por Rede Lado | set 6, 2021 | Direitos Sociais, Geral, NewsLado, Política
A conta simplesmente não fecha: os frequentes aumentos em itens básicos da vida de qualquer brasileiro, como a tarifa da energia elétrica, o preço do gás de cozinha, da gasolina e da cesta básica pressionam cada vez mais o bolso dos trabalhadores. O anúncio mais recente foi de que as contas de luz ficarão 6,78% mais caras, de acordo com o Ministério de Minas e Energia, devido à crise hídrica pela qual o país passa – e que já havia sido prevista há meses.
O novo aumento na conta de luz vem para apertar ainda mais o orçamento das famílias brasileiras, já impactadas pela inflação em disparada. Para cobrir a conta de energia elétrica, os consumidores estão tendo de cortar o consumo de certos produtos para não acabar na inadimplência.
O problema é que este aumento não vem sozinho: o gás de cozinha, por exemplo, também sofreu diversos reajustes no último ano e teve o preço ampliado em quase cinco vezes mais que a inflação no período. Nos últimos 12 meses, o aumento foi de 17,25% contra 3,5% da inflação.
E não é só o gás que impacta no preço da alimentação do brasileiro: a cesta básica também está mais cara em pelo menos 15 capitais, de acordo com dados de julho. A expectativa é que os preços continuem a subir nos próximos meses devido a questões climáticas e da baixa demanda no país – por conta da alta da inflação, que encarece serviços básicos. “A gente vem observando aumento no preço dos alimentos, na conta da energia elétrica, no gás e tudo faz com que as famílias brasileiras, principalmente de baixa renda, tenham menos dinheiro para os alimentos”, explica a economista Patrícia Costa, supervisora da Pesquisa da Cesta Básica realizada pelo Dieese.
Em agosto, os motoristas tiveram um novo susto ao abastecer com gasolina: um aumento de 3,5% deixou o litro perto de inimagináveis 7 reais em algumas cidades do país. Somente em 2021, a Petrobras já aumentou em cerca de 51% o preço do combustível, contra 40% do diesel. Os preços cobrados nas bombas viraram motivo de embate entre Jair Bolsonaro e governadores: o presidente cobra que os estados reduzam o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para baixar os preços. No entanto, dados oficiais mostram que o fator que mais pesou para o aumento do preço nos últimos meses foram os reajustes feitos pela Petrobras.
Salário mínimo não cobre gastos – Além dos preços aumentando, a previsão para 2022 é ainda menos animadora no que diz respeito ao reajuste do salário mínimo. Atualmente de 1.100 reais, o Projeto de Lei Orçamentária Anual do governo federal fala em aumentar 6,2%, repondo apenas a inflação, sem aumento real. No entanto, a Pesquisa da Cesta Básica do Dieese aponta que para alimentar uma família de quatro pessoas, o salário mínimo deveria ser de, pelo menos, 5.518,79 reais, o que corresponde a 5,02 vezes mais do que o piso nacional vigente.
Você precisa saber
Senado rejeita proposta da “minirreforma trabalhista”
A Medida Provisória 1.045, chamada de “minirreforma trabalhista” e aprovada Câmara, agora foi rejeitada no Senado por 47 votos contra 27 a favor. A proposta do governo Bolsonaro previa, entre outros pontos, a perda de direitos trabalhistas como o FGTS, 13º salário e férias com a criação de modalidades de contratação.
Com a derrota, a MP será invalidada e o texto arquivado.
Entidades sindicais apostam nos memes para disseminar informações além de suas “bolhas”
“O humor é um recurso eficiente para quebrar resistências e circular além da bolha”, defende o jornalista especializado em assessoria sindical Ricardo Andrade, criador da página Sindicato dos Memes. Ele atua no SINTPq e é autor do perfil que publica memes no Instagram.
A ideia é usar o humor das memes para levar informações àqueles que vivem fechados em seus círculos de amizade, as “bolhas”. Na página que Ricardo administra no Instagram, são publicadas imagens e vídeos com foco no movimento sindical, mas os conteúdos são produzidos de forma a estimular a imaginação e o riso – muitas vezes sarcástico – dos seguidores.
