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Futuro do sindicalismo está na readequação do seu foco de atuação

Futuro do sindicalismo está na readequação do seu foco de atuação

A importância do papel dos sindicatos como defensores dos direitos dos trabalhadores e atores políticos no Brasil é inegável. No entanto, nas últimas décadas, o que se vê no país é uma perda sistemática de poder dessas entidades, para a qual corroborou fortemente a Reforma Trabalhista de 2017, e uma falta de aproximação com novos públicos que poderão ser fundamentais para que a história do movimento no país continue. 

Produto do capitalismo, o sindicalismo nasceu paralelamente ao desenvolvimento deste sistema econômico e surgiu no Brasil no fim do século XIX , com os operários imigrantes que vieram da Europa para trabalhar no país após o fim da escravidão, a Proclamação da República e com o surgimento de centros urbanos e litorâneos onde cresciam as atividades manufatureiras. Já conscientes de seus direitos, eles passaram a se unir para questionar as condições de trabalho e lutar por melhorias, movimento que deu origem aos primeiros sindicatos no país. 

Ao longo das décadas seguintes, já no século XX, o sindicalismo foi ganhando espaço e força, graças às condições exploratórias de trabalho de homens, mulheres e crianças que não raro chegavam a ser submetidos a jornadas de 14 ou 16 horas por dia, salários baixos e sem qualquer direito ou proteção legal. Ainda em 1906, o 1º Congresso Operário Brasileiro, no Rio de Janeiro, contou com a participação de vários sindicatos, federações, ligas e uniões operárias, principalmente do Rio e São Paulo, e deu origem à Confederação Operária Brasileira (COB), primeira entidade operária nacional.

A história do movimento é marcada por lutas e reações patronais e do governo a partir de então. As condições de trabalho agravadas pela 1ª Guerra Mundial, deram origem a uma onda de greves entre 1917 e 1920 que chegou a paralisar as atividades de 45 mil pessoas em São Paulo. A reação ofensiva do governo, que convocou tropas e até navios de guerra para reprimir o movimento, veio em seguida, causando mortes de manifestantes.  

A “Revolução de 1930″, liderada por Getúlio Vargas, resultou desse processo e deu início à modernização e consolidação de um Estado Nacional forte e atuante num país em que a industrialização e, consequentemente, a massa de operários só crescia. Nesta época, a estrutura sindical fora atrelada ao Estado, acabando com a natureza social e política que o movimento tinha até então, desde seu surgimento, o que deu origem a uma estrutura sindical corporativista. 

Ainda assim, os trabalhadores e trabalhadoras resistiram e seguiram se mobilizando em movimentos próprios. Nas décadas seguintes, o contingente de trabalhadores mais do que dobrou, assim como sua força, e algumas lei foram criadas como resultado da pressão dessa fatia da população. Em 1943, elas ganharam destaque com a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), principal instrumento de garantias fundamentais que resiste até os dias de hoje. 

Com o Golpe Militar de 1964, o movimento foi reprimido e desarticulado com o fechamento de sindicatos, cassação e prisão de líderes. Somente a partir dos anos 1970 o sindicalismo volta a ter seu protagonismo, com uma nova roupagem e um modelo livre da estrutura sindical. No meio desse movimento, surgem também novas lideranças, como a de Luiz Inácio Lula da Silva, então operário da região do ABCD paulista (que engloba as cidades de Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul e Diadema), onde o fenômeno foi visto com maior nitidez. 

Na década seguinte, os sindicatos foram importantes atores de movimentos em prol das Diretas Já e da anistia de exilados políticos vítimas da Ditadura Militar que assolava o país. Partidos políticos e entidades nasceram desse momento histórico, como o Partido dos Trabalhadores (PT), em 1980; e a Central Única dos Trabalhadores (CUT), em 1983, atualmente a maior central sindical do Brasil, da América Latina e a quinta maior do mundo, com 3.806 entidades filiadas, 7.847.077 trabalhadoras e trabalhadores associados e 23.981.044 trabalhadoras e trabalhadores na base.  

Crise de representatividade

No entanto, após seu auge nos anos 1970 e 1980, o movimento começou a ver seu declínio de representatividade a partir dos anos 1990, com ascensão do neoliberalismo no país e a incorporação de teses como a da necessidade de modernização e flexibilização das relações trabalhistas. Essas ideias, ainda hoje não superadas como um todo, resultaram, entre outros golpes ao movimento sindical e aos direitos trabalhistas, em ações do Estado como a Reforma Trabalhista de 2017. 

A Lei nº 13.467/2017 e seu grande número de dispositivos normativos alterou o equilíbrio existente entre proteções dos trabalhadores e liberdades dos empregadores. No tocante às relações coletivas de trabalho, a Reforma trouxe a possibilidade de negociação entre sindicatos e empresas (ou entre sindicatos de empregados e sindicatos de empregadores), com prevalência sobre a legislação no que se refere à duração e remuneração do trabalho; entre outros aspectos, dentre os quais se destaca, ainda, a desobrigação do recolhimento da contribuição sindical, que até o ano em que a lei foi aprovada representava a principal fonte de renda dessas entidades. 

Mas muito além de uma questão meramente econômica, a crise pela qual o movimento sindical passa, atualmente, tem também um caráter de relevância e foco no público-alvo.

“Há um grande dilema em jogo. De um lado querem nos fazer crer que as novas tecnologias, esse novo mundo digital com inteligência artificial e muita conectividade, fez e fará ainda mais desaparecer o mundo do trabalho e os empregos. De outro, novas formas de trabalho precarizadas e muitas demandas por reconhecimento de direitos de jovens, de mulheres, de negras e negros, LGBTQIA+”, define o Mestre em Direito pela UnB, advogado em Brasília, atuando especialmente junto aos Tribunais Superiores (TST e STF), José Eymard Loguercio.

