As discussões sobre o futuro do mercado de trabalho passam pela dicotomia entre ser empreendedor e trabalhador. Nos empregos formais, trabalhadores têm seus direitos garantidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), mas podem se deparar com ambientes inflexíveis. Já o ato de empreender sugere uma sensação de autonomia e inovação, porém tende a esconder riscos e instabilidades. Em comum, trabalhador e empreendedor encaram desafios e uma crise de representação causada por questões políticas e econômicas.
A visibilidade dos cases de sucessos de startups que se tornaram bilionárias e a idealização de que não há idade certa para começar a empreender parecem atraentes para aqueles que buscam por independência financeira e crescimento profissional. No entanto, a ideia de que qualquer pessoa pode ser bem-sucedida empreendendo é uma simplificação da realidade. Altos índices de falência, instabilidade financeira e estresse acompanham a vida empreendedora. Um ponto importante que muitas vezes é negligenciado nessa dicotomia são as desigualdades estrutural e social, além da falta de acesso a recursos materiais e financeiros. Além disso, a capacidade de criar um empreendimento bem-sucedido, na maioria dos casos, está diretamente ligada ao capital disponível, redes de contato e oportunidades de formação, fatores que estão muitas vezes restritos a uma minoria privilegiada.
Em contraponto, “trabalhadores tradicionais” seguem sendo aqueles que buscam por uma opção mais segura e estável, mesmo com autonomia limitada. Embora o emprego na empresa de outra pessoa ofereça salários fixos e recorrentes, benefícios e acesso aos direitos trabalhistas, a modalidade também pode impor um ambiente de trabalho rígido e uma sensação de falta de propósito ou crescimento profissional.
Com um mercado de trabalho cada vez mais precarizado, desde a aprovação da reforma trabalhista de 2017, no governo do ex-presidente Michel Temer (MDB), cresce a cada ano a quantidade de trabalhadores autônomos e informais no Brasil. Os trabalhadores formais enfrentam insegurança no emprego, falta de benefícios e uma luta constante para se manterem relevantes em meio às mudanças correntes, além da crise na representação sindical. Pesquisadores do IBGE consideram que a reforma trabalhista de 2017 pode ter impactado a sindicalização. Quanto menor o número de filiados, mais difícil se tornam a sustentabilidade dos sindicatos e, consequentemente, a representação das categorias.
Superação das categorias celetistas
O avanço tecnológico, a globalização e as mudanças nas dinâmicas econômicas têm originado novas formas de trabalho que não se encaixam nas categorias celetistas – cujo contrato é regido pelas regras da CLT. Historicamente, essas categorias definiram os direitos e deveres dos trabalhadores no Brasil e são estruturadas para um modelo de trabalho assalariado e formal, geralmente com vínculo empregatício registrado.
Os trabalhadores das categorias celetistas também podem contar com o apoio dos sindicatos. Estes lutam para garantir o cumprimento dos direitos trabalhistas e podem auxiliar os trabalhadores a conquistarem direitos e benefícios diferenciados por meio de acordos e convenções coletivas. A filiação dos trabalhadores aos sindicatos pode fortalecer a atuação das associações e aumentar a representação das categorias.
As atividades empreendedoras autônomas estão entre as novas formas de trabalho que não se enquadram facilmente nas definições clássicas de empregado e empregador, como o home office e o trabalho por demanda. A superação das categorias celetistas envolve um reconhecimento e uma adaptação a essas novas realidades para que a regulamentação do mercado de trabalho seja mais inclusiva. Isso pode significar a criação de novos paradigmas legais que contemplem:
- Trabalhadores autônomos – que atuam de forma independente, muitas vezes em regime de contratos temporários ou projetos específicos;
- Trabalhadores por aplicativos e plataformas digitais – que oferecem serviços por demanda, com remuneração variável e condições de trabalho instáveis;
- Trabalhadores remotos – que trabalham de casa ou de forma híbrida, o que desafia as noções tradicionais de local e jornada de trabalho.