“O meme tem potencial de viralização e engajamento nas redes sociais. Por isso eu acho um desperdiço não usar esse recuso como porta de entrada para a comunicação”, pondera Andrade, sem se esquecer da importância de manter o bom senso e a linguagem não ofensiva.
Análises
Por trás da construção de um país e de uma classe: o trabalho doméstico no Brasil
Por Beatriz Mascarenhas, do escritório Defesa da Classe Trabalhadora
O artigo fala sobre a luta pelos direitos das trabalhadoras domésticas no Brasil, contextualizando as vitórias e desafios do trabalho doméstico na sociedade e no âmbito do direito trabalhista, desde a pós-abolição da escravatura até as recentes transformações do mercado de trabalho. Apesar das dificuldades existentes, é necessário o reconhecimento de que a organização dessas trabalhadoras foi a força motriz para todas as mudanças e conquistas até aqui alcançadas. Ainda que estejam aquém do desejado por mulheres que historicamente lutam por seus direitos, foi somente após a organização dessa classe que as trabalhadoras começaram a ter acesso a direitos deixados para trás por mais de 100 anos. Continue lendo
Antes de sair…
Eventos
- A partir de amanhã, 8/9, das 19h às 21h, ocorrem as aulas do curso Teoria geral da renda em Marx: um estudo sobre a renda básica.
- De 8 a 10/9, tem a Jornada de Ciências Humanas e Sociais: Territorialidades e Culturas em Tempos de Resistências.
- Na quinta-feira, 9/9, das 10h às 12h, tem o debate virtual “Alcance e Limitações Materiais da Lei de Propriedade Intelectual”.
- Começa na próxima segunda-feira, 13/9, a VIII Conferência Internacional de Direitos Humanos. É online e precisa se inscrever.
Dicas culturais
- Websérie: “Leia Autoras Indígenas” é uma iniciativa do coletivo @leiamulheresindigenas que difunde obras e autoras, além de artistas visuais indígenas.
- Teatro: nesta semana, vão ao ar dois espetáculos de companhias da região Norte no Festival de Teatro Virtual: “Mar Acád”, de Roraima; e “A Borracheira”, de Rondônia, respectivamente na quinta e sexta-feira, a partir de 18h30.
- Artes Visuais: a 34ª edição da Bienal de São Paulo começou no último sábado, 4/9, em diversos espaços culturais da capital paulista. Se você não está na cidade, no site do evento tem uma série de materiais multimídia.
- Cultura popular: o 2º Festival Coco de Engenho, em versão virtual de 8 a 12/9, é dedicado à poesia, dança, arte e preservação da tradição do coco de roda dos antigos engenhos de cana de açúcar da Zona da Mata Norte pernambucana.
Projeto leva moradores de rua para conhecer planetário no Rio de Janeiro
Moradores de rua do Rio de Janeiro tiveram uma experiência diferente no último dia 27, quando visitaram um planetário – alguns pela primeira vez. A ação faz parte do projeto Alcançando as Estrelas, promovido pela Secretaria Municipal de Assistência Social carioca, e leva todas as semanas diferentes grupos de pessoas que estão em abrigos da prefeitura.
Durante a visita, é feita uma apresentação animada do planetário e o grupo conhece, ainda, o Museu do Universo, na companhia de astrônomos. Além disso, se algum dos visitantes quiser conhecer mais a fundo o assunto, poderá, a partir do fim deste mês, fazer uma formação de planetarista.
O objetivo do projeto é ampliar o acesso à ciência para mais pessoas da cidade.
por Rede Lado | set 6, 2021 | Direitos Sociais, Geral, Política
Há dias, grupos bolsonaristas se mostram favoráveis a irem às ruas pedindo o fim do Supremo Tribunal Federal, ataque às instituições e com isso bolsonaristas disparam mensagens com teor golpista para os protestos de 7 de setembro. Mensagens em favor do ato que, a princípio, tem o teor favorável a Jair Bolsonaro (sem partido) trazem palavras de ordem como “uma nova independência”, em ataque à Democracia.