Ele abordará o tema “Trabalho e Emprego: crise de representatividade dentro e fora da Utopia” no painel que abre o segundo dia do Seminário “Admirável Mundo Novo: não há trabalhos sem direitos”, que a Rede Lado promove em agosto em São Paulo

Loguercio acredita que, para se manterem relevantes no mundo atual, os sindicatos precisam deixar de ser meramente corporativos, ampliar o papel histórico de representar apenas categorias profissionais e passar a olhar também para novas classes, como as dos trabalhadores de aplicativos, por exemplo.

“Há uma tendência de cada sindicato defender a sua categoria. Mas as categorias vêm se modificando. Muitos trabalhadores não se enquadram em esquemas de categorias profissionais ou não têm vínculo formal como empregado, mas são trabalhadores e precisam estar e se sentir representados para conquistar direitos. Então existem novas pautas e novas exigências que vão além da representação de uma categoria”, explica. 

“Ou seja, há necessidade de que os sindicatos se abram para essas novas agências se reconectando com a sua razão de ser no mundo: organizar a solidariedade para a permanente defesa e criação de direitos e contra as desigualdades e discriminação”, completa.

Reforma Sindical

Atualmente, há propostas de uma Reforma Sindical por parte do governo e de entidades representativas. Central Única dos Trabalhadores (CUT), Força Sindical, União Geral dos Trabalhadores (UGT), Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB), Nova Central e Intersindical Central da Classe Trabalhadora, CSP Conlut estão à frente das discussões do projeto de lei. 

Entre os pontos defendidos pelas centrais estão a valorização da negociação coletiva, com forte presença dos sindicatos nas tratativas; capacidade de as entidades se articularem com as federações e confederações para produção de acordos trabalhistas de maior amplitude; previsão de mecanismos que fortaleçam a negociação; e a criação de diretrizes como o fortalecimento de sindicatos que sejam mais democráticos em seus respectivos estatutos; e um sistema de autorregulação. 

Para líderes das centrais sindicais, o avanço recente de pautas como o arcabouço fiscal e a Reforma Tributária, criou clima favorável para as negociações junto aos empresários. O projeto em andamento prevê, entre outros pontos, um mandato de quatro anos para dirigentes sindicais, direito de oposição, transparência e exigência de que os sindicatos comprovem densidade para que possam funcionar e também propõe a criação da taxa negocial, que substitui o imposto sindical, será definida em assembleia e paga aos sindicatos por todos os trabalhadores abrangidos por acordos coletivos, descontada em folha de pagamento.

Seminário

Interessades em participar desta e de outras discussões acerca dos desafios atuais que a legislação trabalhista tem para se manter atualizada e relevante para quem vive de seu emprego já podem se inscrever no Seminário que ocorrerá nos dias 17 e 18 de agosto, das 10h às 17h, no Hotel Radisson Oscar Freire, em São Paulo (SP). 

Para receber as notícias do evento e textos com debates acerca dos temas que serão abordados no encontro, deixe seu e-mail no formulário abaixo.

Fique por dentro do Seminário

Painel debate precarização do trabalho e seus reflexos no direito social durante Seminário da Rede Lado em agosto

Painel debate precarização do trabalho e seus reflexos no direito social durante Seminário da Rede Lado em agosto

O combo formado pela Reforma Trabalhista de 2017 e a crise sanitária provocada pela pandemia de Covid-19 entre 2020 e 2022 agravaram no Brasil um problema histórico do capitalismo mundial: a precarização do trabalho e o consequente reflexo dela na perda de direitos sociais de trabalhadores e trabalhadoras. O tema será debatido no painel “Entre a Utopia e o Primitivo: proposições para proteção social”, que será realizado no dia 17 de agosto, na parte da tarde, dentro da programação do Seminário “Admirável Mundo Novo: não há trabalho sem direitos” que a Rede Lado promove em São Paulo.

A precarização do trabalho é um fenômeno que, a grosso modo, transfere responsabilidades que deveriam ser de empregadores aos empregados, que gozam de pouco ou nenhum direito trabalhista para garantir sua segurança. Contratos terceirizados e quarteirizados (quando a empresa terceirizada contrata outra para a prestação do serviço); pejotização (trabalhador prestando serviço como pessoa jurídica, sem recolhimento de INSS ou pagamento de FGTS pelo empregador); e a crescente demanda pelo trabalho “uberizado” e pelos contratos flexibilizados colocam uma verdadeira massa de homens e mulheres em situação de vulnerabilidade, sem qualquer garantia de direitos básicos, aqueles conquistados ao longo de décadas de lutas históricas.

Com a supressão dessas garantias, aqueles que vivem de seus trabalhos acabam expostos e são impactados  em questões básicas da vida, como saúde, educação, moradia e transporte; e mesmo na capacidade de se organizarem para reivindicar seus direitos. De acordo com o professor titular na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB), ex-reitor da instituição e co-líder do Grupo de Pesquisa “O Direito Achado na Rua”, José Geraldo Sousa Júnior, que abordará o tema no painel do Seminário da Rede Lado,  o trabalho, historicamente, sempre foi uma porta de acesso à cidadania e aos direitos.

