As trabalhadoras domésticas: quem são?
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que, desde 2013, o número de empregadas domésticas registradas com carteira assinada diminuiu no Brasil – e a diminuição foi ainda maior por conta da pandemia. Hoje, três em cada quatro trabalhadoras domésticas não têm carteira assinada.
Em 2013, foi aprovada a chamada “PEC das Domésticas” (Emenda Constitucional 72) que previa a igualdade de direitos entre pessoas empregadas domésticas e demais trabalhadores e trabalhadoras. Em 2015 esta PEC passou por uma regulamentação e ocorreu a aprovação da Lei Complementar nº 150, que colocou a obrigatoriedade do recolhimento do Fundo de Garantia por Tempo de Contribuição (FGTS) e outras garantias previstas em lei.
Porém, de acordo com a Agência Brasil, especialistas apontam que o objetivo de registrar ainda mais pessoas como empregadas domésticas não foi alcançado e houve um aumento de diaristas no país (pessoas que trabalham até 2 vezes por semana nas casas, não configurando relação trabalhista).
O perfil das trabalhadoras domésticas é de mulheres (representam 92% das vagas neste setor) e 65% delas sendo mulheres negras. São cerca de 6 milhões de trabalhadoras domésticas no Brasil.
Silvia Federici e O Ponto Zero da Revolução
Em uma de suas obras, a filósofa italiana Silvia Federici faz um apanhado sobre o trabalho doméstico remunerado ou não como uma das principais forças motrizes do capitalismo como o conhecemos hoje.
Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Contínua) revelam que mulheres que têm uma ocupação fora de casa gastam 6h e 48min a mais por semana do que homens em afazeres domésticos – e sem ganhar nada ou quase nada por isso. Este número é ainda maior dentro do número de mulheres que não possuem ocupação fora de casa, chegando a 24h e meia por semana dedicadas às ocupações domésticas.
Silvia Federici coloca em um dos trechos do livro “O Ponto Zero da Revolução”:
“Tal como Deus criou Eva para dar prazer a Adão, assim fez o capital criando a dona de casa para servir física, emocional e sexualmente o trabalhador do sexo masculino, para criar seus filhos, remendar suas meias, cuidar de seu ego quando ele estiver destruído por causa do trabalho e das (solitárias) relações sociais que o capital lhe reservou.”
Estes e outros trechos do livro pretendem suscitar a ideia de trabalho feito em casa não como um “trabalho de amor”, mas um trabalho reprodutivo não remunerado. Como trabalho reprodutivo, a autora coloca todo o trabalho necessário para o desenvolvimento e o sustento da vida na esfera doméstica – que acaba sendo o que sustenta o trabalho fora de casa – e, na grande maioria dos casos, feito por mulheres.
Themis – Gênero, Justiça e Direitos Humanos
Márcia Soares, Diretora Executiva da Themis – Gênero, Justiça e Direitos Humanos (Organização da Sociedade Civil) participou da roda de conversa promovida pelo Comitê de Diversidade da Rede Lado sobre trabalho doméstico e coloca:
“A gente lida com o conceito de Economia do Cuidado, mas isso tende a colocar em sinal de igualdade o trabalho doméstico remunerado e o não remunerado e eles não são a mesma coisa, a não ser pelo fato de serem um trabalho de cuidado. “
A Themis tem um trabalho com domésticas em várias frentes, envolvendo outras associações e organizações do Equador e da Colômbia, além do Brasil. O projeto “Mulheres, Dignidade e Trabalho” foi realizado com o objetivo de entender melhor os direitos das trabalhadoras domésticas nestes países.
Outro ponto colocado por Márcia Soares na roda de conversa foi:
“A categoria das trabalhadoras domésticas é a maior responsável pela autonomia das mulheres, seja porque é a que mais emprega no Brasil, seja porque é que possibilita que mulheres brancas de classe média saiamos para o mercado de trabalho. Então, esta ideia de que o trabalho doméstico não gera valor é completamente enviesada”.
A Themis está preparando um estudo que analise o impacto do trabalho doméstico remunerado no Produto Interno Bruto (PIB).
A organização sindical das trabalhadoras domésticas
A desmobilização da classe trabalhadora atinge diversos setores, porém, para a categoria das trabalhadoras domésticas é ainda mais difícil, já que a Lei Complementar nº 150 é ainda muito recente e também pela dificuldade de organização – horários, remuneração – que as trabalhadoras têm ao se instituir um sindicato.
A questão sindical é estruturante para que uma mudança significativa possa ocorrer para as empregadas domésticas, tanto para questão de fortalecimento da categoria, quanto de acesso aos direitos e à Justiça. Muitas das mulheres que fazem o trabalho sindical neste setor ou estão aposentadas ou largam o trabalho mensal para se dedicar a isso.
Além disso, não há uma organização de empregadores para que seja possível reivindicar e negociar um piso salarial possível no Brasil, o que torna a demanda do salário justo ainda mais difícil. Mesmo com os desafios, há associações e sindicatos de trabalhadoras domésticas como a FENATRAD (Federação das Trabalhadoras Domésticas).
Assista a roda de conversa completa feita pelo Comitê de Diversidade da Rede Lado com participação da Themis – Gênero, Justiça e Direitos Humanos