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Megaprojetos na Amazônia, o neoliberalismo de fronteira

 

A hegemonia neoliberal tem imposto um processo grave de desconstituição de direitos o país, do que são exemplos as reformas trabalhista e previdenciária. Na Amazônia, todavia, esse regime econômico tem dispensado níveis civilizatórios e acentuado a exclusão social, a expropriação, a violação de direitos dos povos tradicionais, a degradação ambiental, fragilizando os órgãos destinados a promoção do meio ambiente a proteção dos povos tradicionais.

Essa história se repete no caso da criação de mais um Polo Graneleiro no Pará, no município de Abaetetuba, pela Cargill, com capacidade de movimentar milhões de toneladas de grãos. O itinerário desse empreendimento, mostra muito “mais do mesmo”, daquilo que tem sido a face dos empreendimentos econômicos na Amazônia, a expropriação da terra, exclusão social, a violação de direitos para quilombolas, ribeirinhos, pescadores, extrativistas que ocupam e preservam suas terras, cultura e tradições e a degradação do meio ambiente.

As irregularidades começam pela ausência de consulta prévia para comunidades tradicionais atingidas com a instalação do Terminal de Uso Privado (TUP)-Abaetetuba.
Em seguida, embora anuncie a instalação do porto em diversos documentos oficiais , os registros agrários constam em nome de K. F. Menezes Consultoria Ltda, pertencente ao ex-secretário de transportes do Estado, Sr. Kleber Menezes, posteriormente BRIC Logística, sem correspondente processo de regularização fundiária em nome da Cargill Agrícola S. A nos arquivos da Secretaria do Patrimônio da União – SPU, do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, da Prefeitura Municipal de Abaetetuba.

Em sequência, a área reivindicada pela empresa é de um apossamento irregular. Isto porque a mesma incide dentro de um Projeto de Assentamento Agroextrativista, PAE – o PAE Santo Afonso, na Ilha do Xingu, instituído pela Portaria INCRA nº 37, de 28 de novembro de 2005, publicado no Diário Oficial da União nº 229, seção 1, página 110, do dia seguinte, com área de 2.705,6259 hectares, na Ilha do Xingu, e capacidade de “assentamento” de 108 unidades agrícolas familiares e posteriormente ampliado para 188 famílias.

Depois, a BRIC Logística afirma que a partir da matrícula nº 2675 do Cartório do 1º Ofício de Abaetetuba, obteve um título de traspasse emitido em 2003 pela Prefeitura Municipal de Abaetetuba. Acontece que se trata de um título nulo, ante incompetência do ente público municipal para regularizar terras públicas circunscritas em patrimônio da União, conforme art. 20 da Constituição Federal. Um vício insanável e que não pode gerar efeitos para atingir direitos e constituir ameaça concreta de desaparição forçada de comunidades tradicionais do PAE Santo Afonso, que ali se mantém por gerações.

Essa sequência de vícios foi solenemente ignorada por órgãos como Secretaria de Patrimônio da União, INCRA/SR-01 e Advocacia Geral da União, os quais desde 2015 produziram atos administrativos convergentes ao pedido de regularização fundiária requerido pela BRIC Logística. Notas técnicas, pareceres, despachos, ofícios têm sido extensamente produzidos nos últimos seis anos, intensificados, sobretudo, a partir de 2017, conforme se pode verificar nos autos do processo nº 54000.084888/2020-14.

Na realidade, com ouvidos moucos às graves implicações em desfavor das comunidades tradicionais, SPU, INCRA e AGU se mostraram empenhados em consumar a redução parcial do assentamento agroextrativista.

Isso em contrariedade ao entendimento proferido pelo Supremo Tribunal federal, em julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4269, relativa à Lei 11.952/2009, de que a regularização de terras ocupadas por quilombolas ou comunidades tradicionais não pode ocorrer em nome de terceiros. Logo, a empresa não pode desafetar terras tradicionalmente ocupadas no interior do PAE Santo Afonso.

