Apenas sete anos depois de deixar o Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas (ONU), o Brasil retrocede na questão da segurança alimentar. Estão cada vez mais comuns imagens de pessoas em filas ou se aglomerando para conseguir a xepa de feiras ou açougues, como a que circulou na última semana mostrando a população pobre fazendo fila num caminhão que distribuía pelancas, ossos e restos de carne no Rio de Janeiro.
Esse é o retrato de um país onde a renda da população caiu 9,4% durante a pandemia, adicionando uma crise econômica à crise sanitária pela qual passamos desde o início de 2020. De acordo com pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV), para os mais pobres essa queda foi ainda maior: 21%.
Entre as causas da diminuição da renda estão o desemprego, o desalento (quando as pessoas desistem de procurar emprego) e o isolamento de idosos, que tiveram de se retirar do mercado de trabalho por questões de saúde durante a pandemia – em um movimento semelhante ao que ocorreu com mulheres, que precisaram deixar seus postos de trabalho para cuidar dos filhos enquanto as escolas permaneceram fechadas. Todos esses fatores colaboraram para que o Brasil alcançasse a atual marca de 14,4 milhões de desempregados, cerca de 14% da população.
A falta de trabalho somada à alta na inflação, que chega a 10,5% no acumulado dos últimos 12 meses, achatou o poder de compra das famílias e, consequentemente, empurrou-as para uma realidade cruel: a da insegurança alimentar, quando não se sabe se haverá comida na mesa amanhã ou depois de amanhã. De acordo com dados da Rede Brasileira de Pesquisa em Segurança e Soberania Alimentar Nutricional (Penssan), já são mais de 19 milhões de brasileiros nesta situação, quase o dobro dos números levantados em 2018.
Problema antigo
Ainda antes da chegada da Covid-19 ao país, o problema da insegurança alimentar já estava presente em nosso meio. Em muito, devido ao enfraquecimento de programas voltados ao estímulo da agricultura familiar e ao combate à fome, além de defasagem na cobertura e nos montantes do Bolsa Família. “A fome é consequência de uma série de erros de políticas públicas e de destruição de políticas públicas”, diz Kiko Afonso, diretor executivo da ONG Ação da Cidadania, fundada por Betinho.
Além disso, há ainda uma desatualização sobre dados da chamada linha da pobreza – que define quais famílias têm direito a benefícios como o Bolsa Família. Atualmente, recebem o auxílio as famílias com renda de até 178 reais per capita, quando o necessário seriam 250 reais para a realidade atual. “A desatualização da linha de pobreza do programa cria um achatamento fictício da pobreza. O número de pobres, na realidade, é muito maior do que o número de pobres considerados do ponto de vista administrativo”, resume a socióloga Letícia Bartholo, ex-secretária nacional adjunta de renda e cidadania (2012-2016) e que estuda políticas públicas de combate à pobreza e à desigualdade.
Você precisa saber
Gol é condenada por impor maquiagem e depilação às funcionárias
Cada empregada aeronauta da Gol Linhas Aéreas terá direito a 220 reais a mais no salário para arcar com as regras estéticas impostas pela empresa que as obriga a estar sempre maquiadas e com a depilação em dia.
A decisão em primeira instância da Justiça do Trabalho obriga a Gol a pagar as indenizações com despesas de apresentação pessoal, oferecer meios para a observância de seu código de vestimenta e apresentação, e ainda a arcar com uma indenização coletiva no total de 500 mil reais por danos morais. Cabe recurso da decisão.
Professores de escolas públicas brasileiras recebem os piores salários do mundo
O título pode parecer redundante ou até exagerado para alguns, mas infelizmente reflete a realidade: de acordo com o relatório Education at Glance 2021 feito pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), o piso salarial de professores de Ensino Fundamental no Brasil é o mais baixo entre os 40 países participantes da pesquisa.
