição, lembramos que o texto-base permanece inalterado, isso significa que as aposentadorias de todos que já estão no mercado de trabalho serão calculadas, em sua maioria, com observância da nova fórmula de cálculo, que prevê o pagamento de 60% do salário de benefício + 2% para cada ano de contribuição que ultrapassar os 20 anos. Ademais, não podemos nos esquecer de que, no cálculo do salário de benefício, serão considerados todas as contribuições (e não apenas as 80% maiores, como é previsto hoje), o que puxa a média para baixo. Havia um destaque que pretendia suprimir essa alteração, mas ele foi rejeitado pelo placar elástico de 346 x 143.
Por fim, destacamos que continua de pé a exigência de 40 anos de tempo de contribuição no momento da aposentadoria para conseguir receber 100% do benefício, lembrando que isso pode ser “apenas o começo”, uma vez que a regra para o cálculo das aposentadorias não está mais prevista na Constituição, sendo possível alterá-la no futuro próximo com maior facilidade.
9. Pensão por morte
Falemos da pensão por morte, o benefício previdenciário que ampara os dependentes do trabalhador que vier a falecer, sendo atualmente pago na modalidade de 100% do valor da aposentadoria que o segurado recebia ou que teria direito a receber. Muito embora a bancada feminina, em sua emenda, tenha conseguido estabelecer que o valor da pensão da viúva/viúvo não possa ser inferior ao salário-mínimo quando se tratar de sua única fonte de renda (o texto-base estabelecia o critério para o “conjunto de dependentes”), continua sendo possível pagar pensões em valor inferior ao salário mínimo. Na verdade, esse “possível” deve ser lido como provável, uma vez que o destaque que pretendia manter as atuais regras de cálculo desse benefício foi rejeitado sob discursos da base governista de que “a retirada das viúvas da reforma custaria bilhões”.
Sendo assim, a partir da aprovação da reforma, a pensão por morte será paga mediante uma cota familiar de 50% + 10% para cada dependente, com cotas não reversíveis. Isto significa, dentre outras coisas, que uma viúva só receberá 100% de pensão se tiver 4 filhos com idades inferiores a 21 anos e, quando esse filhos completarem a maioridade previdenciária, suas cotas deixam de existir, consolidando-se uma pensão de 60% para a viúva que, como sabemos, desde 2015, só será vitalícia se, na data do falecimento do seu marido ou companheiro, ela tiver 44 anos ou mais.
Lembrando que se essa viúva for empregada doméstica, microempreendedora ou mesmo trabalhadora intermitente, por exemplo, o valor da sua pensão poderá ser inferior a 1 salário-mínimo.
A histeria dos deputados que votaram a favor desse ataque frontal às mulheres (84% das beneficiárias da pensão por morte são mulheres) fica ainda mais cínica quando analisamos os dados oficiais: do total de pensões concedidas às mulheres e vigentes em 2017, 46,4% eram de até 1 salário-mínimo e 35% estavam na faixa entre 1 e 2 salários mínimos. Ou seja, mais de 80% das pensões por morte recebidas pelas mulheres não ultrapassavam 2 salários mínimos… o que, novamente, escancara a falsidade do argumento do “combate aos privilégios”, demonstrando que o “ajuste fiscal” está sendo feito em cima das aposentadorias e pensões dos pobres e de suas famílias.
10. Outras mudanças
No mais, ressaltamos que todas as alterações trazidas pelo texto-base da reforma permanecem. Nesse sentido, no Regime Próprio, vale citar as alterações significativas nas aposentadorias dos funcionários públicos federais, a possibilidade de fim do abono de permanência, as possibilidades de instituição de contribuição extraordinária e de taxação de inativos e pensionistas que recebem acima do piso previdenciário e o aumento significativo das alíquotas de contribuição que, para rendimentos acima de R$ 3.000,00, variam entre 14% e 22%.
No Regime Geral, vale ainda lembrar da instituição de idade mínima para a aposentadoria especial – determinando-se, em regra, 60 anos para as atividades que exigem 25 anos de tempo especial -, da proibição de acumulação de aposentadoria com pensão por morte quando os valores forem superiores a 1 salário-mínimo, prevendo-se descontos escalonados no 2º benefício, e do aumento das alíquotas de contribuição que, na última faixa, chegam a 14% (a única redução real é para quem ganha até 1 salário-mínimo, que foi beneficiado com 0,5% de redução, passando de 8 para 7,5%).
Foi esse o texto-base aprovado pouco antes da meia noite dessa sexta-feira em 1º turno na Câmara dos Deputados, em meio à liberação de mais de R$ 1,5 bilhões em emendas parlamentares pelo Governo para que deputados votassem a favor da reforma da previdência (o que também é conhecido popularmente como “compra de votos”). A expectativa é de que a votação em 2º turno seja realizada a partir 06 de agosto, na volta do recesso. Se aprovada por pelo menos 308 deputados, e reforma segue, então para o Senado.
Até lá, seguiremos ouvindo que “as instituições continuam funcionando normalmente” e que a “Nova Previdência” é uma necessidade para a retomada do crescimento econômico, ainda que os deputados tenham mantido, em seu texto, desonerações ao setor do Agronegócio e a possibilidade de refinanciamento de longo prazo para débitos empresariais com a previdência, afinal, é preciso deixar claro que os “sacrifícios” não virão de quem patrocina as bancadas BBB (Boi, Bala e Bíblia).
O balcão de negócios do Congresso permanece aberto, e a principal mercadoria continua sendo o fim da nossa aposentadoria.