A instalação do empreendimento acarreta violação de direitos ao infringir diversas legislações nacionais e internacionais, a exemplo da Convenção 169, a Constituição Federal de 1988, o Decreto nº 591/1992, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969, ratificada pelo Brasil no Decreto 678/1992, especialmente no que se refere ao direito à vida e à integridade pessoal (artigos 4 e 5), às garantias judiciais de acesso à justiça (artigos 8 e 25), à proteção da honra e da dignidade (artigo 11); o Decreto Federal nº 5.051/2014, que prevê em seu art. 6.1, alínea “a”, a obrigação do Estado de consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, em particular, de suas instituições representativas, sempre que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente, e em seu artigo 7.1 que os povos interessados deverão ter o direito de escolher suas próprias prioridades no que diz respeito ao processo de desenvolvimento, na medida em que ele afete as suas vidas, crenças, instituições e bem estar espiritual, bem como as terras que ocupam ou utilizam de alguma forma, e de controlar, na medida do possível, o seu próprio desenvolvimento econômico, social e cultural e em seu artigo 20, medidas de proteção ao trabalho dos povos interessados, incluindo a igualdade, a informação, a não submissão a condições perigosas para a sua saúde, a sistemas de contratação coercitivos e a acossamento sexual;

Também se observa violação da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (Decreto nº 6.040/2007), que reconhece e consolida os direitos dos povos e comunidades tradicionais, garantindo seus direitos territoriais, sociais, ambientais, econômicos e culturais, em diferentes biomas e ecossistemas, em áreas rurais ou urbanas. Do mesmo modo, ataca-se a Resolução nº 4, de 11 de março de 2020, capítulo I, § 5º, o qual assinala que “o Estado deve assegurar a eficácia dos instrumentos legais para acesso à informação que sejam úteis à prevenção, apuração ou reparação de violações aos Direitos Humanos”;

Nesse contexto, a comunidade resiste e luta para afirmar seus direitos de humanos, sociais, culturais e ambientais.
Com o apoio da Clínica de Direitos Humanos da UFPa, sob orientação do Prof. Girolamo Tracani e da Mestranda Tatiane Vasconcelos e da intensa mobilização e apoio de organizações sociais, essa luta obteve importante vitória, com a suspenção da tramitação dos requerimentos da BRIC Logística (Cargill) no Incra, pelo escândalo configurado naquela expropriação das comunidades.

Mas uma vitória parcial, na realidade, porque o processo permanece vivo e a posse irregular permanece, com a ocupação da área pela Cargill, de forma agressiva, com cercas elétrica e expedições de barcaças e pessoal naquela área.
A manutenção da integralidade do perímetro do PAE Santo Afonso e Ilha do Xingu, ainda tem um caminho de luta pela frente, para a cessação definitiva dos procedimentos que visem reduzir o tamanho do PAE e evitar os danos aos direitos culturais que essa expropriação representará sobre a área remanescente.

Paulo Sérgio Weyl A Costa
Doutor em Direito
Advogado, Sócio Fundador da WFK, Sociedade de Advogados
Presidente do WFK-DH, Instituto de Direitos Humanos

 

“O Meio Ambiente somos nós”: terras indígenas, leis predatórias e um novo Haximu

“Querem proteger os poderosos. Querem nos calar, nos retirar daqui a qualquer custo. Querem nos dobrar, mas não vergaremos. (…) Queimaram nosso galinheiro, soltaram animais para destruir nossas roças. Quiseram impedir a pesca com desculpa de que era para proteger os rios. Como se não fôssemos a gente que cuidasse das coisas. Como se não fôssemos parte de tudo isso. Estivesse tudo nas mãos de garimpeiro e fazendeiro, estaria destruído.” Trecho do livro “Torto Arado” de Itamar Vieira Junior, livro vencedor do prêmio Jabuti de 2020.

A obra conta a história de duas irmãs que vivem em uma fazenda no interior do Brasil, duas mulheres negras que tiveram as vidas marcadas pela questão da terra, que é uma questão ainda muito atual, principalmente entre a demarcação de terras indígenas e quilombolas. Esta obra ficcional tem um tom tão real que chega a ser utópica, mas não é. É real e atual. Auricélia Fonseca Arapium é líder indígena da região do Baixo-Tapajós e diretora do CITA (Conselho Indígena Tapajó-Arapium). Milita pelo movimento desde os 14 anos. Auricélia afirmou que esperava uma parenta (do povo Munduruku) que teve a casa queimada e a plantação arrasada.