Em contrapartida, movimentos sociais, centrais sindicais e frentes independentes se preparam para sair às ruas no mesmo dia pedindo o fim do governo Bolsonaro. A Campanha Nacional Fora Bolsonaro reúne várias frentes populares e atos contra o governo já estão confirmados em mais de 160 cidades brasileiras. O presidente da Central Única dos Trabalhadores Sérgio Nobre afirma: “Se queremos mudar os rumos do país, voltar a crescer com democracia, com justiça social, a nossa principal tarefa é tirar Bolsonaro”.
Os atos do dia da Independência serão decisivos para a defesa da Democracia. Na Folha de S. Paulo, o doutor em Ciência Política pela Universidade de Oxford, Mathias Alencastro afirma que estes atos, principalmente os pró Bolsonaro, trarão desdobramentos para o futuro da extrema direita, colocando na mesa a disputa de poder entre os extremistas, caso que ocorreu na invasão do capitólio em 6 de janeiro por grupos Trumpistas. Bolsonaro está com o índice de reprovação em 63%, de acordo com pesquisa do PoderData.
por Rede Lado | set 2, 2021 | Direito do Trabalho, Direitos Sociais, Geral
Ontem (01), em votação no plenário do Senado, por 47 votos a 27, a Medida Provisória (MP) 1045 proposta pelo governo Bolsonaro foi derrotada. A MP trazia vários ‘penduricalhos’ que retiravam direitos dos trabalhadores e precarizava ainda mais o trabalho.
Aprovada na Câmara dos Deputados, a medida criava um programa de contratação que extinguia garantias básicas como Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), 13o salário e o direito a férias (programa chamado ‘Priore’). Trazia também o ‘Requip’, programa que contratava sem carteira assinada e sem direitos previdenciários.
A MP estava em vigor desde quando foi editada por Jair Bolsonaro (sem partido) e pelo ministro da Economia Paulo Guedes em 27 de abril, mas com a derrota no Senado a medida provisória será invalidade e o texto arquivado.
por Rede Lado | set 1, 2021 | Direito do Trabalho, Direitos Sociais, Geral
Depois de dois anos do fim do horário de verão, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) anunciou que a conta de energia ficará 6,78% mais cara, de acordo com o Ministério de Minas e Energia.
O novo valor da taxa extra da chamada bandeira vermelha será de R$ 14,20 a cada 100kWh de consumo de energia e terá vigência a partir de hoje, dia primeiro de setembro. É um aumento de quase 50% do valor da bandeira vermelha 2, anterior a essa, que era de R$ 9,49.
O governo federal também lançou um programa de incentivo à economia e justificam a situação com a crise hídrica brasileira. O trabalhador vai pagar mais pela conta de luz e terá um aumento de quase R$ 30 por mês nas contas, já que a média brasileira de consumo de energia é 160 kWh.
Fonte: CNN, Agência Brasil
por Rede Lado | ago 31, 2021 | Direito do Trabalho, Direitos Sociais, Geral
Em meio ao desfile de fumaças da marinha brasileira no dia da votação da PEC do voto impresso, a Medida Provisória n. 1045 de 2021 (MP 1045/2021) foi aprovada na Câmara dos Deputados e aguarda votação no Senado Federal, atualmente, como Projeto de Lei n. 17/2021 (PL 17/2021).
As mais notáveis críticas ao texto aprovado consideram a inserção – de última hora e, inclusive, com a “colaboração” do próprio relator – de nada menos do que quatrocentas e sete emendas, desvirtuando por completo objeto e fim específicos do texto original da MP 1045/2021. Não se trata de uma “minirreforma” trabalhista, ao contrário de como vem sendo chamada, mas de uma ampla precarização de direitos sociais.
O cenário originário que já era ruim, autorizando redução de jornada e de salário por acordo individual durante o período de crise agravada pela pandemia do covid-19, ficou ainda pior com todas as outras matérias incluídas repentinamente no texto aprovado pela Câmara.
