Estressados. Foi assim que 46% dos trabalhadores brasileiros se classificaram ao participar do mais recente estudo do State Of The Global Workplace (Estado do Ambiente de Trabalho Global, em tradução livre), realizado pela Gallup, consultoria especializada em análise comportamental no trabalho. Outros 25% dos respondentes se sentem tristes e 18%, com raiva – o Brasil é o 4º país da América Latina com maior índice de trabalhadores tristes e com raiva. Publicado em setembro deste ano, o estudo faz parte de uma pesquisa anual da Gallup. Pesquisadores ouviram cerca de 128 mil trabalhadores de mais de 160 países.
Condições precárias de trabalho podem ser um fator determinante para o surgimento de doenças físicas e mentais, como o burnout – Síndrome do Esgotamento Profissional –, que tem se tornado uma preocupação crescente no Brasil. A diretora técnica do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), Adriana Marcolino, explica que as causas do burnout são multifatoriais e podem ser originadas por problemas como:
- Longas jornadas de trabalho;
- Aumento no ritmo de trabalho para cumprir metas e atender a pressões;
- Assédios e relações antidemocráticas no ambiente de trabalho;
- Instabilidade no vínculo empregatício;
- Endividamento e empobrecimento da classe trabalhadora.
De acordo com a diretora, além do aumento dos diagnósticos de burnout, ainda há outra questão maior: a dificuldade do sistema público brasileiro em relacionar o adoecimento mental dos profissionais às condições de trabalho. “Muitas vezes os trabalhadores acabam perdendo seus empregos e não têm o amparo que deveriam ter pela legislação”, afirma Marcolino.
Desde 2022, o burnout é definido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como síndrome ocupacional crônica, pois trata-se de um fenômeno ligado ao trabalho. A OMS também inclui essa síndrome na Classificação Internacional de Doenças (CID-11), um registro estatístico que reúne e organiza doenças e sintomas em categorias.
Precarização e adoecimento
Com a reforma trabalhista de 2017, que flexibilizou as relações de trabalho, os brasileiros encontram um mercado cada vez mais precarizado, fato que afeta também as centrais sindicais. Essa precarização é causada pela deterioração das condições de trabalho, e pode ser caracterizada por instabilidade, baixa remuneração, falta de direitos trabalhistas, e ausência de proteção social. Essa condição é frequentemente observada em setores como comércio, trabalho por aplicativos e plataformas online.
Segundo a coordenadora e professora do curso de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Francesca Columbu, mesmo que a CLT tenha mais de oitenta anos, os índices de informalidade e precarização sempre foram altos no Brasil. Columbu isso reitera a ideia de que a CLT nunca foi pensada para todos. Para frear o crescimento da precarização e, principalmente, proteger a saúde dos trabalhadores informais, a professora destaca que é preciso regulamentar o trabalho.
A pressão para lidar com demandas delicadas gera um desgaste com potencial de levar ao burnout. Os problemas relacionados à saúde mental também impactam o engajamento dos trabalhadores. Para a coordenadora, esse cenário tem profundas implicações, especialmente na saúde e no bem-estar daqueles que se encontram em situação de informalidade. Columbu ressalta que isso resulta em uma série de problemas que vão além do aspecto econômico. “A informalidade é um problema de saúde coletiva, física e, hoje, mental no país”, afirma a professora.
Necessidade de proteção
Com a finalidade de amparar aqueles que sofrem com problemas de saúde mental provocados por situações de trabalho, em julho deste ano foi determinado que trabalhadores terão a proteção da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), que gerencia riscos ocupacionais. A determinação partiu da Comissão Tripartite Paritária Permanente (CTPP), um órgão do governo federal que discute e propõe melhorias para as condições de segurança e saúde no trabalho. A CTPP é composta por integrantes do governo, centrais sindicais e confederações de empregadores.
Agora, as empresas devem gerenciar seus ambientes de trabalho para evitar o adoecimento mental dos trabalhadores. As organizações são obrigadas a implementar medidas que evitem a sobrecarga de trabalho e promovam um ambiente mais saudável e livre de qualquer tipo de violência contra o trabalhador. O diretor do Departamento de Segurança no Trabalho, Rogério Araújo, afirma que, com o número crescente de denúncias de assédio no ambiente de trabalho, o governo tem se preocupado com a segurança dos trabalhadores e dado mais importância à saúde mental.
Para a diretora do DIEESE, é relevante também que todas essas estruturas que pensam nas questões laborais tenham uma política intersetorial, ou um plano de ação, para atuar de forma objetiva em relação à proteção da saúde física e mental dos trabalhadores. “A ideia das políticas de saúde para o trabalhador é agir antes de acontecer o problema, mas caso ele ocorra, também de você ter o amparo”, afirma.
Ainda segundo Marcolino, faz-se necessária a fiscalização e vigilância dos órgãos competentes para proteger os trabalhadores. Além disso, a atuação direta dos sindicatos nos ambientes de trabalho onde se originam os problemas pode ajudar os trabalhadores, apoiando-os em denúncias, na procura de meios para cuidar da sua saúde, e na negociação de cláusulas que melhorem o ambiente de trabalho, pontua a diretora.
Análise da precarização do trabalho
Questões pertinentes ao adoecimento dos trabalhadores e sua relação com a precarização do trabalho serão discutidas por Adriana Marcolino e Francesca Columbu estarão no primeiro painel do Seminário anual da Rede Lado. Com a temática “Em que mundo você vive: direito sem trabalho, trabalho sem direitos?”, o evento deste ano terá quatro painéis temáticos com a participação de estudiosos, advogados trabalhistas, representantes sindicais, entre outros.
O Seminário ocorrerá dias 7 e 8 de novembro, no Hotel Intercity Paulista, em São Paulo (SP), segue com inscrições abertas, que podem ser feitas pelo site Sympla, no valor de 400 reais a inteira. A meia-entrada é assegurada para pessoas aposentadas, integrantes de entidades sindicais, estudantes, professores e professoras. As comprovações devem ser feitas no credenciamento do evento.
Serviço
- O quê: Seminário “Em que mundo você vive: direito sem trabalho, trabalho sem direitos?”
- Organização: Rede Lado
- Local: Hotel Intercity Paulista (Rua Haddock Lobo, 294 – Cerqueira César, São Paulo/SP)
- Datas: 7 e 8 de novembro, quinta e sexta-feira, das 10h às 17h
- Inscrições: https://bit.ly/3yyij9O