“Depois daqui vou encontrar minha parenta de Munduruku. Queimaram tudo. Tudo. E ainda pegaram um boi que eles criavam e assaram para fazer churrasco para eles (os garimpeiros). Além de tirarem a nossa terra, eles nos humilham”, afirma Auricélia. O garimpo avançou mais de 30% em terras Yanomami e continua a avanças em regiões como o Alto e Baixo Tapajós e todas as regiões que tem (ou não) terras indígenas demarcadas. O conflito com os garimpeiros aumentou durante 2020. Os Munduruku estão em situação tão grave, que o Ministério Público Federal do Pará (MP-PA) pediu a Augusto Aras, procurador-geral da República, que seja feita uma solicitação ao Supremo Tribunal Federal (STF) para que haja uma atuação imediata da Polícia Federal em proteção do povo indígena.

“Não dá para contar com a FUNAI (Fundação Nacional do Índio). O próprio presidente da FUNAI não está interessado. Eles falam que a Polícia Federal está nos protegendo e não está! A invasão está ocorrendo dentro e fora das regiões demarcadas, é só destruição da nossa terra”, afirma Auricélia. Há ainda a questão de aliciamento de indígenas para que o garimpo seja legalizado, porém, não é isso o que as comunidades querem. “Olha, sinceramente, no começo dos anos 2000 a gente lutava pelo nosso reconhecimento, para manter a nossa cultura, agora, nós estamos em um momento que lutamos para manter a nossa terra, para viver”, continua Auricélia. Mais da metade dos indígenas vive fora das terras reivindicadas

A mão assassina do Estado

“Todos os nossos inimigos estão no poder”, é o que afirma a advogada, militante pelos Direitos Humanos, integra a Comissão Justiça e Paz da CNBB e é associada da Rede Lado. De acordo com Mary Cohen, o governo de Jair Bolsonaro (Sem Partido) “institucionalizou a violência”. Ricardo Salles, o ministro do Meio Ambiente, foi um dos nomes que fez com que o Brasil tivesse número recorde de desmatamento. De acordo com o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia, o desmatamento da Amazônia Legal é o maior em 10 anos. As queimadas também tiveram número recorde.

E não para por aí. Além da morte da biodiversidade, das florestas, da poluição dos rios e da devastação da terra (seja para o garimpo ou para a agropecuária), há as de invasão das terras indígenas, mesmo que isso custe a vida de pessoas. Mary Cohen ainda diz: “A luta dos povos indígenas não vai parar se o Bolsonaro sair, vai continuar, seja quem vier. Porém, agora esperamos que sobre alguma coisa dessa política da terra arrasada. Que sobre povos indígenas, terras e biodiversidade.” A advogada ainda afirma que antes, em governos populares, havia uma tolerância em deixar o povo viver, mesmo que de maneira precária, pois o Estado estava começando a alcançar essa população com políticas públicas, hoje, a mão do Estado é “uma mão assassina”.

“Já desafiaram e construíram Belo Monte em outros governos, por exemplo. Territórios que prometeram a demarcação não foram demarcados. Também tiveram a oportunidade de mudar a legislação, mas não fizeram. No fim do governo Dilma começaram novas ações de demarcação, mas ela foi impeachmada e precisa da homologação do presidente para ser efetivo. O Bolsonaro não vai homologar”, afirma Auricélia Arapium.

“Nós não vamos pagar nada, é tudo ‘free’ “

Além do Ministério do Meio Ambiente, há outras comissões que são lideradas por apoiadores do governo e também por apoiadores do agronegócio. É o caso da Comissão de Meio Ambiente, na qual passam todos os projetos ligados às leis ambientais. A presidente é Carla Zambelli (PSL-SP) e o vice é Coronel Chrisóstomo (PSL-RO). Zambelli afirmou que antes de integrar a comissão, não sabia o que era grilagem. Há também a Comissão de Agricultura e Pecuária, liderada por Aline Sleutjes (PSL-PR) e Comissão de Constituição e Justiça, liderada por Bia Kicis (PSL-RJ). São por essas três comissões que os projetos de preservação ambiental, uso da terra e agricultura são discutidos e aprovados. As três (Aline, Bia e Carla) foram indicadas por Bolsonaro e apelidadas de “Bolsonaro’s Angels” (fazendo alusão às ‘Panteras’).