Ao lado da previsão de três programas diferentes de contratação precária (PRIORE, REQUIP e Programa Nacional de Prestação de Serviço Social Voluntário), da permissibilidade de pagamento de horas extras típicas (mascaradas como “jornada complementar facultativa”) com adicional reduzido de 20% em vez dos 50% previstos na Constituição Federal, e dos óbices à atuação dos auditores fiscais do trabalho, também merecem firme reprovação as alterações propostas à gratuidade da justiça.
A redação que será votada no Senado Federal altera as regras não só da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), como também do CPC (Código de Processo Civil), dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais e da Justiça Federal. Caso seja aprovada, só terá direito à justiça gratuita a pessoa considerada pertencente à “família de baixa renda”, ou seja, aquela que tenha renda familiar mensal de até meio salário mínimo (R$ 550,00) por pessoa, ou renda familiar total de até três salários mínimos (R$ 3.300,00) por mês. O membro de uma família que, por exemplo, seja o único provedor de uma casa com cinco pessoas, e que receba salário de R$ 3.500,00, não poderia ser beneficiário de justiça gratuita. Essa pessoa já não seria considerada “pertencente à família de baixa renda” pela lei e teria, portanto, plenas condições de arcar com eventuais custas e despesas processuais, o que não é minimamente razoável.
O critério objetivo pautado na renda familiar é muito prejudicial e pode, injustamente, deixar de fora pessoas que verdadeiramente não têm condições de arcar com custas e demais despesas processuais sem que isso signifique comprometer sua própria subsistência ou de sua família. Ainda que possa parecer razoável receber proventos superiores a R$ 3.300,00 mensais, esse requisito fixo desconsidera as circunstâncias concretas dessa família que pode, exemplificativamente, ter algum membro realizando tratamento de saúde que comprometa parcela considerável da renda familiar ou, mesmo, possuir dívidas relativas a serviços básicos, como água e energia elétrica, que venham a reduzir sobremaneira o valor real disponível à família.
Se aprovado o PL 17/2021, o requerente da justiça gratuita deverá comprovar o pertencimento à família de baixa renda, necessariamente, demonstrando o cadastro em algum programa social do governo federal. Dessa maneira, retira-se o benefício da gratuidade do alcance de diversas pessoas que, embora carentes e em situação de vulnerabilidade, não estão inscritas no CadÚnico e, em última análise, dá-se ao governo federal o poder de selecionar quem terá acesso à justiça ou não.
No caso específico dos que queiram reclamar seus direitos perante a Justiça do Trabalho, além dos critérios de renda familiar e de inscrição no CadÚnico, o PL 17/2021 propõe que seja beneficiário da justiça gratuita somente o trabalhador que recebia salário de até R$ 2.573,43 (40% do teto do INSS hoje) em seu último vínculo empregatício, ainda que já esteja desempregado, sem receber qualquer renda. Corre perigo de sofrer ainda mais limitações, portanto, o benefício constitucional historicamente concedido aos trabalhadores, que os possibilita justamente o acesso ao Judiciário de forma integral e gratuita, no mais das vezes, logo após serem despedidos de seus empregos.
A maldade e a inconstitucionalidade da redação proposta vão ainda mais além. Há previsão expressa de que, ainda que se passe por todas as rígidas barreiras e que se consiga, enfim, acesso ao benefício da justiça gratuita, o beneficiário será condenado a pagar honorários ao advogado da parte contrária, caso perca sua ação judicial. Nesse particular, é importante ressaltar que a derrota em uma ação judicial advém de fatores variáveis e subjetivos, não significando que o trabalhador estivesse mentindo ou querendo se beneficiar ilicitamente. Quem atua rotineiramente em processos trabalhistas sabe das dificuldades na produção da prova porque, muitas vezes, a testemunha ainda está com vínculo ativo na empresa e tem receio de sofrer reprimenda caso fale a verdade perante os juízes e juízas, omitindo ou “não lembrando” detalhes decisivos para a procedência da ação. Igualmente, não são raras as derrotas advindas da qualidade técnica dos profissionais que patrocinaram a causa ou, ainda, da simples resistência que determinados magistrados ou magistradas têm em relação à matéria discutida no processo. O trabalhador, nesse sentido, ainda que beneficiário da justiça gratuita, seria penalizado a pagar os advogados de seus patrões por razões sobre as quais nem mesmo tem controle ou ingerência.
