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Teletrabalho: nova MP faz alterações sobre regras do home office

A medida provisória 1.108 que regulamenta o trabalho híbrido foi editada pelo governo Bolsonaro. A edição altera a definição de teletrabalho, que agora estende-se que este tipo de regime pode ser adotado pela prestação de serviços fora do ambiente do empregador, sendo predominantemente remoto ou não. Isso inclui o trabalho híbrido, em que parte do tempo de serviço o empregado fica em casa e outra parte na empresa. Essa nova edição institui a modalidade de trabalho por produção de tarefa e sem controle de jornada.  

Com a mesma conversa da já comprovada fracassada reforma de 2017, que prometia que se o empregador negociasse com o empregado haveria mais postos de trabalho, esta MP também traz esta negociação individual. Em entrevista à Rede Brasil Atual, o diretor técnico do DIEESE afirmou que essa MP não deveria ter sido promulgada antes de um debate profundo em sociedade e também adicionou que o objetivo desta MP é enfraquecer as representações coletivas. 

Além disso, a MP também altera o uso do vale alimentação e refeição para outros fins que não sejam estes. Haverá multa caso haja desvio da função do cartão refeição e alimentação. A Medida Provisória proíbe a concessão de descontos na contratação de empresas fornecedoras de auxílio alimentação. As empresas que contratam o tíquete, às vezes, conseguem um desconto na compra e, de acordo com o novo texto, este desconto era, na verdade, “cobrado” de restaurantes e demais comércios com taxas no uso do cartão.  

Segundo o Ministério do Trabalho: “A prática desvirtua a política pública retirando o trabalhador da condição de maior beneficiado”. 

Quiosque no RJ onde trabalhava congolês assassinado é investigado pelo MPT-RJ por trabalho análogo à escravidão

O Ministério Público do Trabalho no Rio de Janeiro (MPT-RJ) descobriu, após investigação, que o quiosque onde trabalhava o congolês Moïse Kabagambe, espancado até a morte em janeiro deste ano por supostamente cobrar dívidas de trabalho, submetia trabalhadores a condições análogas à escravidão. Sem contrato ou nenhum direito garantido, os colaboradores que atendiam os clientes na praia trabalhavam por 12 horas seguidas, sob o sol escaldante e com os pés descalços na areia, sem poder beber água, comer e usar o banheiro. Há relatos, ainda, de que nem sempre eram pagos pelo trabalho realizado ao longo do dia. A situação foi apurada nos quiosques Biruta e Tropicália, localizados na Barra da Tijuca, na capital fluminense, após o MPT ouvir depoimentos de 25 pessoas, entre elas familiares e ex-colegas de Kabagambe.

Como resultado, o MPT pede na Justiça, por meio de uma ação civil pública, a responsabilização dos sócios dos dois quiosques, da Orla Rio (encaregada pela fiscalização) e da Prefetirua do Rio de Janeiro, os dois últimos por omissão. Os procuradores querem, ainda, que seja declarado o vínculo empregatício de Moïse como garçom no período entre 1º de dezembro de 2018 e 22 de janeiro de 2022, dois dias antes de sua morte; e o pagamento de indenizações à família do congolês no valor de R$ 2 milhões por dano moral individual, outros R$ 285,4 mil de indenização trabalhista e R$ 3,4 milhões de pensão para a família. Também há o pedido do pagamento de R$ 11,5 milhões por danos causados à coletividade, que seriam destinados a entidades sociais sem fins lucrativos. “Trata-se de caso clássico de trabalho em condições análogas às de escravo no meio urbano. Os quiosques, aproveitando-se das vulnerabilidades dos trabalhadores, principalmente dos imigrantes, do desemprego que assola o país, os transporta da precariedade para a subumanidade ao submetê-los a condições degradantes de trabalho”, explicou a procuradora Lys Sobral Cardoso. 

A ação dos auditores do Trabalho após a morte de Moïse identificou outros 256 trabalhadores sem registro e em situação semelhante em quiosques cariocas. Em comum, diversos são imigrantes e refugiados, como o congolês. “É um trabalho sob o sol, sem proteção, sem protetor solar, com os pés descalços, na areia abrasiva. Essas circunstâncias impostas culminam na imunodepressão, que é esse cansaço físico, uma exaustão do corpo humano. Além disso, o risco de incidência de câncer de pele”, analisa a procuradora do Trabalho Guadalupe Turos Couto. Para ela, a denúncia serve de alerta para que os demais empresários regularizem a situação trabalhista de seus funcionários. 