Mas por quê trazer essas Comissões à tona? Justamente porque elas se complementam. Aline Sleujtes (PSL-PR) já afirmou que sua prioridade é o chamada Projeto de Lei da regularização fundiária, que pode ser interpretada como uma ‘regulamentação da grilagem’. A proposta prevê a anistia de invasores de terras públicas e pode estimular a prática, normalmente ligada ao desmatamento e destruição de terras indígenas. Alguns juristas já consideraram essa proposta inconstitucional, porém, a líder da Comissão de Constituição e Justiça é Bia Kicis (PSL-RJ), aliada de Sleutjes, Zambelli, Bolsonaro, Salles e cia ltda. A CCJ tem a função de avaliar a constitucionalidade dos projetos.

Em dados recentes do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o desmatamento cresceu 46% nos dois primeiros anos do atual governo, se comparado a 2017 e 2018. E em terras indígenas o número é ainda mais assustador: 150% a mais de desmatamento desde que Bolsonaro e Salles assumiram. Salles está sendo investigado por exportação ilegal de madeira. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moras, determinou a quebra de sigilo bancário e fiscal do mesmo e também o afastamento de Eduardo Bim do comando do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis).

O agronegócio cresceu 24,31% em 2020 e é a nossa grande comodity. Agropecuaristas de todo o Brasil têm safra recorde anualmente, seja na soja, no milho e também na exportação de carne. A maioria de nossa produção é exportada e a desculpa para que o agronegócio avance no desmatamento é de que a população “precisa comer”. De qual população eles estão falando? O Brasil sofre com 125 milhões de pessoas em insegurança alimentar.

É importante ressaltar que: os danos da exploração ambiental, da caça e extermínio dos povos indígenas são, muitas vezes, irreversíveis. Vide o caso de Belo Monte.

“A memória ancestral é isso aqui: os índios se lembram da onde vieram, sabem quem são. Os brasileiros não sabem quem são, e a maioria deles nem sabe da onde vieram.” – Antônio Krenak.

Felício Pontes Jr. é procurador da República e foi um dos principais agentes atuantes contra o que hoje é a hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu. Há quase 10  anos a geradora de energia foi iniciada e hoje, depois de ligada a última turbina, ainda não produz um terço do prometido

“É muito frustrante. Tentamos de todas as formas legítimas para conseguirmos que Belo Monte não fosse construída. Populações foram prejudicadas, biomas foram destruídos e sempre alertamos que a hidrelétrica não valia essa destruição”, afirma o procurador da República.

“Belo Monte foi construída em “suspensão de segurança”. Foram mais de 20 ações, com uma equipe imensa de especialistas, biólogos, ambientalistas, procuradores…Quando a gente entrava na Justiça, dessas 20 e tantas ações, nós tínhamos decisões favoráveis no mérito. Mas também diziam o seguinte (a Justiça): os índios não foram consultados, então vamos suspender. Depois o presidente do Tribunal dizia que não iria analisar este fato (indígenas) e que daria razão à União porque o país precisa de energia. E foi assim, nós não tínhamos mais o que fazer. São ações de caráter constitucional, estão chegando ao Supremo Tribunal Federal agora,”diz o procurador.

De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Altamira foi considerada em 2017 a cidade mais violenta do Brasil. Altamira é uma das cidades atingidas diretamente pela construção de Belo Monte. O estudo feito em conjunto com Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostrou que a cidade teve a maior taxa de homicídios e mortes violentas com causa indeterminada dentre todas as cidades brasileiras com mais de 100 mil habitantes. E isso está diretamente ligado a construção da hidrelétrica.

“Imagine: colocaram o dobro de pessoas dentro de uma cidade que não comportava isso para construir a hidrelétrica. A cidade não tinha estrutura. Virou um caos, colapsou”, diz o Felício Pontes Júnior. Mas o rastro de destruição que perpassa Belo Monte não parou por aí. Foram destruídos cerca de 35 mil hectares de floresta para que fosse feito o lago da hidrelétrica e agora o Xingu não tem a vazão imaginada na época da construção. Além disso, houve desmatamento para a construção de alojamentos e acampamentos para os trabalhadores que chegaram à usina.