O cenário em caso de aprovação do PL 17/2021 será o seguinte: os empregados, por um lado, além de serem vítimas de fraudes trabalhistas, muito provavelmente e por compreensível medo de serem condenados a pagar os advogados de seus empregadores, não buscarão a devida reparação na Justiça do Trabalho. Os empregadores, por outro lado, poderão fraudar leis trabalhistas e, muito provavelmente, nem sequer serão acionados na Justiça do Trabalho – sendo que esta, a seu turno, perderá paulatinamente a razão de existir, não pela ausência de conflitos a serem dirimidos, mas pela verdadeira impossibilidade de acessá-la.
Fica evidente, mais uma vez, quem se beneficiará da reforma que o governo Bolsonaro quer aprovar.
É preciso estarmos atentos e é urgente que pressionemos o Senado Federal para que não aprove o PL 17/2021. Não há qualquer necessidade de se retirar ainda mais direitos sociais no momento de crise em que vivemos.
por Rede Lado | ago 31, 2021 | Direito do Trabalho, Direitos Sociais, Geral
A Medida Provisória 1045/21, aprovada no último dia 10 pela Câmara dos Deputados, traz mudanças relevantes no sistema de regulação das relações de trabalho do país, impactando de forma especial os trabalhadores que possuem jornada de trabalho reduzida, isto é, empregados que, por força de lei, trabalham em período inferior a 8 horas por dia. Para eles, caso aprovada a medida, o adicional de hora da hora extra será reduzido de 50 para apenas 20%.
Estamos falando aqui de bancários, jornalistas, operadores de telemarketing, músicos, operadores cinematográficos, advogados, trabalhadores em minas de subsolo, entre outras categorias que têm direito a uma jornada de menor duração em razão de alguma particularidade das condições de trabalho, que exige uma redução do tempo trabalhado como forma de preservação da higiene, saúde e segurança. É justamente essa salvaguarda que está em xeque, já que com uma remuneração menor do labor extraordinário, a extensão da jornada de trabalho desses empregados deixa de ser um óbice custoso, e passa a ser um convite para a extrapolação rotineira.
Desde a reforma trabalhista de 2017, a realização de horas extras prescinde de maiores formalidades (bastando um simples “acordo” individual entre empregado e a empresa), o que institucionalizou a ocorrência do labor extraordinário ao bel prazer do empregador mais despudorado. Agora se vai mais longe, porque, conjugada à facilidade de se exigir as horas extras, reduz-se o valor do respectivo adicional, rebaixando ainda mais o valor da força de trabalho. Se o que justifica a existência do regime de jornada reduzida é a preservação da vida da força de trabalho, a Medida, nesse sentido, claramente possui uma natureza espoliativa da classe trabalhadora.
O texto normativo prevê um prolongamento da jornada desses empregados até o limite de 8 horas diárias com a incorporação das horas em sobrejornada à duração normal do trabalho e o pagamento de um acréscimo de 20% sobre o valor da hora normal de trabalho, ao invés do atual percentual de 50% devido para qualquer trabalho que exceda a jornada regular. Essa operação, diz o projeto, pode ser realizada mediante simples acordo entre as partes, ou ainda ser negociado em convenção ou acordo coletivo de trabalho.
Contudo, não poderia o texto da Medida simplesmente decretar a redução do adicional de horas extras de forma taxativa e explícita (“fica reduzido o valor da hora extra de 50 para 20%”), já que lei ordinária não pode revogar o art. 7º, inciso XVI, da Constituição, que expressamente estabelece o direito à “remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinquenta por cento à do normal”. Por isso, a MP criou o sofisma jurídico denominado “jornada complementar facultativa”, por meio de quatro jogadas.
