A importância do papel dos sindicatos como defensores dos direitos dos trabalhadores e atores políticos no Brasil é inegável. No entanto, nas últimas décadas, o que se vê no país é uma perda sistemática de poder dessas entidades, para a qual corroborou fortemente a Reforma Trabalhista de 2017, e uma falta de aproximação com novos públicos que poderão ser fundamentais para que a história do movimento no país continue.
Produto do capitalismo, o sindicalismo nasceu paralelamente ao desenvolvimento deste sistema econômico e surgiu no Brasil no fim do século XIX , com os operários imigrantes que vieram da Europa para trabalhar no país após o fim da escravidão, a Proclamação da República e com o surgimento de centros urbanos e litorâneos onde cresciam as atividades manufatureiras. Já conscientes de seus direitos, eles passaram a se unir para questionar as condições de trabalho e lutar por melhorias, movimento que deu origem aos primeiros sindicatos no país.
Ao longo das décadas seguintes, já no século XX, o sindicalismo foi ganhando espaço e força, graças às condições exploratórias de trabalho de homens, mulheres e crianças que não raro chegavam a ser submetidos a jornadas de 14 ou 16 horas por dia, salários baixos e sem qualquer direito ou proteção legal. Ainda em 1906, o 1º Congresso Operário Brasileiro, no Rio de Janeiro, contou com a participação de vários sindicatos, federações, ligas e uniões operárias, principalmente do Rio e São Paulo, e deu origem à Confederação Operária Brasileira (COB), primeira entidade operária nacional.
A história do movimento é marcada por lutas e reações patronais e do governo a partir de então. As condições de trabalho agravadas pela 1ª Guerra Mundial, deram origem a uma onda de greves entre 1917 e 1920 que chegou a paralisar as atividades de 45 mil pessoas em São Paulo. A reação ofensiva do governo, que convocou tropas e até navios de guerra para reprimir o movimento, veio em seguida, causando mortes de manifestantes.
A “Revolução de 1930″, liderada por Getúlio Vargas, resultou desse processo e deu início à modernização e consolidação de um Estado Nacional forte e atuante num país em que a industrialização e, consequentemente, a massa de operários só crescia. Nesta época, a estrutura sindical fora atrelada ao Estado, acabando com a natureza social e política que o movimento tinha até então, desde seu surgimento, o que deu origem a uma estrutura sindical corporativista.
Ainda assim, os trabalhadores e trabalhadoras resistiram e seguiram se mobilizando em movimentos próprios. Nas décadas seguintes, o contingente de trabalhadores mais do que dobrou, assim como sua força, e algumas lei foram criadas como resultado da pressão dessa fatia da população. Em 1943, elas ganharam destaque com a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), principal instrumento de garantias fundamentais que resiste até os dias de hoje.
Com o Golpe Militar de 1964, o movimento foi reprimido e desarticulado com o fechamento de sindicatos, cassação e prisão de líderes. Somente a partir dos anos 1970 o sindicalismo volta a ter seu protagonismo, com uma nova roupagem e um modelo livre da estrutura sindical. No meio desse movimento, surgem também novas lideranças, como a de Luiz Inácio Lula da Silva, então operário da região do ABCD paulista (que engloba as cidades de Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul e Diadema), onde o fenômeno foi visto com maior nitidez.
Na década seguinte, os sindicatos foram importantes atores de movimentos em prol das Diretas Já e da anistia de exilados políticos vítimas da Ditadura Militar que assolava o país. Partidos políticos e entidades nasceram desse momento histórico, como o Partido dos Trabalhadores (PT), em 1980; e a Central Única dos Trabalhadores (CUT), em 1983, atualmente a maior central sindical do Brasil, da América Latina e a quinta maior do mundo, com 3.806 entidades filiadas, 7.847.077 trabalhadoras e trabalhadores associados e 23.981.044 trabalhadoras e trabalhadores na base.
Crise de representatividade
No entanto, após seu auge nos anos 1970 e 1980, o movimento começou a ver seu declínio de representatividade a partir dos anos 1990, com ascensão do neoliberalismo no país e a incorporação de teses como a da necessidade de modernização e flexibilização das relações trabalhistas. Essas ideias, ainda hoje não superadas como um todo, resultaram, entre outros golpes ao movimento sindical e aos direitos trabalhistas, em ações do Estado como a Reforma Trabalhista de 2017.
