Movimento reivindica revisão da CLT e alternativas para escala 6×1, com uma folga semanal | Rede Lado

Rede Lado

out 3, 2024

Movimento reivindica revisão da CLT e alternativas para escala 6×1, com uma folga semanal

Alternativas testadas, como de 4 dias de trabalho e 3 folgas semanais, mostram aumento de saúde e motivação de trabalhadores, com maior produtividade e receita para empresas

Um novo movimento tem se popularizado e ampliado as discussões sobre escalas de trabalho no Brasil. O Movimento Vida Além do Trabalho (VAT) tenta abrir caminhos para a revisão da legislação trabalhista e maior proteção para os trabalhadores. A principal reivindicação é o fim da escala de trabalho 6×1, que tem implicações significativas para a vida pessoal e a saúde dos trabalhadores. Na escala 6×1, trabalhadores atuam por seis dias seguidos com apenas um dia de folga, comum em setores como comércio e serviços.

Ao dedicar seis dias em sequência para o trabalho, as pessoas podem encontrar dificuldades para equilibrar vida pessoal e profissional, além de problemas relacionados às saúdes física e mental. A sobrecarga de trabalho, caracterizada por jornadas prolongadas e poucos dias de descanso, é uma das causas da Síndrome de Burnout ou Síndrome do Esgotamento Profissional, cujos diagnósticos têm aumentado no Brasil..

O advogado trabalhista Espedito Fonseca, integrante da Rede Lado, destaca que com o avanço tecnológico as pessoas têm jornadas de trabalho maiores, sem definições de horários para atividades cotidianas. “A gente vive um movimento de que as pessoas estão trabalhando cada vez mais com esse mundo digital”, afirma Fonseca. “Aquela distribuição de oito horas para dormir, oito horas para lazer e oito horas para trabalhar está acabando. A jornada de trabalho está se diluindo ao longo das 24 horas”, completa.

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não especifica escalas, como a 6×1, mas estabelece regras gerais sobre jornadas e folgas. A CLT define a jornada de trabalho padrão em oito horas diárias e 44 horas semanais, mesma definição estabelecida no artigo 7° da Constituição Federal. Há exceções para algumas categorias profissionais, que têm jornadas específicas estabelecidas por lei ou acordo coletivo. A CLT também determina que todo empregado tem direito a descanso semanal remunerado de no mínimo 24 horas consecutivas, preferencialmente aos domingos. Existe a permissão para que o descanso seja concedido em outro dia da semana, desde que um período semanal esteja garantido.

Além do Trabalho

A fim de propor a revisão da CLT, surge em 2023 o VAT. O Movimento iniciou quando o então atendente de farmácia Ricardo Azevedo publicou uma série de vídeos de desabafo sobre sua intensa escala de trabalho. No primeiro post, publicado no TikTok, Azevedo incitava a revolução da classe trabalhadora contra a escala 6×1. O vídeo ultrapassou 500 mil visualizações e teve apoio de trabalhadores que viviam a mesma realidade.

Azevedo seguiu com a produção de vídeos com foco na organização do movimento, realizando manifestações e panfletagens para sensibilizar trabalhadores. Após a visibilidade das ações promovidas pelo atendente, em parceria com a deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP), foi lançada a petição online “Por um Brasil que Vai Além do Trabalho”. A petição ultrapassou a marca de 1,3 milhão de assinaturas e segue ativa. Mais que o fim da escala 6×1, organizadores pedem:

  • Debate público aberto e transparente com representantes de trabalhadores, empregadores e especialistas em direitos trabalhistas, a fim de encontrar soluções justas e viáveis para melhorar as condições de trabalho;
  • Criação de políticas de proteção ao trabalhador que garantam direitos e promovam a saúde física e mental dos profissionais;
  • Rigor nas fiscalizações para garantir o cumprimento das novas regulamentações e punir empresas que desrespeitem direitos trabalhistas;
  • Implementação de alternativas para criação de jornadas de trabalho mais equilibradas, que permitam aos trabalhadores desfrutarem de mais tempo para suas vidas pessoais.

A luta pela mudança das escalas de trabalho não está restrita ao VAT. Outros movimentos organizados dentro e fora do Brasil visam a redução das jornadas. Por exemplo, o movimento estadunidense Antiwork – ou Antitrampo, como foi batizado no Brasil – surgiu durante a pandemia de Covid-19, na rede social Reddit. Por meio da comunidade online, o coletivo reúne histórias pessoais de trabalhadores, tenta oferecer meios para mudar locais de trabalho hostis, aconselhamento legal para movimentos grevistas, e orientações para que pessoas possam advogar em causa própria.

Além das mobilizações online, as centrais sindicais brasileiras têm tradição nas reivindicações por redução da jornada de trabalho. Em 2003, com apoio do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), centrais sindicais iniciaram a Campanha Nacional pela Redução da Jornada, que visava a redução de 44 para 40 as horas semanais trabalhadas, sem redução salarial. Mesmo que a Proposta de Emenda Constitucional pela redução tenha sido barrada na Câmara dos Deputados, as centrais sindicais reafirmam a necessidade social de reduzir as jornadas de trabalho.