“Ao longo do século XIX e durante a segunda metade do século XX, as lutas operárias se constituíram um catalisador de conquistas sociais e o protesto operário foi, em grande parte, o garantidor da universalização de direitos civis e políticos e de conquista de novos direitos, não somente vinculados ao mundo do trabalho, mas também econômicos e sociais. Não apenas específicos para os coletivos de trabalhadores, mas universalizáveis, na sua expressão própria de direitos humanos”, explica  Sousa Júnior.

Caminho da mudança

Estado e sociedade têm papéis fundamentais na garantia de melhores condições de trabalho a todes. Da parte dos governos, cabe a criação de leis que tornem as regras menos desiguais entre patrões e empregados.

Mas esperar somente pela boa vontade política não é suficiente no cenário atual. “Todos sabemos, porém, que as mudanças necessárias não acontecem só porque nós acreditamos que é possível um mundo melhor. Essas mudanças hão de verificar-se como resultado das leis de movimento das sociedades humanas, e todos sabemos também que o voluntarismo e as boas intenções nunca foram o motor da história”, alerta o ex-reitor da UnB, que cita como exemplo de mobilização social a criação de círculos amplos de alternativas e de estratégias – como o Fórum Social Mundial, realizado em Porto Alegre em 2022 na forma de um Fórum Social Mundial Justiça e Democracia.

Seminário

Para participar desta e de outras discussões que serão tema dos quatro painéis que a Rede Lado promoverá no Seminário “Admirável Mundo Novo: não há trabalhos sem direitos”, as inscrições já estão abertas.  O evento ocorrerá em 17 e 18 de agosto, no Hotel Radisson Oscar Freire, em São Paulo (SP), com programação das 10h às 17h em ambos os dias.  Enquanto o Seminário não chega, é possível ficar por dentro dos conteúdos sobre o evento clicando aqui e preenchendo com seu e-mail no campo logo abaixo da matéria.

Você precisa saber

Justiça do Trabalho nega indenização a mulher que trabalhou como doméstica desde os 7 anos na Bahia – O juiz Juarez Dourado Wanderlei, da Justiça do Trabalho no estado da Bahia, decidiu que uma mulher de 53 anos que desde os 7 vivia e trabalhava como doméstica para uma família de Salvador sem receber salário, em jornada exaustiva, forçada e em condições degradantes não era vítima de trabalho escravo. O magistrado desconsiderou a avaliação dos auditores fiscais que interpretaram o contrário quando resgataram a mulher em 2021, levando em consideração uma afirmação da própria vítima de que “nunca foi maltratada”, “que não aconteceu nada na casa que não tenha gostado”, e que inclusive “retornaria para a casa [da patroa] a passeio”. “Todas as trabalhadoras domésticas que foram resgatadas relatam esse sentimento, que elas pertenciam ao seio familiar. Mas quando a gente pergunta mais detalhes, ouve que elas tinham um quarto nos fundos de casa, sem luz natural, não sentavam à mesa para comer com o restante dos moradores da casa e por aí vai”, ressalva o coordenador estadual de enfrentamento ao tráfico de pessoas e ao trabalho escravo na Bahia, Admar Fontes Júnior, que acompanhou o caso. Apesar do sentimento da mulher, ela não aprendeu a ler e escrever, enquanto os outros filhos da família estudaram até a graduação. Ela também fez todo o serviço doméstico por quatro décadas e cuidou dos filhos dos patrões em jornadas de até 15 horas diárias, sem direito a férias nem a descanso semanal.

Ministérios Públicos Federal e do Trabalho assinam TAC com iFood para ações voltadas a direitos trabalhistas dos entregadores – A plataforma de entrega iFood assinou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com os Ministérios Públicos Federal e do Trabalho, com o compromisso de promover ações de informação e de direitos trabalhistas e associativos a seus entregadores. O acordo é fruto de uma investigação sobre a empresa e as agências de comunicação Benjamim e Social QI que teriam monitorado entregadores e produzido conteúdos distribuídos na internet para desmobilizar a categoria que reivindicava seus direitos durante pandemia de Covid-19. O iFood terá de financiar pesquisas e projetos sobre relações de trabalho com entregadores, mercado publicitário e de marketing digital e a responsabilidade social dos controladores de plataformas, no montante de 6 milhões de reais, como forma de compensação. Também promoverá, em conjunto com as agências citadas, uma campanha de marketing digital que trate da importância do respeito ao direito à informação da população na internet. O TAC prevê ainda que o iFood deve assegurar a liberdade sindical e os direitos de greve e de negociação coletiva dos entregadores. Para garantir que a situação não se repita, a empresa deve, de forma preventiva, implementar internamente um programa de conformidade em direitos humanos para impedir a violação de direitos fundamentais. O iFood está impedido também de divulgar, pelos próximos seis meses, informações sobre supostas medidas adotadas pela empresa para promoção de direitos fundamentais e trabalhistas. Em caso de descumprimento, a empresa e as agências estão sujeitas a multas de até 500 mil reais.

Análises

Exposição ao calor excessivo assegura direito a adicional de insalubridade a cortador de cana

Por escritório Nuredin Ahmad Allan & Advogados Associados

Trabalhadores e trabalhadoras que prestam serviços expostos a calor excessivo têm direito a adicional de insalubridade. Profissões como a dos cortadores e cortadoras de cana-de-açúcar se beneficiam com decisões como a que reconheceu o direito de um empregado na 4ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região ao julgar conflito entre um trabalhador rural e a usina Cocal Comércio Indústria Canaã de Açúcar e Álcool, de Paraguaçu Paulista. Continue lendo

Antes de sair…

Eventos

  • A Associação dos Advogados de São Paulo promove no dia 25/7, às 9h, o curso híbrido e grátis “Dia Internacional da Mulher Negra Latina e Caribenha”.
  • Dia 27/7, às 19h, a OAB Nacional promove a edição de julho da série “Debates Previdenciários” com o tema da aposentadoria especial e transmissão on-line.
  • “Advocacia de Resultados e Geração de Negócios” é o tema do evento virtual que ocorre no dia 1º/8, das 9h30 às 18h, com inscrições sem custo.