No documentário EU + 1 de Eliane Brum, que fala sobre a vida dos ribeirinhos do Xingu durante a construção da hidrelétrica, um dos ribeirinhos, João da Silva, estava disposto a se sacrificar na ilha em que morava (ateando fogo) para chamar a atenção do mundo sobre o que estava acontecendo em Belo Monte. “Toda essa conjuntura causou um transtorno social na população, mas mais que isso, um transtorno psicológico muito grave”, afirma Felício Pontes Júnior.

Belo Monte foi construída com a promessa de ser a maior hidrelétrica 100% brasileira. E é. A última turbina foi ligada por Jair Bolsonaro (Sem Partido) em novembro de 2019 e, de acordo com a hidrelétrica, com toda a sua capacidade, pode gerar 10% de toda a energia nacional. Porém, Brasil vive uma crise hídrica e isso irá promover uma crise energética também. O país vive um período de seca alarmante, o Rio Xingu não tem tido chuvas proeminentes na cabeceira de suas águas e isso também está ocorrendo em outros rios que comportam hidrelétricas. De acordo com especialistas, é muito provável que a população brasileira passe por apagões, racionamento e aumento da conta de energia. Além do que, há um debate proeminente sobre a privatização da Eletrobrás.

Ainda em tempo: ‘Marco Temporal’ e PL 490

A tese do ‘Marco Temporal’ surgiu novamente. De acordo com a tese, as populações indígenas só teriam direito à terra se tivessem de posse da área ou em disputa judicial por causa do local em 5 de outubro de 1988, promulgação da Constituição Federal. O julgamento estaria previsto do dia 11 ao dia 18 de junho de 2021. Logo no primeiro dia (11), o ministro Alexandre de Moraes pediu destaque, o julgamento foi interrompido e não tem previsão para reabertura. Cabe ao presidente da Suprema Corte, Luiz Fux, reconduzir a pauta. 

O ‘Marco Temporal’ é defendido por ruralistas e interessados em áreas de comunidades tradicionais e a decisão poderá redefinir os rumos de vários conflitos por terras no Brasil. O objeto a ser avaliado é uma reintegração de posse pedido pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng (Terra indígena Ibirama-Laklãnõ), onde também vivem Guaranis e Kaingang. Essa decisão será um norte para que a Justiça avalie outros conflitos. Várias lideranças indígenas afirmam: “Nossa história não começa em 1988!”, inclusive a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil. 

Há também a discussão na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) sobre o PL 490 há anos e abra espaço para grileiros, garimpeiros, madeireiros e outros empreendimentos predatórios. Inviabilizará as demarcações das Terras Indígenas, que já estão totalmente paralisadas no governo Bolsonaro.

“Estamos vivendo uma crônica de um massacre anunciado. Um novo Haximu. Haximu é o único processo de genocídio da história do judiciário brasileiro. Garimpeiros mataram crianças, jovens, idosos, no início da ocupação madeireira nas terras Yanomamis em 1980 e 1990 e está acontecendo tudo de novo. É bem possível que o passado se repita”, diz Felício Pontes Júnior.

 

Mariana Ornelas – Rede Lado

O país do futebol, da CPI e da Covid

Na falta de pão, vamos de circo. Se não consegue resolver o caos econômico e sanitário no qual nos meteu até o pescoço, o governo Bolsonaro teve a brilhante ideia de apoiar a vinda da edição de 2021 da Copa América ao país, após a competição ser recusada por Colômbia e Argentina. A mudança de sede causou mal estar e revolta entre os jogadores que, ainda que se alinhem em sua maioria à ideologia do “capitão”, temem pela repercussão e cobranças dos fãs nas redes sociais em relação à realização do torneio em momento nada oportuno. Tite não confirma nem a participação no torneio. Além dos brasileiros, outros astros do futebol sul-americano já demonstraram descontentamento com a realização da competição.