Subemprego entre imigrantes

Conforme abordamos aqui em nossa Newsletter ainda em fevereiro, o caso escancarou um problema antigo e já conhecido em nosso país: o subemprego a que são submetidos os imigrantes e refugiados que escolhem nosso país para viver em paz. Desde 2016, 858 refugiados da República Democrática do Congo vieram para o Brasil, em sua maioria se fixaram em São Paulo e Rio de Janeiro. Boa parte dessas pessoas acaba recorrendo à informalidade para garantir seu sustento, já que o mercado de trabalho é hostil mesmo a quem tem qualificação. 

Você precisa saber

TST mantém medidas contra trabalho análogo à escravidão em fazenda na Bahia – O Tribunal Superior do Trabalho (TST) confirmou a decisão de condenar a Costa Descobrimento – Investimentos Agrícolas e o proprietário da Fazenda Dois Rios, em Porto Seguro (BA), por manter 39 funcionários em situação análoga à escravidão. Entre os pontos apurados na ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) estão as condições precárias a que os trabalhadores eram submetidos em relaçao ao alojamento, onde ficavam expostos a animais peçonhentos e insetos, não tinham camas nem local para refeições, entre outros pontos. Para o juízo da Vara do Trabalho de Porto Seguro (BA) há elementos suficientes para o deferimento da antecipação de tutela requerida pelo MPT. Entre as obrigações impostas estão anotar a carteira de trabalho dos empregados, depositar o FGTS e fornecer alojamento com condições de infraestrutura e higiene, além de equipamentos de proteção individual adequados e treinamento para os operadores de motosserra e similares. Foi também determinada a indisponibilidade de todos os bens imóveis da empresa e do fazendeiro. A empresa impetrou mandado de segurança contra a decisão, alegando que adquirira a fazenda em 2013, mas firmara promessa de compra e venda em julho de 2017, colocando nos novos responsáveis pelas propriedades a culpa pela contratação dos empregados. O Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (BA) manteve a decisão por ausência de provas do registro de venda das propriedades. A empresa então recorreu ao TST, que confirmou as medidas anteriores. 

Convenção da OIT contra violência e assédio no mundo do trabalho aguarda aprovação de Bolsonaro para vigorar no Brasil – Ainda sem ratificação no Brasil após nove meses em vigor, foi aprovada pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) moção de apoio à Convenção 190/2019, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que vida coibir a violência e o assédio no mundo do trabalho. Além disso, o Pleno também aprovou a apresentação da moção ao presidente Jair Bolsonaro em audiência prevista para ocorrer no próximo dia 4 de abril. Válida desde junho de 2021, a convenção é o primeiro tratado internacional sobre o assunto e sua ratificação depende do Poder Executivo para que, a partir daí, seja internalizada no Direito brasileiro. 

Eventos

  • Hoje, 29/3, às 17h, tem webinar do IV Seminário do Projeto Regulação em Números. 
  • Encontro virtual “O Processo do Trabalho, por Homero Batista” vai falar sobre a insegurança das relações jurídicas envolvendo o tema, dia 30/3, das 10h às 11h
  • Também na quarta-feira, 30/3, às 19h, tem debate virtual sobre “Finanças Pessoais: o Equilibrio entre a Razão e Emoção” realizado pela Associação dos Advogados de SP. 
  • Na quinta, 31/3, às 10h, tem bate-papo sobre feminicídio contra mulheres trans e travestis e inclusão da diversidade nas organizações no evento virtual “Os dados da mudança: analisando números e valorizando pessoas”.  

Dicas culturais

  • Documentário: “Cantautoras: O canto autoral da mulher brasileira” mostra percurso das mulheres compositoras no Brasil e está disponível no streaming e no canal do YouTube do Amazon Music.
  • Literatura e Teatro: a Companhia de Teatro Heliópolis lança em evento online no dia 30/3, às 20h, o livro “Giras épico-poéticas nas obras-quilombola, em processos de empoderamento – e não apenas – negro, da Companhia de Teatro Heliópolis: 20 anos de belezas e/em lutas”, escrito por Alexandre Mate. 
  • Música: a cantora Simone lançou recentemente seu primeiro álbum em nove anos. “Da Gente” está disponível nas plataformas digitais. 