Dicas culturais

  • Cinemadocumentário “Máquina do Desejo” sobre o Teatro Oficina, criado por Zé Celso Martinez, estreou na última semana nas salas brasileiras.
  • Streamingfilme “Encontro com Milton Santos – o mundo global visto do lado de cá”, do cineasta Silvio Tendler, está disponível na plataforma de streaming Itaú Cultural.
  • Música: Xande de Pilares lança em agosto álbum em que interpreta canções de Caetano Veloso.
  • Festival: Killers, The Cure, Pet Shop Boys e Beck são shows confirmados no Primavera Sound que ocorre em dezembro em SP.

Curtas-metragens disponíveis gratuitamente na internet ensinam sobre povos indígenas às crianças

Mais do que entretenimento, cinema pode ser também uma boa forma de ensinar às crianças sobre a diversidade de povos no mundo. Para conhecer mais sobre indígenas de diversos locais do continente americano, por exemplo, quatro curtas-metragens estão disponíveis gratuitamente na internet. As produções têm como ponto de partida o olhar infantil, já que os protagonistas são crianças. A lista feita pelo Portal Luneta, voltado a atividades e práticas para ajudar os pequenos a desenvolverem habilidades sociais, conta com os títulos “Awara Nane Putane” sobre o mito de origem do uso tradicional da ayahuasca e da cultura yawanawa na floresta amazônica; “Caminho dos Gigantes”, no qual Oquirá, uma menina de seis anos que vive em uma floresta de árvores gigantes, desafia seu destino para entender mais a fundo o ciclo da vida; “Osiba Kangamuke – Vamos Lá, Criançada”, feito coletivamente entre cineastas indígenas, não indígenas e antropólogos na aldeia Aiha Kalapalo do Parque Indígena do Alto Xingu, Mato Grosso, com crianças indígenas como protagonistas; e “Kapalo”, animação feita por estudantes do Centro Integrado de Educação Pública Poeta Cruz e Sousa, no Rio de Janeiro, assessorados diretamente por representantes do povo Kalapalo, que mostra a festa do Kuarup ritual realizado no Alto Xingu para celebrar a memória dos mortos e liberar suas almas para o mundo espiritual. Uma boa pedida para curtir as férias de julho e aprender mais sobre os povos que nos cercam.

Precarização do trabalho e seus reflexos no direito social são tema de painel no Seminário da Rede Lado em agosto

Precarização do trabalho e seus reflexos no direito social são tema de painel no Seminário da Rede Lado em agosto

Ainda que não seja exatamente uma novidade na história do capitalismo, o processo de precarização do trabalho e os reflexos dele na supressão de direitos sociais de homens e mulheres em todo o mundo tem se acentuado, em especial depois da pandemia de Covid-19, transferindo responsabilidades dos empregadores para os empregados e empregadas. No Brasil, um pouco antes, a Reforma Trabalhista promovida pelo governo de Michel Temer em 2017 trouxe alterações significativas na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) que anteciparam parte dos desdobramentos que a crise sanitária viria a agravar, com aumento da informalidade, do desemprego e do desalento.

No mundo pós-pandemia, a recuperação dos números no mercado de trabalho vem capitaneada pela informalidade pressionada pela redução de custos às empresas em troca da manutenção ou até do aumento da produtividade. Contratos terceirizados e quarteirizados (quando a empresa terceirizada contrata outra para a prestação do serviço); pejotização (trabalhador prestando serviço como pessoa jurídica, sem recolhimento de INSS ou pagamento de FGTS pelo empregador); e a crescente demanda pelo trabalho “uberizado” e pelos contratos flexibilizados colocam uma verdadeira massa de homens e mulheres em situação de vulnerabilidade, sem qualquer garantia de direitos básicos, aqueles conquistados ao longo de décadas de lutas históricas. 

Estudiosos do meio apontam que trabalhadores nestas condições de insegurança acabam expostos às mudanças das legislações e das práticas trabalhistas, impactando em questões básicas da vida, como saúde, educação, moradia e transporte. Além disso, essas relações precárias dificultam a capacidade de organização da classe dos trabalhadores, impedindo que movimentos sociais, populares e sindicais cumpram com seu papel de protagonistas nas tomadas de posição a respeito de legislações que equilibrem a relação entre empregades e empregadores.

Professor titular na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB), ex-reitor da instituição e co-líder do Grupo de Pesquisa “O Direito Achado na Rua”, José Geraldo Sousa Júnior explica que o trabalho, historicamente, sempre foi uma porta de acesso à cidadania e aos direitos. “Ao longo do século XIX e durante a segunda metade do século XX, as lutas operárias se constituíram um catalisador de conquistas sociais e o protesto operário foi, em grande parte, o garantidor da universalização de direitos civis e políticos e de conquista de novos direitos, não somente vinculados ao mundo do trabalho, mas também econômicos e sociais. Não apenas específicos para os coletivos de trabalhadores, mas universalizáveis, na sua expressão própria de direitos humanos”, explica  Sousa Júnior, que é um dos painelistas do Seminário “Admirável Mundo Novo: não há trabalho sem direitos”, no qual abordará o tema “Entre a Utopia e o Primitivo: proposições para proteção social”. 