A Lei nº 13.467/2017 e seu grande número de dispositivos normativos alterou o equilíbrio existente entre proteções dos trabalhadores e liberdades dos empregadores. No tocante às relações coletivas de trabalho, a Reforma trouxe a possibilidade de negociação entre sindicatos e empresas (ou entre sindicatos de empregados e sindicatos de empregadores), com prevalência sobre a legislação no que se refere à duração e remuneração do trabalho; entre outros aspectos, dentre os quais se destaca, ainda, a desobrigação do recolhimento da contribuição sindical, que até o ano em que a lei foi aprovada representava a principal fonte de renda dessas entidades.
Mas muito além de uma questão meramente econômica, a crise pela qual o movimento sindical passa, atualmente, tem também um caráter de relevância e foco no público-alvo.
“Há um grande dilema em jogo. De um lado querem nos fazer crer que as novas tecnologias, esse novo mundo digital com inteligência artificial e muita conectividade, fez e fará ainda mais desaparecer o mundo do trabalho e os empregos. De outro, novas formas de trabalho precarizadas e muitas demandas por reconhecimento de direitos de jovens, de mulheres, de negras e negros, LGBTQIA+”, define o Mestre em Direito pela UnB, advogado em Brasília, atuando especialmente junto aos Tribunais Superiores (TST e STF), José Eymard Loguercio.
Ele abordará o tema “Trabalho e Emprego: crise de representatividade dentro e fora da Utopia” no painel que abre o segundo dia do Seminário “Admirável Mundo Novo: não há trabalhos sem direitos”, que a Rede Lado promove em agosto em São Paulo.
Loguercio acredita que, para se manterem relevantes no mundo atual, os sindicatos precisam deixar de ser meramente corporativos, ampliar o papel histórico de representar apenas categorias profissionais e passar a olhar também para novas classes, como as dos trabalhadores de aplicativos, por exemplo.
“Há uma tendência de cada sindicato defender a sua categoria. Mas as categorias vêm se modificando. Muitos trabalhadores não se enquadram em esquemas de categorias profissionais ou não têm vínculo formal como empregado, mas são trabalhadores e precisam estar e se sentir representados para conquistar direitos. Então existem novas pautas e novas exigências que vão além da representação de uma categoria”, explica.
“Ou seja, há necessidade de que os sindicatos se abram para essas novas agências se reconectando com a sua razão de ser no mundo: organizar a solidariedade para a permanente defesa e criação de direitos e contra as desigualdades e discriminação”, completa.
Reforma Sindical
Atualmente, há propostas de uma Reforma Sindical por parte do governo e de entidades representativas. Central Única dos Trabalhadores (CUT), Força Sindical, União Geral dos Trabalhadores (UGT), Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB), Nova Central e Intersindical Central da Classe Trabalhadora, CSP Conlut estão à frente das discussões do projeto de lei.
Entre os pontos defendidos pelas centrais estão a valorização da negociação coletiva, com forte presença dos sindicatos nas tratativas; capacidade de as entidades se articularem com as federações e confederações para produção de acordos trabalhistas de maior amplitude; previsão de mecanismos que fortaleçam a negociação; e a criação de diretrizes como o fortalecimento de sindicatos que sejam mais democráticos em seus respectivos estatutos; e um sistema de autorregulação.
Para líderes das centrais sindicais, o avanço recente de pautas como o arcabouço fiscal e a Reforma Tributária, criou clima favorável para as negociações junto aos empresários. O projeto em andamento prevê, entre outros pontos, um mandato de quatro anos para dirigentes sindicais, direito de oposição, transparência e exigência de que os sindicatos comprovem densidade para que possam funcionar e também propõe a criação da taxa negocial, que substitui o imposto sindical, será definida em assembleia e paga aos sindicatos por todos os trabalhadores abrangidos por acordos coletivos, descontada em folha de pagamento.
Seminário
Interessades em participar desta e de outras discussões acerca dos desafios atuais que a legislação trabalhista tem para se manter atualizada e relevante para quem vive de seu emprego já podem se inscrever no Seminário que ocorrerá nos dias 17 e 18 de agosto, das 10h às 17h, no Hotel Radisson Oscar Freire, em São Paulo (SP).
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