Ave tem bico recuperado com prótese feita em impressora 3D em São Paulo

Até mesmo o mundo animal também está sendo impactado pela criação e aplicação de novas tecnologias na área da saúde, neste caso, de uma forma positiva: uma seriema moradora do Zoológico de Guarulhos (SP) teve parte do seu bico recuperado com o uso de uma prótese criada em uma impressora 3D. A ave de 28 anos não estava se alimentando bem por causa da fratura e, com o “novo” bico, já voltou a comer normalmente, para alegria dos veterinários que cuidam dela. “A gente já tinha tentado fazer prótese de bicos e nunca ficava bom. Então tivemos a parceria de um veterinário especialista em odontologia e outros dois profissionais que trabalham com escaneamento para fazer prótese em humanos”, explica a veterinária Claudia Igayara, que coordenou o projeto. O machucado no bico provavelmente ocorreu pelo hábito da seriema de bater com sua presa no chão antes de comê-la, mesmo que eles já estejam mortos, como é o caso da alimentação da ave moradora do zoológico paulista. A tecnologia usada para a criação da prótese é comum na odontologia para humanos e precisou ser adaptada para o uso no animal. A prótese da seriema foi produzida com metal leve e resistente e uma cobertura fina de cerâmica, para melhorar a aparência. Em uma hora de cirurgia, o bico estava no lugar e devolveu vida normal à seriema que será acompanhada durante o processo de adaptação ao material.

A JUDICIALIZAÇÃO DO MOVIMENTO SINDICAL E SUAS CONSEQUÊNCIAS

É certo que sindicatos dos trabalhadores têm como atribuição a defesa dos respectivos direitos e interesses, individuais ou coletivos, em todas as esferas dos direitos humanos, seja via judicial, extrajudicial, administrativa e política.

Porém, ao longo dos anos, em especial, após a Constituição Federal de 1988 (que, em seu art. 8º, inc. III, criou o instituto da substituição processual), é possível observar a ocorrência de uma centralização das atuações sindicais no âmbito judicial.

Sem adentrar no mérito e importância de tal instituto, muitos dirigentes sindicais acabaram esquecendo que o sindicato é uma instituição política em sua essência, e passaram a se preocupar mais com as atuações judiciais do que com as ações políticas, como a conscientização de classe e a necessidade de mostrar (e porque não dizer educar) a sociedade sobre a importância da luta e preservação de direitos a todos os trabalhadores.

Assim, muitas ações de substituições processuais e o comportamento de muitos sindicatos arrefeceram os atos de conscientização política. Visitas de dirigentes sindicais junto à base da categoria e sociedade, passeatas, movimentos paredistas, entre outros, estão cada vez mais escassos. Aliás, movimentos de greve têm sido vistos por boa parte da sociedade como algo negativo e de forma preconceituosa. Não se vê, infelizmente, uma empatia com aqueles que buscam por melhores condições de trabalho, e que, em verdade, reflete na sociedade como um todo.

Paralelamente, como agente de transformação social, vemos a Justiça do Trabalho que, através de suas decisões, tem se tornado uma das principais protagonistas nas diretrizes das relações do trabalho, e que, por vezes, acabam não decidindo de acordo com os reais interesses da maioria dos trabalhadores e com os anseios da coletividade.

Não se pode deixar de notar ainda que, nas últimas duas décadas, houve um enfraquecimento do movimento sindical, em especial, após a chegada do governo Lula, tendo ocorrido uma acomodação de muitos dirigentes sindicais. Não significa dizer que estes abandonaram os trabalhadores, mas sim que, por estar sob a égide de um governo social, entenderam que os direitos dos trabalhadores já conquistados, depois de anos de luta, não seriam mais prejudicados.

E essa acomodação gerou um enfraquecimento indireto dos sindicatos. Por outro lado, o empresariado movimentou suas peças no sentido de não só deixar de ampliar direitos, como também passou a atacar aqueles já conquistados a duras penas.

Tanto é assim que, com o advento da reforma trabalhista, sob o patrocínio de Michel Temer e seus aliados, a classe trabalhadora experimentou o enfraquecimento e até mesmo a perda de diversos direitos, bem como a flexibilização de outros, o que gerou um prejuízo imenso para o trabalhador.