“Num sistema de produção e distribuição da riqueza social globalizados, com mercados livres de controles e com tecnologias que criam riquezas, mas não empregos, o trabalho entrou num nível de segmentação e de fragilização organizativa, comprimido num sistema regulatório que o fragiliza e enfraquece suas formas de organização. Estas condições, diz Boaventura de Sousa Santos, levam a uma lógica de exclusão, facilitada por mecanismos lenientes de flexibilização de garantias, levando a que, em muitos países, a maioria dos trabalhadores entrem no mercado de trabalho já desprovidos de qualquer direito”, explica o professor da UnB. No Brasil, completa ele, a situação é agravada por uma espécie de “cultura” colonialista que por meio de instrumentos perversos, como o racismo, o patriarcalismo e o patrimonialismo, ao mesmo tempo retarda e restringe o acesso aos direitos enquanto preserva as mediações de troca de favores para a preservação dos poderes e da distribuição entre os donos do capital.

O papel do Estado 

Ao mesmo tempo em que contribui para a causa do problema, ao ter na globalização um projeto político que promete desenvolvimento em troca da precarização das relações de trabalho, está nas mãos do Estado a saída para a criação de leis que tornem as regras menos desiguais entre patrões e empregados. Um exemplo disso são as mudanças que a Espanha fez ao revogar a reforma trabalhista que, a exemplo da realizada em 2017 no Brasil com inspiração no país europeu, não cumpriu com a promessa de geração de empregos e, em contrapartida, trouxe a precarização do trabalho naquele país. 

“Lá como aqui, o pretexto de baratear as contratações para se criarem mais empregos fracassou. Isso porque, a principal consequência foi a precarização do trabalho e a criação de vagas mal remuneradas, com menos direitos e condições ruins de trabalho. Dez anos depois, a Espanha volta atrás”, complementa Sousa Júnior. 

O papel da sociedade

Mas esperar somente pela tomada de posição do Estado para reverter ou minimizar os impactos da precarização no cenário atual não é suficiente. “Todos sabemos, porém, que as mudanças necessárias não acontecem só porque nós acreditamos que é possível um mundo melhor. Essas mudanças hão de verificar-se como resultado das leis de movimento das sociedades humanas, e todos sabemos também que o voluntarismo e as boas intenções nunca foram o motor da história”, alerta o ex-reitor da UnB. 

A criação de círculos amplos de alternativas e de estratégias é uma das formas de mobilização a que o professor se refere. Ele cita como exemplo o Fórum Social Mundial, realizado em Porto Alegre em 2022 na forma de um Fórum Social Mundial Justiça e Democracia. 

O fortalecimento e a mudança de estratégia dos movimentos sindicais são outra saída possível para a busca por um mundo melhor para homens e mulheres que vivem de seus trabalhos. Sousa Júnior defende estratégias sindicais mais politizadas na configuração de seus antagonismos sociais e mais conscientes do alcance internacional de suas reivindicações. “Como diz Sousa Santos, nada que tenha a ver com a vida dos trabalhadores, mas também dos que não são trabalhadores de outros grupos ou movimentos sociais, seja deixado de fora de sua pauta de direitos”.

Painel “Entre a Utopia e o Primitivo: proposições para proteção social”

No dia 17 de agosto, na parte da tarde, o professor Sousa Júnior abordará justamente as proposições para a proteção social no painel que ministrará no Seminário que a Rede Lado promoverá em São Paulo. Entre as reflexões que trará ao público do evento está a capacidade da sociedade de agir e transformar o mundo. “Devemos ter em mente a definição que a OIT [Organização Internacional do Trabalho] propõe para trabalho decente, entendido como aquele adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, equidade e segurança, capaz de garantir uma vida digna”, defende.

Interessades em participar desta e de outras discussões acerca dos desafios atuais que a legislação trabalhista tem para se manter atualizada e relevante para quem vive de seu emprego já podem se inscrever no Seminário que ocorrerá nos dias 17 e 18 de agosto, das 10h às 17h, no Hotel Radisson Oscar Freire, em São Paulo (SP). 

Para receber as notícias do evento e textos com debates acerca dos temas que serão abordados no encontro, deixe seu e-mail no formulário abaixo.

Fique por dentro do Seminário

Reforma Trabalhista de 2017 representa avanço da precarização do trabalho no Brasil, avaliam especialistas

Reforma Trabalhista de 2017 representa avanço da precarização do trabalho no Brasil, avaliam especialistas

Especialistas da área do direito trabalhista acreditam que  os processos de “uberização” e “pejotização” das relações e o  aumento da informalidade estão na base da precarização do trabalho que ocorre atualmente no país. A Reforma Trabalhista de 2017, diretamente ligada aos dois primeiros fatores, foi responsável pelo agravamento do cenário.

A alteração nas leis trabalhistas ocorreu durante o governo do presidente Michel Temer, em 2017, e completa seis anos em 2023 sem cumprir com as promessas de criação de empregos. Entre as principais alterações que as novas regras trouxeram estão os acordos coletivos que prevalecem sobre a legislação, a criação do trabalho intermitente (no qual os empregados e empregadas podem ficar à disposição do patrão e só recebem pelas horas trabalhadas), a possibilidade de o empregado ter de pagar honorários advocatícios em caso de derrota e com vinculação do dano moral à remuneração do trabalhador, ou seja, quanto menor o salário, menor a indenização a ser recebida. Para finalizar o golpe aos direitos trabalhistas, sindicatos se viram enfraquecidos pelo fim da contribuição obrigatória.