Primeiro, o texto abandona o termo “horas extras” e faz uso da – muito mais palatável – expressão “extensão continuada da duração normal de trabalho”. Segundo, assim chamando o tempo de prorrogação do trabalho, a MP dispõe que essas horas adicionais passam a compor a “duração normal do trabalho”, o que viabiliza a discussão jurídica de sobreposição da norma coletiva sobre o disposto em lei no que diz respeito à jornada de trabalho (art. 611-A, inciso I, da CLT). Terceiro, o projeto atribui um adicional de 20% a essas “horas normais” de trabalho, o que dá impressão de uma majoração, quando se trata verdadeiramente de um decréscimo. E arremata com o quarto movimento, chamando todo esse conjunto de regime “facultativo”, muito embora a sua adoção possa ser feita por um simples acordo entre empregado e o empregador, que, como se sabe, dada a notória disparidade econômica, sempre se revela como uma obrigação ao trabalhador.
Nos meandros dessas erosões gramaticais, o empregado do falacioso “regime de jornada complementar facultativa”, embora continue trabalhando depois do horário, como já o fazia, agora não vê mais em seu holerite a rubrica “horas extras”, mas sim “extensão continuada”, e, apesar de entregar a mesma quantidade de trabalho, passa a receber uma remuneração menor. Mudam-se as aparências para se precarizar o trabalho.
É necessário chamar as coisas pelo seu nome. “Extensão continuada da duração normal de trabalho” é verdadeiramente “hora extra”. O regime de jornada complementar facultativa não difere, em nada, do regime de trabalho extraordinário, e, portanto, toda prorrogação da jornada de trabalho deve ser remunerada com adicional mínimo de 50%. A distinção criada pela MP não tem razão de existência no mundo jurídico. No plano da validade, este ponto se revela como uma escancarada fraude ao texto da Constituição que estabelece um valor de adicional de horas extras, e, também, uma esdrúxula tentativa de se contornar o foro qualificado que é exigido para a mudança de qualquer norma constitucional. Ainda, considerado como hora extra, e não como horas normais de trabalho, o regime de jornada complementar viola também o art. 611-B, inciso X, da CLT, que não permite a redução, via negociação coletiva, do adicional de horas extras.
Criou-se um engenhoso artifício jurídico, cuja fundação, porém, padece das fragilidades mais básicas, como a evidente inconstitucionalidade. Mais do que isso, o texto da MP joga na fronteira da verdade com a mentira, ao escamotear, por meio de um léxico próprio, uma afronta a um dos preceitos constitucionais mais caros do direito do trabalho.
Aqui, aliás, o direito, ao invés de trincheira dos trabalhadores, presta-se a instrumento de superexploração do capital, já que contribui para o movimento que estrangula a remuneração da força de trabalho no sentido inferior à sua sobrevivência. No plano do discurso, a MP amolda-se à matriz neoliberal, em que o governo vende a mofada ideia de que mais uma reforma das relações de trabalho facilita a contratação e impulsiona a economia. Mesma narrativa adotada pela reforma trabalhista de 2017 e que, como se viu, já antes dos efeitos da pandemia no mercado de trabalho, não trouxe resultados de retomada para o país.
Apenas chamando os institutos jurídicos pelos seus verdadeiros nomes pode existir uma discussão franca e qualificada sobre a jornada reduzida. Da forma que está posta, a Medida Provisória, cujo texto ainda será analisado pelo Senado Federal, não contribui para esse debate. Ao contrário, o projeto desvela uma intenção de sorrateiramente passar a perna na lei sob o efeito de precarizar as condições de trabalho de inúmeras categorias de trabalhadores.
Rubens Bordinhão de Camargo Neto
Mestre em direito pela UFPR e advogado trabalhista na Gonçalves, Auache, Salvador, Allan & Mendonça Advocacia, integrante da Rede LADO.