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abr 28, 2021

Há vagas para a necropolítica?

Comitê de  Diversidade da Rede Lado É madrugada de quarta-feira e mais um paciente entra em estado grave em um hospital de uma pequena cidade no interior do Brasil. Teve…

Comitê de  Diversidade da Rede Lado

É madrugada de quarta-feira e mais um paciente entra em estado grave em um hospital de uma pequena cidade no interior do Brasil. Teve um AVC e precisou de atendimento imediato. Problema: não tem leito. O hospital está em colapso, completamente lotado, sem leitos disponíveis e mais: sem medicamento. Esta história até começa fictícia, mas não termina assim.

Em março de 2021 morre de Covid-19 o primeiro paciente em espera de leito de UTI em São Paulo. Isso se repetiu Brasil afora. A história fictícia do parágrafo acima já tomou forma com pernas, braços, cabelos, unhas, olhos, cabeça, ombro, joelho, pé e nome. Mas a maioria sem ar nos pulmões.

Alguns podem dizer: “ah, mas o Brasil nunca foi preparado para uma pandemia”. Existem tecnologias para levar o ser humano até Marte, mas ainda não prevemos o futuro com tamanha precisão. Porém, há anos, estudiosos, filósofos, ativistas e até mesmo escritores de ficção faziam suas apostas para tentar acertar o que vinha por aí (por aqui). Octavia Butler no livro nem tão distópico assim d’ “A Parábola do Semeador” chega bem perto do que vivemos e ainda vamos viver: uma crise ambiental, econômica e política que leva a morte e o caos social.

E o que é uma pandemia senão tudo isso bem junto e misturado?! Agora, tínhamos como prever a junção de uma pandemia com um governo que adota uma política de genocídio à população pobre? Tínhamos?  Neste mesmo livro, Butler diz: “A maioria dos mortos é a população de rua que não tem para onde ir e que só sabe dos alertas quando já é tarde demais para se proteger. Onde está a segurança deles, afinal? Ser pobre é um pecado contra Deus?” p.26. Este alerta que Butler afirma são de ataques e roubos. Mas no Brasil, além disso, temos o vírus. Quem ataca deveria proteger?

Em 2019, o atual presidente do Brasil “sugeriu” que funcionários e servidores federais ambientais se destinassem “a ponta da praia”, caso fossem “atrapalhar o progresso” do governo. A ponta da praia que ele se refere, era o local de execução de presos políticos na época da Ditadura Militar. Com “progresso do governo” ele quis dizer a queimada do Pantanal, da Amazônia, quase 400 mil mortes por Covid-19, a taxa de pobreza exorbitante ou o desemprego? 

O presidente é genocida? Se você questionar o Google somente com “genocida”, as notícias melhores ranqueadas são: “Bolsonaro é um genocida?” “Bolsonaro pode ser chamado de genocida?”. De acordo com o Dicionário Michaelis On-line, um genocídio é “Destruição total ou parcial de um grupo étnico, de uma raça ou religião de métodos cruéis”, então, um genocida é quem pratica um genocídio.

Porém, alguns também afirmam que o vírus mata pessoas de todas as classes, gêneros e raça. Então, de acordo com essa lógica, Bolsonaro não seria genocida, pois pessoas de todas os jeitos estão morrendo, nisso ele é democrático. Mas quem está mais exposto e morre mais são os trabalhadores pobres, negros e mulheres que nunca tiveram a escolha do “home office”, a única coisa a se escolher foi: ou a fome ou o vírus.

Carolina Maria de Jesus em seu livro “Quarto de Despejo” diz: “A tontura da fome é pior do que o álcool. A tontura do álcool nos impele a cantar. Mas a da fome nos faz tremer. Percebi que é horrível ter só ar dentro do estômago”. E temos outro porém, de acordo com a PNAD Contínua, o Brasil tem a pior taxa de desemprego desde 1992 e 125 milhões de brasileiros vivem em insegurança alimentar. Citando o famoso editorial da campanha eleitoral de 2018 do Estadão que trazia Bolsonaro e Haddad: realmente, uma escolha muito difícil.

É um plano para trucidar e assassinar pessoas no Brasil? Em ensaio publicado em 2003, o filósofo camaronês Achille Mbembe dedicou o texto de pouco mais de 30 páginas a examinar como os governos administram a morte, com isso, deu o nome de “Necropolítica” o conceito que descreve como nas sociedades capitalistas é o próprio Estado que define quem vive e quem morre. E Bolsonaro está fazendo isso? O presidente diz que são os governadores e prefeitos que ajudam a minar a economia brasileira, matando o povo de fome (já que a fome, o desemprego e a miséria também aumentaram no Brasil nos últimos dois anos), fora os quase 400 mil mortos por Covid-19.

Entretanto, em um estudo conjunto feito desde março de 2020 entre a Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, o Centro de Pesquisas e Estudos de Direito Sanitários (CEPEDISA) e a Conectas Direitos Humanos, mostrou em 21 de janeiro de 2021, na pesquisa intitulada Direitos na Pandemia – Mapeamento e Análise das Normas Jurídicas e Resposta à Covid-19 no Brasil que: “Nossa pesquisa revelou a existência de uma estratégia institucional de propagação do vírus, promovido pelo Governo brasileiro sob a liderança da Presidência da República.” Bolsonaro faz necropolítica? Bolsonaro é genocida?

Este texto vem cheio de perguntas. Talvez tenhamos algumas respostas se os pontos de interrogação forem tirados de todos estes questionamentos e colocarmos no lugar um ponto final ou um ponto de exclamação. O óbvio também é difícil de se enxergar, seja na linguagem, no cinema, na televisão e em muitas outras coisas. Mas a realidade está cada vez mais perto da ficção e para isso, mesmo com as respostas, não podemos fugir dela.

 

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