“[A Reforma Trabalhista] Não trouxe o aumento do emprego formal e a diminuição, consequentemente, do trabalho informal. Não representou uma melhora significativa nas taxas de desemprego. Mas, ao contrário disso tudo, representou uma perda significativa na renda média do trabalhador”, avalia o advogado trabalhista Nasser Ahmad Allan, doutor em Direito pela UFPR, autor de diversos livros sobre Direito do Trabalho e integrante do Grupo de Trabalho de Comunicação da Rede Lado.

De acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), a média salarial era de 2744 reais no segundo trimestre de 2017, antes da Reforma Trabalhista, e no mesmo período de 2022 esse montante era de 2.652 reais, ou seja, 92 reais a menos no bolso dos trabalhadores e trabalhadoras. “Então o que trouxe a Reforma Trabalhista? Não trouxe o aumento do emprego formal e a diminuição, consequentemente, do trabalho informal. Não representou uma melhora significativa nas taxas de desemprego. Mas, ao contrário disso tudo, representou uma perda significativa na renda média do trabalhador”, acredita.

O doutor em Sociologia Túlio Custódio, um dos painelistas que falará sobre o tema “Distopia de um mundo nada admirável: trabalho sem direitos”, no primeiro dia do Seminário “Admirável Mundo Novo: não há trabalho sem direitos” que a Rede Lado promoverá em agosto em São Paulo, avalia que o processo de desregulamentação das leis trabalhistas é antigo. “Em grande parte, o que essa reforma fez, se a gente for reduzir em miúdos esse processo, foi regulamentar a desregulamentação. Ou seja, regulamentar um processo de flexibilização do trabalho, que já faz parte do mundo do trabalho no Brasil por décadas”, analisa.

Importância da discussão

Para ajudar profissionais, estudantes e interessades no tema a refletir e encontrar saídas para os desafios impostos pela atual realidade do mercado, a Rede Lado promoverá o Seminário “Admirável Mundo Novo: não há trabalho sem direitos”. Custódio adianta que os processos de flexibilização estarão em pauta no painel de que participará, no dia 17 de agosto.

“Eu pretendo falar de algo que eu pesquisei no meu doutorado que é o discurso sobre o trabalho. Ou seja, junto com o processo concreto de flexibilização você também tem o desenvolvimento de um discurso em torno do trabalho flexível que, de alguma forma, vai justificando alguns desses processos de flexibilização que têm ocorrido nas últimas décadas e acho que é importante a gente conhecer e pensar quais são os elementos que são carregados nesses discursos, porque eles são amplamente disseminados na mídia, na literatura, na produção cultural”, defende.

Interessades em participar desta e de outras discussões acerca dos desafios atuais ligadas à legislação trabalhista podem se inscrever no Seminário que ocorrerá nos dias 17 e 18 de agosto, das 10h às 17h, no Hotel Radisson Oscar Freire, em São Paulo (SP). Para receber as notícias do evento e textos com debates acerca dos temas que serão abordados no encontro, deixe seu e-mail no formulário ao fim da matéria clicando aqui.

Você precisa saber

Alojamentos precários, com risco de asfixia e sem banheiro, 30 trabalhadores são resgatados de fazenda de café no interior de MG – Um grupo de 30 pessoas foi resgatado em ação do Ministério Público do Trabalho (MPT), Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), Defensora Pública Federal (DPU) e da Polícia Rodoviária Federal (PRF) na cidade de Lajinha, em Minas Gerais. Eles foram aliciados em cidades Alagoas, Bahia e Minas Gerais para trabalhar na colheita do café no interior mineiro, onde não tinham contratos de  trabalho registrados; eram alocados em alojamentos “precários”, segundo a fiscalização, nos quais a água consumida era retirada de um córrego sem tratamento, não havia refeitório, cama ou colchão e nem papel higiênico. Nas frentes de trabalho, não havia também banheiros, obrigando os trabalhadores a fazerem suas necessidades fisiológicas no mato. Não bastasse tudo isso, em um dos alojamentos foi detectado risco de asfixia por um fogão a lenha que ficava ao lado do local onde alguns dos trabalhadores dormiam e exalava fumaça e forte odor quando em uso. “Eles foram contratados pelos filhos do proprietário, por meio de pessoas interpostas, os chamados “gatos”, chegaram em ônibus de empresas de transporte regular de passageiros e em “vans, alguns com passagens pagas pelo produtor rural, outros tendo custeado do próprio bolso. A fazenda é reincidente da prática do aliciamento, segundo a equipe de fiscalização”, descreveu o procurador do MPT no Espírito Santo, Marcos Mauro Buzato. A operação de resgate resultou no pagamento de cerca de 170 mil reais em verbas trabalhistas aos empregados, dois salários mínimos a cada trabalhador por dano moral individual e 50 mil reais por dano moral coletivo. “Foi celebrado com o responsável pela propriedade termo de ajustamento de conduta (TAC) pelo qual o proprietário da fazenda se comprometeu a não mais praticar as condutas irregulares constatadas, posteriormente será feita a inspeção no local para verificar se as obrigações estão sendo cumpridas. Caso constatado descumprimento, terá o proprietário de pagar multa de 10 mil reais por cláusula descumprida, acrescida de mil reais por trabalhador encontrado em situação irregular”, relatou Buzato.