O desmonte e precarização do movimento sindical e da Justiça do Trabalho é um projeto de Estado que está em curso e, desde a tomada do poder político pela ala neoliberal brasileira, tem se intensificado.

O prejuízo foi tão grande e continua se ampliando, que inclusive verifica-se a elaboração de acordos, convenções coletivas e afins, nos quais se estabelece com a anuência de sindicatos signatários a redução, bem como a renúncia de direitos, em total prejuízo ao trabalhador.

Portanto, é necessário que haja um renascimento da atuação e movimento sindical, pois há um estímulo para resgatar a luta dos direitos e a conscientização da classe trabalhadora. E ainda, importante aprender com os erros do passado, pois a inércia e a estagnação na luta dos direitos se mostrou nociva.

Neste sentido, vê-se a necessidade de um novo movimento sindical, que resgate o protagonismo social e político da classe trabalhadora, sugerindo-se até mesmo uma unidade das diferentes categorias profissionais existentes, nesse processo de conscientização e mobilização social.

Para isso, há que se aproveitar esta conjuntura política para realizar as reformas estruturais que a classe trabalhadora precisa e merece.

É uma simples constatação de que a classe trabalhadora precisa se reorganizar e resgatar a sua pauta de luta, pois somente a partir da organização coletiva dos trabalhadores será possível a defesa e conquista dos direitos que lhes eram garantidos, bem como formas coletivas de defesa contra as perseguições políticas.

 

Marco Aurélio Soares Gonçalves, formado em Direito pela UNOPAR – Universidade Norte do Paraná. Especializado em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela PUC-PR. Advogado da Advocacia Scalassara e integrante da Rede Lado

Jorge Willians Tauil, formado em Direito pela UEL – Universidade Estadual de Londrina. Especializado em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela UEL-PR. Advogado da Advocacia Scalassara e integrante da Rede Lado.

O papel do movimento sindical na justiça do trabalho frente ao neoliberalismo

A história dos sindicatos remonta ao início da organização de trabalhadores pela busca por melhores condições de trabalho dentro do sistema capitalista, se opondo aos interesses patronais e burgueses de exploração desenfreada. Longe de serem almejados pelo sistema, os sindicatos foram – e são – atacados institucionalmente, cooptados por interesses dominantes e enfraquecidos pela legislação.

O neoliberalismo, termo que descreve a atual organização do capitalismo e da sociedade, conta com discurso sedutor e com poder simbólico baseado na exploração das inclinações pessoais e particulares, manipulando desejos de liberdade para transformá-los em liberdades econômicas. Há menosprezo do social e do coletivo em prol de visão individualizante, pautada na autoexploração, no empreendedorismo e na competição. Não há tempo para reivindicar melhores condições de trabalho, se deve fazer o melhor trabalho possível para ultrapassar o esforço dos demais e, assim, torcer pelo reconhecimento.

A conceituação neoliberal de liberdade, portanto, se relaciona à liberdade de responder plenamente pelas suas próprias escolhas. Esta ideia não está dissociada, portanto, da sujeição de trabalhadores ao trabalho precário, excruciante ou mesmo análogo à escravidão, pois está relacionada à cultura do medo – de ser substituído, de não conseguir sobreviver. A igualdade neoliberal, por sua vez, tende a se apresentar enquanto a mais rudimentar possível, que não leva em conta as desigualdades inerentes em uma dada relação.

Sob a vigência de Constituição com forte cunho social, as mazelas do sistema se tornam mais evidentes. A liberdade sindical, por exemplo, não condiz com a irrestrita criação de sindicatos ou a autonomia em sua organização, mas a possibilidade do indivíduo trabalhador escolher se organizar e se associar, adentrando o pré-estabelecido e engessado modelo sindical pátrio.

Com a Constituição e suas emendas, a Justiça do Trabalho ganhou destaque no controle dos sindicatos. É neste espaço judicial que o sindicato resolve questões eleitorais sindicais e negociações coletivas sem acordo. Para garantir os direitos dos trabalhadores que representam, os sindicatos devem socorrer aos juízes, também detentores do direito de limitar ou proibir greves que considerem “abusivas” de acordo com a legislação.

