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set 23, 2021

Etarismo e tecnologia: desafios da era digital

A exclusão dos idosos do mercado de trabalho é uma realidade que pode se tornar ainda mais estigmatizada após a decisão da OMS sobre o termo “velhice” como doença. Leia…

A exclusão dos idosos do mercado de trabalho é uma realidade que pode se tornar ainda mais estigmatizada após a decisão da OMS sobre o termo “velhice” como doença. Leia mais na matéria! 

A partir do dia primeiro de janeiro de 2022, qualquer pessoa que tenha 60 anos ou mais será considerada doente. Isso por conta da nova edição de Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas relacionados à Saúde (CID11), documento proposto pela Organização Mundial da Saúde que decidiu incluir o termo “velhice” (código MG2A) como novo termo de doença no CID11. Então, se você está perto dos 60, prepare-se: logo menos estará doente. 

A nova categoria proposta pela OMS não agradou especialistas brasileiros e o Conselho Nacional de Saúde publicou uma nota afirmando ser contrário à inclusão do termo “velhice” como doença. Na nota, o CNS destacou: “o envelhecimento da população é um fenômeno global, especialmente acelerado nos últimos 20 anos. Dados da OMS apontam que o número de pessoas com 60 anos ou mais em todo o mundo dobrou desde 1980 e há previsão de que chegue a 2 bilhões em 2050. Atualmente, mais de 34 milhões de pessoas com idade igual ou superior a 60 anos são responsáveis por 23% do consumo de bens e serviços no Brasil.”

De acordo com o Relatório Global de Sistemas Previdenciários de 2020, realizado pela Allianz seguradora, em 2050, a taxa de idosos fora do mercado de trabalho pode chegar a 40%. O percentual atual está em torno de 10% a 15%. Porém, essa taxa prevista pode mudar até lá, principalmente depois da Reforma da Previdência de 2017 e as novas reformas no trabalho. Vários aposentados que têm mais de 60 ou estão perto de fazê-lo, têm continuado a trabalhar para conseguir complementar renda. Caso da professora do ensino básico do Paraná, Suely de Souza, 55 anos.

“Sou aposentada como professora de matemática pelo Estado do Paraná, a documentação saiu em maio deste ano. Mas continuarei a trabalhar no município, mesmo aposentada, para conseguir complementar a renda. Talvez isso se mantenha depois dos meus 60 anos.” afirma Suely. 

Adicionar o termo velhice ao CID trouxe reflexões sobre o etarismo, que é o preconceito com o envelhecimento e também em relação a como desenvolver outras maneiras de não tornar a longevidade algo doloroso ou refutável. Uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2018 apontou que o índice de idosos que voltaram ao mercado de trabalho cresceu 43% em quatro anos.  De acordo com então coordenador de trabalho e rendimento do IBGE, Cimar Azeredo, hoje diretor de pesquisas do instituto, um dos principais fatores é a falta de renda acarretada pela crise econômica, que torna ainda mais difícil a inserção destes idosos em novos empregos, sejam eles formais ou não.

Tecnologia e Adaptabilidade 

Também a crescente sobrecarga de trabalho torna necessária uma técnica específica relacionada ao tempo e à atenção, que tem efeitos novamente na estrutura da atenção. A técnica temporal e de atenção multitasking não represente nenhum progresso civilizatório.” É o que diz o filósofo Byung-Chun Han em um trecho do livro “Sociedade do Cansaço” (Editora Vozes,2015), cada vez mais as pessoas são pressionadas a serem multitasking, porém, para pessoas idosas, além das questões geracionais, cargas exaustivas de trabalho e demanda por renovação, há algo que não dá mais para fugir: o avanço tecnológico. 

A socióloga do trabalho e professora universitária da Universidade Estadual de Londrina Simone Wolff, em entrevista para a Rede Lado, diz qunovas tecnologias mais desqualificam e simplificam o trabalho do que dificultam. O princípio da tecnologia é esse: ciência aplicada à produção com vistas a aumentar a produtividade. Isso passa por três processos: substituição da força de trabalho por máquinas para diminuir custos; tecnologia aplicada ao processo produtivo para simplificar, encurtar o tempo e diminuir o salário. terceira consequência da automatização, isso sempre, é intensificar o trabalho, assim, você torna o trabalho mais simples e faz o trabalhador produzir mais e mais rápido, gerando ainda mais lucro ao capital.”

