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nov 4, 2021

José Eymard Loguercio e a defesa dos Direitos achados na Rua

Mineiro, de Monte Santo de Minas, a vida de advogado de José Eymard Loguercio começou “do nada”. No colegial, escolheu as biológicas como matérias principais, porém, afeiçoava-se aos escritos e…

Mineiro, de Monte Santo de Minas, a vida de advogado de José Eymard Loguercio começou “do nada”. No colegial, escolheu as biológicas como matérias principais, porém, afeiçoava-se aos escritos e às matérias de humanidades. “Eu achava que seria jornalista, tinha quase certeza, “afirma.  Fez teste vocacional com uma psicóloga e não deu outra: jornalismo. Entretanto, Eymard teve influência de um amigo de longa data, que ainda o acompanha: Eduardo Surian Matias. Hoje, os dois são sócios da LBS Advogados. Por algum tempo durante a juventude, um pouco antes de decidir qual curso fazer, Eymard teve uma proximidade grande com a família de Eduardo e o amigo já fazia Direito, por isso e também pensando em um futuro profissional que pudesse juntar a leitura com a carreira, Eymard escolheu o Direito.

“Eu lembro que a psicóloga que fez meu teste vocacional ficou furiosa quando eu disse que iria fazer Direito.” Entrou no curso da PUC – Campinas em 1983 e, no mesmo ano, tornou-se bancário para conseguir pagar as despesas da faculdade. Logo no começo, Eymard lembra de um professor de Introdução ao Estudo do Direito que o despertou para as teorias do Direito Crítico. “Aquele professor me ajudou a enxergar uma doutrina para além dos códigos, além do que, fui estudante em um período bem politizado, então isso também corroborou. Ele me ajudou a entender que eu poderia ser um advogado que encontrasse um outro caminho, para além das leis, “conta.

Assim como vários advogados e advogadas da Lado, Eymard também participou do movimento estudantil, fazendo com que ele tivesse ainda mais ligado aos movimentos sociais e políticos daquele momento. “Eu me lembro de ter ido ao Encontro Nacional dos Estudantes de Direito (ENED) em Niterói, logo no final de 1983 e neste encontro comecei a estudar um pouco mais sobre as teorias do Direito em que os movimentos sociais são peças-chave.” Eymard conta que outros estudantes do Brasil todo, que hoje também compõem a Lado, estavam lá. A partir do encontro, Eymard começou a se interessar mais e mais pelos movimentos sociais e também pela teoria do ‘Direito achado na Rua’- institucionalizada em 1986 pela UnB.

“O professor Roberto Lyra Filho fez uma palestra neste ENED sobre a perspectiva teórica e prática do ‘Direito achado na Rua’. Logo que eu voltei do encontro, um colega mais velho que também cursava Direito, avisou a mim e ao Eduardo que havia aberto edital para estagiários no Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas. Inscrevemos no fim do ano e conseguimos a vaga para começar a estagiar em 1984”. Eymard pediu demissão no banco para poder ser estagiário. O advogado conta que foi esse conjunto de fatores que o fez pensar sobre a defesa dos trabalhadores.

Antes da Constituição, os estagiários faziam audiências assim como advogados formados: “Na época, a gente era contratado pelo sindicato como empregados, não como estagiários. Eu nem estava no período formal para estagiar. Mas depois que entrei no mundo sindical, nunca mais o deixei,” relembra.

Com a experiência nos estágios já garantida, logo depois que se formou, Eymard começou a advogar para outros sindicatos e decidiu abrir o primeiro escritório. Logo que começou, achou melhor se desvincular dos sindicatos em que era assessor e ficar somente dedicado ao novo negócio. Essa movimentação coincidiu com a abertura do Tribunal Regional do Trabalho de Campinas em 1987.

“Como saí dos sindicatos e o TRT de Campinas havia acabado de ser inaugurado, comecei a fazer uma atuação forte no Tribunal, o que, profissionalmente foi muito importante. Passei a ocupar a tribuna e acompanhar processos logo que me formei. Isso não é comum para um recém formado. Esse momento foi crucial para a minha experiência como advogado,” conta Eymard.

Eymard e Eduardo estão juntos desde a primeira formação do escritório de advogados em 1987. Nilo chegou em 91. Em 2013 seguiram com suas equipes, sócias e sócios de Brasília e Campinas, como LBS Sociedade de Advogados, mantendo os laços de amizade, companheirismo e parceria com a maioria dos escritórios que, posteriormente, viriam a constituir a Rede Lado.

Em 1992, Eymard se mudou para Brasília para trabalhar diretamente no Tribunal Superior do Trabalho. “Quando eu cheguei em Brasília para trabalhar no TST, deparei-me com uma atuação até que familiar, concentrada. Vim acompanhar processos de sindicatos de bancários, filiados à CNB,  que hoje conhecemos como Contraf/CUT e atuar nos Tribunais em Brasília para muitos sindicatos de outras categorias. Não havia internet na época, então eu pegava o Diário Oficial de todas as publicações, selecionava vários processos, olhava, estudava os recursos, os agravos…Fui devagar, olhando os processos de cima a baixo, analisando os problemas dessa forma. Foi assim que fui criando experiência.”