A adaptação das leis trabalhistas às novas realidades do mercado pode representar um avanço significativo na proteção dos direitos dos trabalhadores, ao mesmo tempo que fomenta a inovação e a flexibilidade econômica. Segundo Bianca Garbelini, Diretora de Juventude da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro, da Central Única dos Trabalhadores (CONTRAF-CUT), para avançar nessa superação, o diálogo entre trabalhadores, empregadores, sindicatos, legisladores e especialistas em Direito do Trabalho possibilitaria a construção de um sistema que reconheça e respeite as diversidades dos formatos de trabalho, garantindo proteção e direitos para todos os envolvidos.
Reestruturação sindical
Com a reforma trabalhista de 2017, que flexibilizou o mercado de trabalho e simplificou as relações trabalhistas, e os anos de governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), quando o índice de desemprego chegou a atingir 14,2%, o número de trabalhadores filiados a sindicatos diminuiu, o que impacta diretamente na representação dos profissionais e na sustentabilidade das associações. Ao final de 2022, menos de 10 milhões de trabalhadores estavam sindicalizados.
De acordo com a Diretora de Juventude da CONTRAF-CUT, até mesmo os sindicatos que tradicionalmente tinham uma grande base de sindicalizados tiveram perdas e passaram a se preocupar mais com sua sustentabilidade. “Não é uma preocupação somente do ponto de vista financeiro, mas simbólico. Objetivamente, um sindicato não existe sem a sua base”, afirma.
Para Bianca Garbelini, com este cenário de diminuição no número de sindicalizados, é necessário repensar as estruturas sindicais, com novas formas de representação que façam sentido dentro da realidade brasileira contemporânea. “Quase metade dos trabalhadores brasileiros são informais, são microempreendedores individuais, são pessoas que não estão dentro do escopo da CLT. Não estamos conseguindo representar essas pessoas, porque temos essa estrutura engessada”, explica. “Para representar efetivamente trabalhadores brasileiros, a gente vai precisar de mudanças culturais, legais, a gente vai precisar tratar das Leis Trabalhistas e mexer na forma de representação dos sindicatos”, completa.
Ainda segundo Garbelini, para que os sindicatos se fortaleçam, é importante que haja diálogo entre os mais jovens. Isso porque os jovens reconhecem a importância dos sindicatos, mas ainda não desejam participar das associações por falta de identificação. “Essa nova geração de trabalhadores vêm dando uma importância para temas que antes ficavam secundarizados. Por exemplo, a pauta feminista, a pauta LGBTQIA+, a pauta racial, a pauta da pessoa com deficiência. A gente precisa olhar para todos esses públicos enquanto classe trabalhadora e entender que as necessidades desses públicos são diferentes”, explica a Diretora de Juventude da CONTRAF-CUT.
Bianca Garbelini é uma das painelistas convidadas para o seminário “Em que mundo você vive: direito sem trabalho, trabalho sem direitos?”, promovido pela Rede Lado. Presente no terceiro painel do evento, Garbelini abordará as possibilidades para superação das categorias celetistas, além das novas representações dos trabalhadores e a reorganização da estrutura sindical brasileira.
PAINEL 3 – “Primeiro levaram a CLT, mas não me importei”: a crise de representatividade dos trabalhadores”
- Debate e construção de panoramas para a reorganização sindical brasileira, a fim de conformar sua estrutura à realidade atual do mundo do trabalho;
- abordagem às novas representações dos trabalhadores (seja de movimentos sociais, de cooperativas ou até de movimentos menos organizados);
- e a evidente “superação” das categorias celetistas.
O seminário “Em que mundo você vive: direito sem trabalho, trabalho sem direitos?” ocorre nos dias 7 e 8 de novembro, no Hotel Intercity Paulista, em São Paulo (SP). As inscrições já estão abertas e podem ser feitas pelo site Sympla, no valor de 400 reais a inteira. A meia-entrada é assegurada para pessoas aposentadas, integrantes de entidades sindicais, estudantes, professores e professoras. As comprovações devem ser feitas no credenciamento do evento.
Serviço
- O quê: Seminário “Em que mundo você vive: direito sem trabalho, trabalho sem direitos?”
- Organização: Rede Lado
- Local: Hotel Intercity Paulista (Rua Haddock Lobo, 294 – Cerqueira César, São Paulo/SP)
- Datas: 7 e 8 de novembro, quinta e sexta-feira, das 10h às 17h
- Inscrições: https://bit.ly/3yyij9O