A história dos sindicatos remonta ao início da organização de trabalhadores pela busca por melhores condições de trabalho dentro do sistema capitalista, se opondo aos interesses patronais e burgueses de exploração desenfreada. Longe de serem almejados pelo sistema, os sindicatos foram – e são – atacados institucionalmente, cooptados por interesses dominantes e enfraquecidos pela legislação.
O neoliberalismo, termo que descreve a atual organização do capitalismo e da sociedade, conta com discurso sedutor e com poder simbólico baseado na exploração das inclinações pessoais e particulares, manipulando desejos de liberdade para transformá-los em liberdades econômicas. Há menosprezo do social e do coletivo em prol de visão individualizante, pautada na autoexploração, no empreendedorismo e na competição. Não há tempo para reivindicar melhores condições de trabalho, se deve fazer o melhor trabalho possível para ultrapassar o esforço dos demais e, assim, torcer pelo reconhecimento.
A conceituação neoliberal de liberdade, portanto, se relaciona à liberdade de responder plenamente pelas suas próprias escolhas. Esta ideia não está dissociada, portanto, da sujeição de trabalhadores ao trabalho precário, excruciante ou mesmo análogo à escravidão, pois está relacionada à cultura do medo – de ser substituído, de não conseguir sobreviver. A igualdade neoliberal, por sua vez, tende a se apresentar enquanto a mais rudimentar possível, que não leva em conta as desigualdades inerentes em uma dada relação.
Sob a vigência de Constituição com forte cunho social, as mazelas do sistema se tornam mais evidentes. A liberdade sindical, por exemplo, não condiz com a irrestrita criação de sindicatos ou a autonomia em sua organização, mas a possibilidade do indivíduo trabalhador escolher se organizar e se associar, adentrando o pré-estabelecido e engessado modelo sindical pátrio.
Com a Constituição e suas emendas, a Justiça do Trabalho ganhou destaque no controle dos sindicatos. É neste espaço judicial que o sindicato resolve questões eleitorais sindicais e negociações coletivas sem acordo. Para garantir os direitos dos trabalhadores que representam, os sindicatos devem socorrer aos juízes, também detentores do direito de limitar ou proibir greves que considerem “abusivas” de acordo com a legislação.
Por vezes, ainda, a resposta da Justiça do Trabalho vem do silêncio, de sua perniciosa omissão ante os ataques sofridos pelos trabalhadores e sindicatos. A Reforma Trabalhista, contínuo processo de precarização das condições de trabalho, foi vendida enquanto necessária para a criação de novos postos de emprego. Não há dúvida de que foi, contudo, o maior golpe sofrido pelo movimento sindical desde sua inclusão no Estado de direito e pelos trabalhadores desde a substituição da estabilidade pelo FGTS.
Buscam as alterações legislativas “equilibrar” a relação entre a parte trabalhadora e a parte empregadora, ignorando a assimetria de forças que dá origem ao contrato de trabalho. Os ataques podem vir de forma direta ao trabalhador, pelos ataques ao acesso à justiça ou com a outorga de “liberdade”, no sentido neoliberal, para negociar diretamente com o patrão. Todavia, ao se atacar o sindicato, se pode atingir a capacidade de organização da classe trabalhadora, diretamente, e os próprios trabalhadores, indiretamente.
Ampliou-se o espaço para negociação coletiva, com valorização das normas acordadas entre sindicatos e empresas em detrimento da legislação. Ao mesmo tempo, contudo, foi tirada importante fonte de custeio do sindicato e foram limitados os efeitos da negociação coletiva. Ou seja, caso a negociação não ocorra na data prevista, os trabalhadores perdem todos os direitos da última negociação e partem da estaca zero. A entidade também foi legalmente afastada de seu papel de assistir o empregado no momento em que mandado embora.
O sindicato enfraquecido, por óbvio, não é de interesse dos empregados – ainda que estes possam se posicionar de forma contrária ao sindicato – mas na lógica neoliberal significa maior facilidade para retirar direitos trabalhistas negociados ou sair ileso de violações cometidas. A classe trabalhadora perde o controle sobre suas condições de trabalho, o que gera uma vulnerabilidade política e econômica que destrói sua capacidade de reação e a leva a aquiescer com sua submissão total ao capital.
O conflito entre sindicato e Justiça do Trabalho pode, portanto, estar na crença daquele de que esta é neutra para decidir embates entre trabalho e capital ou, ainda, de que ela serve os trabalhadores e seus interesses. Ante as numerosas alterações legislativas sofridas, era de se esperar que a Justiça do Trabalho apontasse a ausência de harmonia entre as novas normas, provenientes dos governos Temer e Bolsonaro, e o Direito do Trabalho, seja em sua previsão constitucional, legal, internacional ou principiológica. Não é o que se verifica.
Ante este cenário, o movimento sindical precisa ser reconstruído, em sua forma de atuar, de agir e na sua capacidade de representação, mas não nos termos impostos de fora pela lei e pela Justiça. Necessita, portanto, defender e conquistar sua legitimidade frente ao Estado para se organizar e na Justiça do Trabalho para fazer valer a proteção aos trabalhadores, relembrando a instituição de sua real missão contra-hegemônica: a valorização da coletividade, da proteção e do social.
Victor Sousa Barros Marcial e Fraga
Graduado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais.
Mestrando em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Minas Gerais.
Rafael Gontijo de Assis
Graduado em Direito pela Escola Superior Dom Helder Câmara
Pós-graduado em direito do trabalho e prática trabalhista pela Universidade Candido Mendes
Mestrando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais.
Cristiane Pereira
Graduada em Direito pela Universidade Potiguar
Pós-graduada em Direito Social pela Newton Paiva, em Direito Processual pela PUC/Minas, e, em Direito do Trabalho e Previdenciário pela FMP/RS