Por vezes, ainda, a resposta da Justiça do Trabalho vem do silêncio, de sua perniciosa omissão ante os ataques sofridos pelos trabalhadores e sindicatos. A Reforma Trabalhista, contínuo processo de precarização das condições de trabalho, foi vendida enquanto necessária para a criação de novos postos de emprego. Não há dúvida de que foi, contudo, o maior golpe sofrido pelo movimento sindical desde sua inclusão no Estado de direito e pelos trabalhadores desde a substituição da estabilidade pelo FGTS.

Buscam as alterações legislativas “equilibrar” a relação entre a parte trabalhadora e a parte empregadora, ignorando a assimetria de forças que dá origem ao contrato de trabalho. Os ataques podem vir de forma direta ao trabalhador, pelos ataques ao acesso à justiça ou com a outorga de “liberdade”, no sentido neoliberal, para negociar diretamente com o patrão. Todavia, ao se atacar o sindicato, se pode atingir a capacidade de organização da classe trabalhadora, diretamente, e os próprios trabalhadores, indiretamente.

Ampliou-se o espaço para negociação coletiva, com valorização das normas acordadas entre sindicatos e empresas em detrimento da legislação. Ao mesmo tempo, contudo, foi tirada importante fonte de custeio do sindicato e foram limitados os efeitos da negociação coletiva. Ou seja, caso a negociação não ocorra na data prevista, os trabalhadores perdem todos os direitos da última negociação e partem da estaca zero. A entidade também foi legalmente afastada de seu papel de assistir o empregado no momento em que mandado embora.

O sindicato enfraquecido, por óbvio, não é de interesse dos empregados – ainda que estes possam se posicionar de forma contrária ao sindicato – mas na lógica neoliberal significa maior facilidade para retirar direitos trabalhistas negociados ou sair ileso de violações cometidas. A classe trabalhadora perde o controle sobre suas condições de trabalho, o que gera uma vulnerabilidade política e econômica que destrói sua capacidade de reação e a leva a aquiescer com sua submissão total ao capital.

O conflito entre sindicato e Justiça do Trabalho pode, portanto, estar na crença daquele de que esta é neutra para decidir embates entre trabalho e capital ou, ainda, de que ela serve os trabalhadores e seus interesses. Ante as numerosas alterações legislativas sofridas, era de se esperar que a Justiça do Trabalho apontasse a ausência de harmonia entre as novas normas, provenientes dos governos Temer e Bolsonaro, e o Direito do Trabalho, seja em sua previsão constitucional, legal, internacional ou principiológica. Não é o que se verifica.

Ante este cenário, o movimento sindical precisa ser reconstruído, em sua forma de atuar, de agir e na sua capacidade de representação, mas não nos termos impostos de fora pela lei e pela Justiça. Necessita, portanto, defender e conquistar sua legitimidade frente ao Estado para se organizar e na Justiça do Trabalho para fazer valer a proteção aos trabalhadores, relembrando a instituição de sua real missão contra-hegemônica: a valorização da coletividade, da proteção e do social.

 

Victor Sousa Barros Marcial e Fraga

Graduado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais.
Mestrando em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Minas Gerais.

Rafael Gontijo de Assis

Graduado em Direito pela Escola Superior Dom Helder Câmara
Pós-graduado em direito do trabalho e prática trabalhista pela Universidade Candido Mendes
Mestrando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais.

Cristiane Pereira

Graduada em Direito pela Universidade Potiguar
Pós-graduada em Direito Social pela Newton Paiva, em Direito Processual pela PUC/Minas, e, em Direito do Trabalho e Previdenciário pela FMP/RS

TST mantém medidas contra trabalho análogo à escravidão em fazenda na Bahia

A Subseção 2 Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho (SDI-2) manteve a responsabilidade da Costa Descobrimento – Investimentos Agrícolas e do proprietário da Fazenda Dois Rios, em Porto Seguro (BA), pela implementação das medidas judiciais que lhe foram impostas depois que 39 empregados foram resgatados em situação análoga à escravidão. Para o colegiado, não há ilegalidade nas medidas, que visam preservar os trabalhadores envolvidos na exploração econômica da fazenda de novas situações degradantes. 