Momentos marcantes

“Ainda estagiário, participei de uma greve em que uma empresa demitiu 200 trabalhadores e não havia instrumentos para defesa coletiva. A maioria com filhos e eles foram demitidos por justa causa, logo após uma greve. Estes trabalhadores acamparam no sindicato para conseguir reverter a demissão e fazer com que a empresa os pagasse. O movimento acabou depois de dois meses, junto da intervenção do Ministério do Trabalho. A empresa fez um acordo para pagamento, mas manteve as dispensas. Foi a primeira vez que me envolvi num caso assim”, conta.

Também recorda que acompanhou e organizou a primeira visita de um presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT) ao presidente do Tribunal Superior do Trabalho para um diálogo dos trabalhadores com o Tribunal. “O presidente da CUT era o Jair Meneghelli e o Presidente do Tribunal era o Ministro Orlando Teixeira da Costa. O Jair foi recebido quase como chefe de Estado. E me lembro de uma funcionária do gabinete ter dito a ele: – nossa, o senhor é muito mais simpático pessoalmente do que pela TV, que está sempre com cara de enfesado”. Em relação a processos, lembra o da substituição processual em que atuou ferrenhamente, no qual o STF consagrou a tese da substituição ampla e outro foi a tese em que o Supremo definiu a competência da Justiça do Trabalho nos casos de julgamento de interdito proibitório.

Mas, curiosamente, o caso que Eymard afirma ter sido mais marcante não foi na área trabalhista, mas sim, na área do Direito de Família.  Eymard era ainda um jovem advogado e foi procurado por uma assistente social que queria assessoria em um caso de uma família em que uma das duas filhas havia sido levada dos pais em uma decisão de destituição de pátrio poder. O advogado foi ao fórum conversar com o casal, que o pai era trabalhador em uma olaria, a mãe uma dona de casa e moravam na área rural. Ambos analfabetos.

Os pais levaram a filha ao hospital para cuidados médicos e a enfermeira disse aos dois que eles não poderiam continuar criando a criança mais jovem, pois eles não tinham condições. Um oficial de justiça buscou a menina mais nova e a tirou da família para ser adotada. “Eu entrei com a procuração para ver o que poderia ocorrer e o curioso é que não havia comprovação de maus tratos. O fundamento da destituição de pátrio poder era simples: pobreza. Somente. A mãe cuidava muito bem das filhas e frequentemente as levava ao posto de saúde para tratamentos rotineiros, além de que, mesmo pobres, o pai trabalhava e eles também recebiam doações.” Eymard entrou com a contestação e enquanto isso a criança ficou temporariamente sob os cuidados de outra família. O advogado conta que o procurador afirmou que nunca havia tido uma contestação dessas e Eymard respondeu: “eu nunca imaginei que poderia ter tido outro processo como este.”

Depois de vários depoimentos, perícias, audiências, o juiz autorizou uma visita da menina que estava afastada para ver os pais biológicos. “Quando os pais viram como a filha mais nova estava com roupas mais caras, eles quiseram ir embora. Ali, vi a luta de classes de forma bruta. Eu jamais imaginava que viveria isso. Eu não fui da teoria para a prática da consciência de classe, mas o contrário. Este foi um dos casos que ajudou a abrir meus olhos.” O juiz acabou não promovendo a destituição de pátrio poder, mas também não determinou a devolução da criança aos pais biológicos.

Lado e Lado

Sobre os colegas que também são da Lado, Eymard garante que a atuação dos advogados e advogadas, junto da premissa da defesa dos direitos sociais, faz com que a coletividade gere movimentos importantes. “Nós vimos que era importante nós termos uma sinergia para enfrentarmos o presente que é tão desafiador. Nossa formação é parecida, e também a ética de atuação que compreende o Direito como um processo de luta e como atuação estratégica para enfrentar a realidade,” consolida.

Eymard relembra que ele e os colegas de sua geração que começaram no Direito durante a redemocratização, não tiveram os recursos, a qualidade normativa e as ferramentas jurídicas que temos hoje, mas isso também fez com que eles lutassem para que fosse possível. “Nós vislumbramos uma coisa muito bonita na época, que foi a entrada na Democracia. Aprendi que algumas coisas na vida são fundamentais: a formação é uma delas – investir em um conhecimento que tenha lado-, pois há altos e baixos na profissão. A advocacia combativa é isso, saber que atuamos em um universo de conflitos, então, se há ataques aos direitos das mulheres, das pessoas negras, dos trabalhadores e, por outro lado, se você tem consciência que atua na defesa destes direitos, somos fortalecidos em rede, pois aí é a nossa hora de mostrarmos que podemos construir e sair em defesa, já que fizemos isso muito antes de alguns direitos estarem na lei,” finaliza.