Como nem toda polêmica parece ser suficiente para a atual gestão federal, outra situação controversa teve Bolsonaro e o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello como peças centrais. Após o general da ativa participar de ato político ao lado do chefe do Executivo, atitude vedada pela legislação militar, o comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira, decidiu pelo arquivamento do processo que visava a punição de Pazuello por subir em um trio elétrico e discursar em apoio a Bolsonaro após uma “motociata” ocorrida no Rio de Janeiro no último dia 23.

Muito além de uma questão de hierarquia, a atitude do Exército de colocar panos quentes sobre o assunto representa um perigo à democracia, avaliam especialistas. “Quando essa força de última instância deixa de ser uma força de Estado e passa a ser de governo, de governante, isso é muito grave para o país. Hoje, ele (Bolsonaro) provou que é o Exército”, avalia o ex-ministro da Defesa Celso Amorim.

Esse plano muito bem pensado de demonstração de força – em que Bolsonaro parece ter provado que realmente quem manda é ele, inclusive no Exército – é apenas mais um passo no sentido do desmantelamento das instituições, intenção demonstrada por atitudes tomadas pelo presidente desde o início de seu mandato. Após a intensa campanha para desmoralizar os ministros do Supremo, agora o alvo parecem ser as Forças Armadas. “Mais um movimento coerente com a conduta do Presidente da República e com seu projeto pessoal de poder”, disse o general e ex-ministro-chefe da Secretaria de Governo de Bolsonaro, Carlos Alberto Santos Cruz. O militar que se diz envergonhado pela absolvição de Pazuello.

Com a escalada na politização dentro dos quartéis, abre-se precedente para outras atitudes que afrontem a hierarquia e a obrigação do Exército em seguir a Constituição. “Se houver uma situação no Brasil similar ao que foi a invasão do Capitólio, você não tem a quem recorrer. É uma situação em que não apenas a integridade das Forças Armadas é ameaçada, mas a integridade das instituições democráticas. É muito grave”, ponderou Amorim.

CPI e vacinas

A semana que passou foi movimentada também dentro do Senado, onde os parlamentares seguem as sabatinas aos depoentes da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid. A bola da vez foi a comentadíssima participação da médica oncologista Nise Yamaguchi, mais conhecida por ser uma das conselheiras de Bolsonaro na gestão da pandemia. Defensora declarada do “tratamento precoce”, como uso da dupla cloroquina e hidroxicloroquina, Yamaguchi rendeu memes, constrangimentos variados e pérolas em uma situação que serviu mais para demonstrar o quilate dos “especialistas” ouvidos pelo presidente do que para a investigação a que se propõe a Comissão.

Se Yamaguchi não deu uma resposta assertiva quando perguntada a respeito de sua opinião sobre as vacinas contra Covid, ao menos o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, parece estar atrás de soluções com comprovação científica para abreviar o sofrimento da população que há quase um ano e três meses tem sua vida profundamente afetada com o “novo” mundo que a Covid nos trouxe. De acordo com o chefe da pasta, o governo federal conseguiu antecipar a entrega de 3 milhões de doses da vacina da Janssen para este mês. O acordo firmado com a farmacêutica prevê que, no total, 38 milhões de doses cheguem ao país nos próximos meses.

Além disso, uma decisão da Anvisa na última sexta-feira (4) autorizou a importação de doses das vacinas Covaxin e Sputnik em caráter excepcional e temporário, com limitação para o uso dos imunizantes a 1% da população de cada Estado que apresentou o pedido de importação, no caso da vacina russa, e 1% da população do país, no caso da indiana, entre outros pontos colocados como condicionantes para a autorização.

Você precisa saber

Governo é denunciado à Organização Mundial do Trabalho por violações trabalhistas

Durante a abertura virtual da 109ª Conferência da Organização Mundial do Trabalho (OIT), que discute as aplicações das normas da entidade no contexto do enfrentamento à pandemia da Covid-19, o secretário de Relações Internacionais da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Antonio Lisboa, usou seu discurso para denunciar uma série de violações que o governo de Jair Bolsonaro vem cometendo contra os direitos de trabalhadores e trabalhadoras do Brasil. Entre os pontos abordados por Lisboa estão as perseguições reiteradas a sindicalistas e a intensificação das violações às normas da OIT – como as convenções 98 e 154, que tratam do fomento às negociações coletivas e ao direito de sindicalização, respectivamente.