Com a pandemia, o home office e o trabalho remoto se transformaram no “novo normal” no Brasil e no mundo. Se a aprendizagem dentro do mundo digital, tanto para jovens quanto para idosos, já vinha a passos largos, depois da Covid-19 houve uma abrupta mudança sistemática da forma de trabalho. A professora Suely reitera as mudanças: “A pandemia acelerou a maneira de dar aulas, tive um pouco de dificuldade na adaptação, principalmente no Google Meet, pois foi tudo muito rápido. Ter de dar aula online e fazer o estudante prestar atenção e aprender foi bem difícil, mas essa é a nova realidade e tivemos de nos acostumar.”  

De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), na plataforma do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 7,9 milhões de brasileiros passaram a trabalhar remotamente, os dados são do final de 2020. E essa realidade está presente em vários tipos de emprego. Em estudos da própria pesquisadora e professora Simone Wolff, mostra-se no livro “Informatização do Trabalho e Reificação” (Editora Unicamp, 2005) que a realidade dos profissionais da educação, por exemplo, seria a de substituição por aulas gravadas antes mesmo de acontecer uma pandemia, a Covid-19 só acelerou o processo.

Rito de passagem e viabilidade  

A exclusão de idosos do mundo tecnológico não para nos processos de admissão e continuidade do trabalho, mas também no acesso a cursos e ferramentas. Para advogados, por exemplo, além da questão geracional, o Processo Judicial Eletrônico foi implementado há cerca de dez anos e alguns advogados dizem da dificuldade de adaptação. Há políticas de inserção de pessoas mais velhas a estas ferramentas, caso do curso de inclusão digital feito em 2017 pela Caixa de Assistência dos Advogados do Paraná. O curso era voltado para advogados adultos e o objetivo era que entendessem as mudanças do mundo digital e do PJE. Políticas públicas de incentivo e ensino são necessárias para que pessoas ativas e que precisam ou querem trabalhar possam continuar, afirma Simone Wolff.

Preparar-se para a aposentadoria pode ser menos abrupto, se, claro, houverem maneiras para isso. Caso de Antônio Carlos Maineri71 anos, advogado trabalhista, que atuou por cerca de 40 anos e foi se preparando para sair do ofício. Maineri reitera que, obviamente, por atuar no Direito do Trabalho tinha mais conhecimento na área de previdência e isso o ajudou no preparo até a aposentadoria.

“Eu consegui programar um rito de passagem. Quando decidi parar, fui me preparando economicamente primeiro, porque, evidentemente, o rendimento muda. Fixei um prazo de dois anos para sair, de 2016 a 2018, comecei um novo calendário de trabalho, com períodos de paralização em cada mês para que, quando chegasse no último mês do calendário estipulado, pudesse sair com tudo pronto,” afirma Maineri. O advogado conta que se aposentou por idade e até continuou trabalhando por alguns anos, mas decidiu sair para aproveitar mais o tempo livre. Entretanto, reitera que esse rito é algo que pode ser programado, mas entende que a maioria da população não tem os meios ou informações para fazê-lo. Até porque, hoje, boa parte dos brasileiros estão na informalidade e, de acordo com Wolff, a conta da previdência não fecha. 

“A previdência só se sustenta num sistema bipartite e com a mediação do Estado, ou seja, entre trabalho e capital. Quando retiram essa sociedade do trabalho e trazem a ideia de “empreendedores”, apaga-se a ideia de trabalho e com isso os Direitos que estão embutidos neste conceito. Se todo o mundo é empreendedor, como um sistema previdenciário irá se sustentar? Você precariza o trabalho de gerações e aí o sistema capitalista contemporâneo afirma que a previdência está quebrada, mas é este sistema que causa isso. É dar o veneno com o nome de remédio”. Simone Wolff 

A maioria dos brasileiros aposentados ganha em torno de um salário mínimo por mês e, para idosos que precisam continuar trabalhando para sustentar uma família, a continuidade no trabalho ou a reinserção no mesmo, acaba sendo ainda mais difícil. Isso é ainda mais desafiador com o alto índice de desemprego, que hoje está em quase 15%. “O Brasil precisa criar políticas públicas para essa população idosa que está economicamente ativa e, infelizmente, mesmo depois da aposentadoria, precisa continuar trabalhando. Tornar o termo “velhice” sinônimo de doença só atrapalha o processo e estigmatiza os idosos,” finaliza Wolff.

 Mariana Ornelas – Rede Lado