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abr 13, 2023

A divisão sexual do trabalho e a atuação com perspectiva interseccional de gênero

  Em dados obtidos pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), a maioria das pessoas que advogam no país são mulheres. São cerca de 667.606 advogadas e 642.906 advogados, totalizando…

 

Em dados obtidos pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), a maioria das pessoas que advogam no país são mulheres. São cerca de 667.606 advogadas e 642.906 advogados, totalizando mais de 1 milhão de pessoas. Ainda que a maioria seja de mulheres, a realidade mostra o machismo e a misoginia no tratamento de gênero na advocacia.

Os cargos de chefia continuam sendo ocupados, em sua maioria, por homens. Segundo o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), os homens ocupam 57% dos chamados ‘cargos de confiança’, mesmo que as mulheres sejam 56,5% do total dos servidores atuantes no Judiciário. Esses cargos de confiança são, também, os de maior salário e poder.

Esses índices mostram a perpetuação da exploração de gênero nas esferas do Direito – sendo um espelho da sociedade. As trabalhadoras de diversas áreas também sofrem com a exploração diária, sendo no trabalho ou em casa, além de terem que lidar com o enfrentamento ao machismo e à violência de gênero.  

Uma das lutas dos movimentos de mulheres é pela remuneração igualitária dos salários entre homens e mulheres. Agora, com o Projeto de Lei de Igualdade Salarial assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), caso a proposta passe pelo Congresso, as empresas e instituições deverão pagar os mesmos salários a homens e mulheres que ocupam o mesmo cargo. A multa para não cumprimento da lei é de 10 vezes o maior salário pago pela empresa.  

Lula assinou o PL no Dia Internacional das Mulheres, 8 de março, e reiterou a importância do Poder Judiciário em garantir o cumprimento da lei. Além da ministra da Mulher, Cida Gonçalves, outras mulheres de importância nacional estavam presentes, como a ex-presidenta Dilma Rousseff, a ministra da Igualdade Racial Anielle Franco e demais mulheres de movimentos sociais de todo o Brasil.

Ademais, Lula também assinou a Convenção 190 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) que estabelece novas normas globais para o fim da violência e assédio no mundo do trabalho.

“Gênero não pode ser tratado como questão identitária” 

A advogada e professora de Direito do Trabalho na Escola Trabalho e Pensamento Crítico, afirma que a questão de gênero não pode ser tomada como identitária:

“É óbvio que existe uma exploração do trabalho, mas as mulheres convivem com uma dupla exploração, pois são exploradas no trabalho produtivo e no trabalho reprodutivo também.”

Luciane reitera que a exploração entre homens e mulheres no trabalho e fora dele não pode ser vista como algo homogeneizado. 

No livro “O Ponto Zero da Revolução”, de Silvia Federici, a autora retoma que, se não fosse o trabalho reprodutivo das mulheres, o capitalismo e o patriarcado não teriam se estruturado como tal. Por isso, retoma Luciane, que a questão de gênero não pode ser vista como identitária:

“Se coloco a questão de gênero como ‘identitária’, coloco isso como subjetivo, ou seja, atribui-se esse problema como individual e isso não procede. Esse é um problema estrutural, assim como o racismo, por exemplo”. 

A advogada ressalta que a discussão sobre a divisão sexual do trabalho deve perpassar diversos setores sociais, não só os movimentos que lutam pela emancipação e igualdade entre homens e mulheres. 

Além disso, a advogada destaca que o movimento sindical precisa começar a discutir este assunto de maneira alastrada e aprofundada: 

“A divisão sexual do trabalho é o que define o papel da mulher em todos os lugares onde ela está. Então, no caso da advocacia, as pessoas que advogam precisam conseguir identificar as violências que as clientes mulheres sofrem. Isso também serve para o movimento sindical, que precisa começar a criar recortes e protocolos para o tratamento destes casos. Por isso que, a meu ver, esse deve ser o eixo central das discussões.

Sob os olhares e os cuidados atribuídos às mulheres 

De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), as mulheres compõem 73% do “trabalho invisível” dentro das casas e também são maioria nas profissões de cuidado – caso da enfermagem, que somam 85% de mulheres na profissão.

Para além dos índices apontados, em conversa para a Rede Lado, as advogadas Laura Figueiredo (Mary Cohen Advocacia), Maria Gabriela Vicente (LBS Advogados, Marília Pacheco Sípoli (Advocacia Scalassara) e Tatiana Soares (Geraldo Marcos Advogados), relataram dificuldades em alguns quesitos da profissão. De acordo com as advogadas e associadas da Rede Lado, o gênero é sim um fator diferencial no mundo da advocacia.  

“Tenho que pensar várias vezes na roupa que estou usando, colocar um salto e uma camisa, por exemplo. Já até pensei em tentar engrossar um pouco a voz pensando em passar mais credibilidade,” diz Marília Pacheco Sípoli

Ainda tomando como base o mundo do Direito, em mais de 90 anos de OAB, nunca houve uma mulher presidindo o que é o maior conselho civil do Brasil. Mesmo que a maioria dos associados sejam mulheres, apenas 18% presidem seccionais, de acordo com a própria Ordem.

Maria Gabriela Vicente reitera que a questão de idade também influencia no tratamento jurídico, já que há um preconceito com mais jovens, principalmente com mulheres.  

“As mulheres nunca estão na idade certa, não importa o nível de capacitação ou competência, sempre temos que nos provar para conseguir o respeito dos homens na nossa área,” afirma a advogada. 

Outro apontamento feito por Laura Figueiredo é sobre a discussão interna entre advogados e advogadas no que tange a qualidade de vida dos trabalhadores e trabalhadoras da área. 

“As advogadas têm dificuldade até no que tange ao planejamento familiar. Quantos escritórios concedem um afastamento remunerado equivalente à licença maternidade para advogadas associadas? Onde eu trabalho nós possuímos esse direito, mas sabemos que essa não é a realidade da maioria das advogadas associadas.

Tatiana Soares retoma a importância do apoio entre mulheres e a necessidade da participação ativa dos homens contra o machismo.  

Atuação com perspectiva interseccional de gênero 

Pensando em desenvolver profissionais comprometidos com a defesa das mulheres, a advogada Luciane Toss irá ministrar uma formação com ênfase na atuação com perspectiva interseccional de gênero para pessoas advogadas da Rede Lado.

“A advocacia com perspectiva de gênero é uma ‘espécie’ dentro do que chamamos de advocacia feminista. Ela é instrumental (advocacia com perspectiva de gênero). É um método de atuação na busca da reparação de violências e direitos desrespeitados dentro dessa perspectiva de gênero.

Luciane declara que não dá para ter só mulheres nas capacitações de gênero, pois principalmente no meio sindical, há muitos advogados homens que também defendem causas de trabalhadoras.  

“Conhecendo a formação da Lado, eu sei das mulheres e feministas que compõem a Rede. Sendo bem franca, para mim é muito importante que tenham muitos homens nesta capacitação, pois é neste momento que poderemos discutir as questões de gênero que também devem ser desenvolvidas por eles. Se você diz que quer mudar a sociedade, você também é responsável por essa discussão.”

A capacitação com Luciane Toss é um projeto interno da Rede Lado, formulado pelo Grupo de Trabalho de Capacitação e terá aulas quinzenais sobre o assunto.