Semana de quatro dias

Em contraste com a escala 6×1, a proposta de uma jornada 4×3 – com quatro dias trabalhados seguidos por três de descanso – tem se mostrado uma alternativa atraente. Tal abordagem pode ampliar a satisfação no trabalho, melhorar a saúde mental e aumentar a produtividade, demonstram estudos. Ao reduzir a carga horária semanal, os trabalhadores podem se recuperar adequadamente, e isso se reflete em um desempenho mais eficiente durante os dias de trabalho, além – e principalmente – de proporcionar um equilíbrio mais saudável entre a vida pessoal e profissional.

Com mais tempo livre, os trabalhadores podem se dedicar a atividades pessoais, familiares e de lazer. Além disso, essa forma de trabalho tem mostrado potencial para reduzir o estresse e a incidência de burnout, problemas que são comuns entre aqueles que enfrentam uma rotina desgastante, como a da escala 6×1. Entretanto, a transição para uma jornada de quatro dias não é isenta de desafios e precisa ser testada.

O modelo de escala de trabalho 4×3 já foi implementado em alguns países. Em projetos-piloto conduzidos no Reino Unido, os trabalhadores experimentaram uma semana de trabalho reduzida sem diminuição salarial. O projeto durou seis meses e foi aplicado em 61 empresas de diferentes setores – como de comércio e de tecnologia. Os trabalhadores afirmaram estar menos estressados e ansiosos, que passaram a ter mais tempo para atividades físicas, lazer e convívio familiar, e que economizaram dinheiro, pois os gastos com transporte e creche para os filhos foram reduzidos. As empresas observaram aumento na produtividade e de 35% no faturamento, visto que os trabalhadores descansados renderam mais. Das companhias, 56 afirmaram que manteriam a alteração na jornada temporariamente e 18 a tornaram permanente.

No Brasil, a semana de quatro dias já é realidade em algumas empresas e está em fase de teste em outras. O projeto-piloto foi aplicado no país pela organização sem fins lucrativos 4 Day Week Global (Semana Global de 4 dias, em tradução livre), que desenvolveu projetos semelhantes na Europa e na Nova Zelândia. A maioria das empresas brasileiras participantes são do setor de tecnologia. Como no caso europeu, observou-se nos trabalhadores a redução do estresse e ansiedade, mais tempo para vida pessoal e aumento da motivação. Porém, o experimento ainda está restrito a poucas organizações, devido à viabilidade econômica e ao tipo de atividade realizada.

Em entrevista concedida ao jornal Brasil de Fato, o diretor executivo da campanha 4 Day Week Global, Joe O’Connor, aponta que a diminuição da jornada de trabalho para quatro dias pode também reduzir as emissões de carbono. Com menos horas trabalhadas, o deslocamento seria menor e o gasto com energia diminuiria.

Em Portugal, que também aplicou o projeto-piloto da 4 Day Week Global, economistas veem com ceticismo a adoção em massa da escala 4×3, devido à especificidade de alguns setores. Sobre o caso brasileiro, Espedito Fonseca aponta dificuldades e caminhos. “A gente tem uma contrariedade do mundo do capital bem grande. Eles [empresários] gostariam se pudessem aumentar o número de horas trabalhadas”, afirma Fonseca.

O advogado trabalhista pondera que, primeiro, é necessário unir a classe trabalhadora e pensar em alternativas mais viáveis, como uma proposta de escala 5×2 – cinco dias de trabalho seguidos por dois de descanso – antes de pressionar pela escala 4×3. Isso porque a adaptação das empresas à escala de trabalho 4×3 pode demandar mudanças significativas em processos e estruturas organizacionais.

A diminuição da jornada pode gerar empregos, por um lado, mas reduzir a receita das empresas, por outro, o que dificultaria a sustentabilidade de empreendimentos de pequeno e médio porte que funcionam em horários específicos, como restaurantes e centros de saúde. O debate em torno das possibilidades não se restringe a movimentos independentes. Exemplo disso é o fato de que, atualmente, há três propostas para a redução da jornada de trabalho em análise no Senado brasileiro.

Precarização do trabalho em pauta

De modo interdisciplinar, para analisar a realidade atual do mercado de trabalho brasileiro, a Rede Lado promove em novembro deste ano a terceira edição de seu Seminário anual. Com a temática “Em que mundo você vive: direito sem trabalho, trabalho sem direitos?”, o evento terá quatro painéis temáticos e contará com a participação de estudiosos, advogados trabalhistas, representantes sindicais, entre outros. Cada painel abordará um aspecto da precarização do trabalho, incluindo os desafios das escalas de trabalho.

O Seminário ocorrerá dias 7 e 8 de novembro, no Hotel Intercity Paulista, em São Paulo (SP), segue com inscrições abertas, que podem ser feitas pelo site Sympla, no valor de 400 reais a inteira. A meia-entrada é assegurada para pessoas aposentadas, integrantes de entidades sindicais, estudantes, professores e professoras. As comprovações devem ser feitas no credenciamento do evento.

Serviço

  • O quê: Seminário “Em que mundo você vive: direito sem trabalho, trabalho sem direitos?”
  • Organização: Rede Lado
  • Local: Hotel Intercity Paulista (Rua Haddock Lobo, 294 – Cerqueira César, São Paulo/SP)
  • Datas: 7 e 8 de novembro, quinta e sexta-feira, das 10h às 17h
  • Inscrições: https://bit.ly/3yyij9O

Fique por dentro do Seminário