Condições precárias

O caso tem origem em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), com pedido de tutela de urgência, para que a empresa cumprisse diversas obrigações relativas aos direitos trabalhistas e ao meio ambiente dos empregados da Fazenda Dois Rios, sob pena de pagamento de multa. 

O pedido foi amparado em inquérito civil aberto a partir de informações da Secretaria de Assistência Social do Município de Itabela (BA) de que o grupo de trabalhadores teria vindo trabalhar na fazenda de café e, diante das péssimas condições a que foram submetidos, decidiram voltar, mas não tinham recursos para tal. 

Constatou-se que eles foram alojados em casas precárias, próximas à mata, com frestas que permitiam a passagem de animais peçonhentos e insetos. Não havia camas, apenas lençóis e papelões no chão. O banheiro também era precário, e o chuveiro era ligado diretamente à caixa d’água, em local aberto.  Não havia local para refeições, apenas um fogão a lenha improvisado. Os fiscais acharam, ainda, uma embalagem vazia de agrotóxico, utilizada pelos trabalhadores para pegar água. 

Durante a fiscalização, foi identificado um trabalhador que havia se acidentado com uma motosserra. Ele fugiu depois de discutir com um superior, que o ameaçou com uma pistola e efetuou um disparo. Ao final, o MPT interditou quatro máquinas agrícolas e celebrou um Termo de Ajuste de Conduta Emergencial com um dos réus (Adilson Vieira), que não teria honrado todos os pagamentos acertados. 

Elementos suficientes 

O  juízo da Vara do Trabalho de Porto Seguro (BA) identificou elementos suficientes para o deferimento da antecipação de tutela requerida pelo MPT. Entre as obrigações impostas estava a de anotar a carteira de trabalho dos empregados, depositar o FGTS e fornecer alojamento com portas e janelas, local para refeições, instalações sanitárias separadas por sexo, água potável, abrigo contra a chuva, equipamentos de proteção individual adequados e treinamento para os operadores de motosserra e similares. 

O juízo ainda determinou a indisponibilidade de todos os bens imóveis da empresa e do fazendeiro, com aviso aos cartórios da região, e fixou multa diária de R$1 mil para cada item comprovadamente descumprido.

Venda da propriedade

Contra a decisão, a Costa Descobrimento impetrou mandado de segurança, alegando que adquirira a fazenda em 2013, mas, como o negócio era pouco rentável, firmara promessa de compra e venda em julho de 2017.  Segundo a empresa, um dos novos responsáveis pelas propriedades é que teria contratado os empregados, sem sua interferência, e, portanto, não poderia ser responsabilizada pelas medidas impostas pelo juízo. Disse, ainda, que, posteriormente, foi feito novo contrato de cessão de direitos com outros três interessados, que têm a posse da fazenda atualmente. 

Normas legais

O Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (BA), contudo, manteve a decisão, diante da ausência de provas do registro de venda das propriedades. Para o TRT, as medidas impostas são normas legais que devem ser observadas por todos os empregadores para garantir o cumprimento dos direitos trabalhistas e a manutenção da qualidade e da segurança do meio ambiente de trabalho. A Costa Descobrimento, então, recorreu ao TST.

Medidas necessárias

O relator, ministro Dezena da Silva, identificou os requisitos necessários para a concessão de tutela de urgência pelo juízo de primeiro grau, pois as medidas determinadas são condizentes com o objetivo de preservar os trabalhadores envolvidos na exploração econômica da fazenda de novas situações como as que foram identificadas pelo MPT. Ele destacou que as provas juntadas ao processo confirmam o resgate dos 39 trabalhadores e a continuidade da exploração econômica da propriedade, por meio de contratos de promessa de compra e venda celebrados com a empresa – que, a seu ver, é a legítima proprietária da fazenda e a destinatária dos seus lucros.

Perigo na demora

Outro requisito verificado pelo relator foi o chamado perigo na demora, uma vez que há efetiva possibilidade de novos trabalhadores serem submetidos às mesmas condições degradantes. Em relação a isso, o ministro observou que a empresa não apresentou nenhuma prova de que tenha tomado providências para melhorar para evitar as situações que justificaram a decisão judicial.

Por unanimidade, a SDI-2 não constatou ilegalidade, abusividade ou violência a direito líquido e certo da empresa que impeça a manutenção das medidas judiciais impostas.

 

Fonte: TST