Enquanto por aqui um professor tem o salário inicial na faixa de 13,9 mil dólares por ano, em países como Chile e Colômbia essa cifra é de 20 mil dólares anuais. A pesquisa mostra ainda que há defasagem de leitura entre jovens e que o Brasil foi um dos poucos países do mundo que não aumentou recursos para a Educação durante a pandemia.
Análises
Governo Bolsonaro e o apogeu do capacitismo
Por Marília Pacheco Sipoli, do escritório Advocacia Scalassara & Associados
A passagem do Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência, celebrado em 21 de setembro, enseja a reflexão sobre a tendência do governo atual em retroceder em relação às políticas públicas de inclusão das pessoas com deficiência, atacando sistematicamente o conceito de educação inclusiva com discursos como o de que é “impossível de conviver” com crianças com algum grau de necessidade especial. Da escola ao mercado de trabalho, não há o que comemorar: o caminho para que essa parcela da população seja realmente incluída nesses meios não só é longo, mas se torna ainda maior quando nos deparamos com proposições como a Lei 8.213/91 que, ainda que traga a previsão das cotas em algumas empresas, não trata de uma efetiva cultura de inclusão, mas somente a obrigatoriedade do cumprimento legal. Continue lendo
Antes de sair…
Eventos
- Nesta terça-feira, 19h, tem Maratona LGPD com o quarto evento temático virtual sobre os desafios na proteção de dados pessoais.
- Até amanhã tem encontro virtual A Pessoa Idosa e o Estatuto do Idoso na Atualidade, da OAB.
- E dias 7 e 8/10, às 9h, tem o 21º Congresso Nacional de Direito do Trabalho e Processual do Trabalho, com especialistas do Brasil e exterior.
Dicas culturais
- Cinema: está disponível na plataforma Itaú Cultural Play o filme “A Última Floresta”, de Luiz Bolognesi, que retrata o cotidiano de um grupo Yanomami isolado há mais de mil anos no norte do Brasil.
- Teatro: segue até 12/10, de sábado a terça-feira às 20h, a temporada do espetáculo online Útero, do Coletivo Teatro da Crueldade.
- Podcast: o projeto +70 conta a trajetória da atriz e cineasta Helena Ignez, famosa por atuar em clássicos do cinema nacional dos anos 1960 e 1970.
- Música: depois de quase uma década Rita Lee lançou a dançante “Change”. Parceria com o marido Roberto de Carvalho e o produtor musical Gui Borato, a música já tem clipe disponível no YouTube.
Menino de 6 anos rifa carro de colecionador e reverte dinheiro em cestas básicas em Minas Gerais
Morador de Contagem (MG), o pequeno Arthur Moreira, aos 6 anos, já fez mais por quem precisa do que muita gente grande por aí: ao assistir a uma matéria na TV sobre pessoas passando dificuldades financeiras por causa da pandemia, resolveu que iria ajudar. Ele então propôs à família vender um Fusca ano 1980, com placa de colecionador, que era “seu”.
Segundo o pai, Eduardo Moreira, o menino tinha pouco mais de um ano quando o automóvel foi adquirido em uma loja que tinha o mesmo nome do filho. O carro também veio com uma placa estampada com o nome do pequeno. “Na época, todo mundo me perguntava se eu venderia, e eu dizia que era do Arthur. Quando começou a ler, a primeira coisa que ele identificou foi o nome dele no carro. E ficou com isso na cabeça que o carro era dele”, relembra.
Ao assistir à reportagem sobre as pessoas que passavam fome, o menino se inquietou e pediu ao pai para ajudar vendendo o carro. A família resolveu rifar o veículo e, assim, mobilizar mais pessoas em torno da causa. Foram vendidos 4.500 bilhetes e, com o dinheiro, montadas 450 cestas básicas para doação.
Como a rifa não teve vencedor, o empresário Wilian de Oliveira “comprou” o Fusca 1980 em troca de um suprimento de latas de um leite especial que serão doadas durante sete meses a uma ONG. Cada lata custa em média 50 reais, o que deve inteirar os 20 mil reais que o carro vale.