Concessionária de energia elétrica do RS é condenada por fraude em registro do ponto de funcionários – A concessionária de energia elétrica Rio Grande Energia (RGE) foi condenada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) a pagar 300 mil reais de indenização por ter fraudado o registro da jornada de trabalho de seus funcionários. A empresa, que atende 3,1 milhões de consumidores em 381 municípios do Rio Grande do Sul, foi considerada culpada após a análise de cerca de 4 mil documentos que mostraram que os pontos eram registrados “em uma única sentada”, com a mesma caneta, letra e horários com variações mínimas ou inexistentes (“ponto britânico”). A ação civil pública foi movida pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) em 2018 com base em inquérito que detectara as irregularidades no ano anterior. Uma testemunha confirmou, ainda, que a prática ocorria na RGE e que há ações trabalhistas ajuizadas sobre a conduta.

Análises

Antônio Vicente Martins e Julise Lemonje participaram do Podcast “EU TENHO DIREITO Assédio moral e sexual: entenda o que são e como combatê-los” realizado SindBancários

Por escritório Antônio Vicente Martins Advogados Associados

Episódio mais recente do podcast “Eu Tenho Direitos”, do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região (SindBancários), contou com a participação dos advogados Antônio Vicente Martins e Julise Lemonje e da Diretora do SindBancários, Simoni Medeiros, que debateram assédio moral e sexual pelo ponto de vista jurídico. Os profissionais abordaram o conceito dos dois tipos de assédio, como eles se manifestam no cotidiano e como combater e punir aqueles e aquelas que assediam. Ouça aqui

Antes de sair…

Eventos

  • Webinar sem custo com tema “Descubra as áreas emergentes do Direito impulsionadas pela Inteligência Artificial” ocorre nesta terça, 18/7, das 10h às 11h.
  • Audiência pública debate os impactos da Reforma Tributária para a advocacia nesta quarta-feira, 19/7, das 16h às 21h, na OAB/SP, com transmissão on-line.

Dicas culturais

  • Podcast: projeto “Memórias Negras em Verbetes” sobre referências históricas da comunidade negra de Porto Alegre tem cinco episódios disponíveis nas plataformas de áudio e no YouTube.
  • Cinemalonga “Missão: Impossível – Acerto de Contas Parte 1” tem inteligência artificial como vilã.
  • Música: Detonautas lançou single “Aposta” como primeira música de trabalho do álbum ao vivo que comemora 20 anos da banda.
  • Música 2: João Bosco abre série de quatro programas do Itaú Cultural sobre grandes nomes da cultura brasileira disponível no YouTube.
  • Infantil: seis animações voltadas às crianças estão disponíveis no Cine curtinhas do Itaú Cultural Play.

Universidade Federal do Ceará desenvolve tratamento que recupera visão de cães e gatos usando pele de tilápia

Cientistas do Programa de Medicina Translacional, da Universidade Federal do Ceará (UFC), desenvolveram um tratamento que está devolvendo a visão a cães e gatos com o uso da pele de tilápia nas córneas dos animais. O procedimento revolucionário foi premiado com o 1° lugar no último Congresso Brasileiro de Oftalmologia Veterinária. Mais de 400 pets já tiveram a técnica aplicada e os resultados foram positivos, com baixo custo e recuperação mais rápida. “Ela [a pele da tilápia] funciona como uma doadora de colágeno para essas estruturas (oculares) e promove o reparo e uma maior transparência na cicatrização”, disse a cirurgiã veterinária Mirza Melo. O tratamento pode ser usado em animais que sofreram ferimentos ou questões genéticas nas córneas.

Reforma Trabalhista de 2017 representa avanço da precarização do trabalho no Brasil, avaliam especialistas

Reforma Trabalhista de 2017 representa avanço da precarização do trabalho no Brasil, avaliam especialistas

A Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) vive, atualmente, o momento mais desafiante de suas oito décadas de existência. A afirmação é de especialistas que se referem, em especial, a três motivos que nos trazem a este ponto: aos fenômenos de “uberização” e “pejotização” das relações trabalhista; ao aumento da informalidade e, em especial, à Reforma Trabalhista de 2017, que se interliga aos dois primeiros motivos.

Considerada por especialistas como uma das mudanças mais drásticas da história na legislação trabalhista brasileira, a Reforma promovida pela Lei 13.467 durante o governo do presidente Michel Temer, em 2017, completa seis anos em 2023 sem cumprir com as promessas de criação de empregos. Entre as principais alterações abarcadas está o maior peso dado aos acordos coletivos, que prevalecem sobre a legislação em pontos até então intocáveis como aqueles relacionados à jornada de trabalho, ao intervalo de alimentação e até mesmo ao grau de insalubridade do ambiente. 

A Reforma também tornou possível a figura do trabalho intermitente, aquele no qual os empregados e empregadas podem ficar à disposição do patrão e só recebem pelas horas trabalhadas. Questões relacionadas ao acesso à Justiça do Trabalho também tiveram alterações, com a possibilidade de o empregado ter de pagar os honorários advocatícios em caso de derrota e com vinculação do dano moral à remuneração do trabalhador, ou seja, quanto menor o salário, menor a indenização a ser recebida. Para finalizar o golpe aos direitos trabalhistas, sindicatos se viram enfraquecidos pelo fim da contribuição obrigatória.

Na época em que a Reforma ainda estava sendo gestada no Congresso Nacional, seus defensores difundiram a ideia de que ela possibilitaria a ampliação do mercado formal de trabalho e a diminuição do desemprego. Seis anos no futuro, o que se vê é um cenário de informalidade crescente – atingindo 40,1% da população ocupada, ou seja, 38,2 milhões de trabalhadores.

“[A Reforma Trabalhista] Não trouxe o aumento do emprego formal e a diminuição, consequentemente, do trabalho informal. Não representou uma melhora significativa nas taxas de desemprego. Mas, ao contrário disso tudo, representou uma perda significativa na renda média do trabalhador”, avalia o advogado trabalhista Nasser Ahmad Allan, doutor em Direito pela UFPR, autor de diversos livros sobre Direito do Trabalho e integrante do Grupo de Trabalho de Comunicação da Rede Lado.

Dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) comprovam a fala do advogado: enquanto a média salarial era de  R$ 2744 no segundo trimestre de 2017, antes da Reforma Trabalhista, no mesmo período de 2022 esse valor era de R$ 2652, ou seja, R$ 92 a menos do que cinco anos antes. “Então o que trouxe a Reforma Trabalhista? Não trouxe o aumento do emprego formal e a diminuição, consequentemente, do trabalho informal. Não representou uma melhora significativa nas taxas de desemprego. Mas, ao contrário disso tudo, representou uma perda significativa na renda média do trabalhador”, avalia. 

Para o doutor em Sociologia Túlio Custódio, um dos painelistas que falará sobre o tema “Distopia de um mundo nada admirável: trabalho sem direitos”, no primeiro dia do Seminário “Admirável Mundo Novo: não há trabalho sem direitos” que a Rede Lado promoverá em agosto em São Paulo, o processo de desregulamentação das leis trabalhistas é antigo, remonta a um processo de 20 a 30 anos de precarização das condições de reprodução da vida da classe trabalhadora. “Em grande parte, o que essa reforma fez, se a gente for reduzir em miúdos esse processo, foi regulamentar a desregulamentação. Ou seja, regulamentar um processo de flexibilização do trabalho, que já faz parte do mundo do trabalho no Brasil por décadas”, analisa. 

E essa flexibilização trouxe junto uma precarização com a informalidade sendo “formalizada” pela lei. “É o informal formal. Porque as condições de trabalho da classe trabalhadora, com essa reforma, elas têm cada vez mais cara de informais, mas são formalizadas. O trabalho intermitente, algumas novas possibilidades de teletrabalho – que depois explodiu isso com a questão da pandemia – o próprio processo de constituição das MEIS, tudo isso veicula com uma espécie de formalização do informal. A formalização aqui não significa que há uma melhora ou que há uma adição das garantias e vínculos trabalhistas, mas pelo contrário, de tornar cada vez mais generalizada uma condição de informalização dessa classe trabalhadora”, define o sociólogo.

Allan também acredita que esse processo de alterações da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) foi sistemático, afetou diversas categorias profissionais ao longo do tempo e trouxe uma flexibilização negativa e uma minimização dos direitos trabalhistas por parte do Estado, culminando na Reforma de 2017. “Então existe uma proteção social e o Estado reduziu a proteção social que ele possuía. E essa proteção social representava direitos que tinham expressão econômica, que se traduzem em dinheiro, portanto a partir desse momento o Estado deixa de tutelar os direitos, deixa de tutelar o trabalhador retirando desse trabalhador direitos que representam, no final do mês, dinheiro para esse trabalhador. O que acaba gerando uma maior concentração de renda a partir da ideia de que o dinheiro não volta do empregador para a produção, não vai gerar emprego esse dinheiro, ele vai ser aplicado dentro do mercado financeiro”, pontua o advogado.

Importância da discussão

Para ajudar profissionais, estudantes e interessades no tema a refletir e encontrar saídas para os desafios impostos pela atual realidade do mercado, a Rede Lado promoverá o Seminário “Admirável Mundo Novo: não há trabalho sem direitos”. Custódio adianta que os processos de flexibilização estarão em pauta no painel de que participará, no dia 17 de agosto.

“E, para além disso, além dos processos concretos, para não ficar uma coisa muito aula de História, uma coisa cronológica, eu pretendo falar de algo que eu pesquisei no meu doutorado que é o discurso sobre o trabalho. Ou seja, junto com o processo concreto de flexibilização você também tem o desenvolvimento de um discurso em torno do trabalho flexível que, de alguma forma, vai justificando alguns desses processos de flexibilização que têm ocorrido nas últimas décadas e acho que é importante a gente conhecer e pensar quais são os elementos que são carregados nesses discursos, porque eles são amplamente disseminados na mídia, na literatura, na produção cultural”, adianta. 

Membro do Grupo de Trabalho que ajudou a pensar nos debates que o evento trará, Allan explica que o Seminário tem a missão de trazer uma reflexão mais ampla e profunda sobre a necessidade de tutelar, a necessidade de proteger socialmente formas de trabalho que hoje não são protegidas. “Nós precisamos pensar numa legislação que venha a estabelecer, a proteger esse contingente de trabalhadores que não goza de proteção social, mas sem que isso represente a retirada de direitos daqueles que hoje possuem direitos por serem empregados. Então os efeitos da Reforma Trabalhista mostram claramente que retirar direitos de um grupo não significou incluir outro grupo no mundo dos direitos. Retirar direitos não significou tornar formal o trabalho de pessoas que estavam no mercado informal. Elas continuam hoje no mercado informal, continuam sem proteção social. O que nós precisamos fazer é criar formas de proteção social para quem hoje estão no mercado informal e esse talvez seja o grande desafio a se produzir para os próximos anos”, pontua. 

Inscrições abertas 

Interessades em participar desta e de outras discussões acerca dos desafios atuais que a legislação trabalhista tem para se manter atualizada e relevante para quem vive de seu emprego já podem se inscrever no Seminário que ocorrerá nos dias 17 e 18 de agosto, das 10h às 17h, no Hotel Radisson Oscar Freire, em São Paulo (SP). 

Para receber as notícias do evento e textos com debates acerca dos temas que serão abordados no encontro, deixe seu e-mail no formulário abaixo.

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