O representante da CUT relatou ainda a edição de Medidas Provisórias que permitiram os acordos e convenções coletivas entre empregados e trabalhadores, sem o aval de sindicatos, com reduções salariais, de jornada e suspensão de contratos de trabalho. A gestão federal frente à pandemia também foi motivo de críticas.

Panelaço e manifestações nas ruas criticam governo Bolsonaro

Cansados da omissão do governo federal frente à pandemia que já matou mais de 470 mil brasileiros, cidadãos de todo o país participaram dos diversos protestos que criticaram a gestão Bolsonaro e pediram o impeachment do presidente por meio de manifestações e panelaços registrados, respectivamente, no domingo (29) e na quarta-feira (2). Os atos do fim de semana passado foram os maiores registrados desde o início do atual governo. Em São Paulo, por exemplo, 80 mil manifestantes tomaram a Avenida Paulista para protestar.

Três dias depois, na quarta, quando Bolsonaro usava seu pronunciamento em rádios e TVs para se colocar a favor da imunização coletiva, mais barulho foi ouvido nas janelas de diversas cidades brasileiras onde ocorreram panelaços. Em resposta ao clamor das ruas, o presidente afirmou, em meio às batucadas, que “todos os brasileiros que assim o desejarem, serão vacinados”. No entanto, até o momento, apenas cerca de 11% da população (em torno de 23 milhões de pessoas) recebeu as duas doses que asseguram a imunização completa.

Análises

Ação de “Revisão da vida toda” é pautada para julgamento no STF

Por escritório LBS Advogados

Em novembro de 1999, por causa de uma mudança de regra do INSS, aposentados que começaram a trabalhar antes da nova regra tiveram as contribuições anteriores a junho de 1994 descartadas do cálculo do salário. Nesse processo, muitos aposentados saíram prejudicados, com diferenças negativas em seus benefícios. Acontece que há um princípio do Direito do Trabalho que diz que quando há duas leis diferentes, deve-se aplicar a que for mais benéfica para o trabalhador ou a trabalhadora. A ação de “Revisão da vida toda”, como ficou conhecido o processo, chegou no STF e será julgada até o dia 11 de junho. Continue lendo.

Antes de sair…

Eventos

  • Hoje, às 14h, o webinar “Exclusão digital: abordagens recentes” discute o tema à luz das situações de desigualdade escancaradas pela pandemia.
  • Amanhã, 9/6, às 19h, tem a terceira edição do “Acesso Pleno à Justiça”, debate focado no Centro-Oeste. Na quinta, dia 10/6, no mesmo horário, a conversa se volta à região Sudeste. A vez do Sul é na segunda que vem, 14/6.
  • Na segunda que vem, 14/6, às 19h, o tema “Alienação parental” é o foco de debate da série de encontros “Temas controvertidos na doutrina e jurisprudência”, promovida pela OAB.

Dicas culturais

  • Literatura: hoje, 8/6, às 19h, com uma live pelo Facebook, o escritor Márcio Grings lança “Quando o Som Bate no Peito”, uma coletânea de resenhas sobre apresentações que presenciou nos últimos 23 anos, com 34 relatos cobrindo performances internacionais de nomes como Bob Dylan, Paul McCartney, Rolling Stones, entre outros.
  • Podcast: com episódios mensais, o podcast Geração 7×1 trata sobre futebol, mas dá atenção particular à conexão entre o esporte e pautas sociais, como violência, racismo, machismo e homofobia.
  • Lives: sexta, 11/6, tem Simone e Simaria, e domingo é dia de Orquestra Sinfônica Heliópolis. Veja a agenda da semana.

Pesquisadora da UFPR cria sistema para cegos identificarem cores de forma simples

Para quem enxerga, pode não ser um problema, mas já pensou combinar roupas ou escolher quais peças lavar juntas sem saber de quais cores elas são? Essa dificuldade é enfrentada pelas pessoas cegas, mas pode estar com os dias contados. Isso porque a pesquisadora Sandra Marchi, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), criou um sistema tátil em braille, linguagem em relevo utilizada por muitos cegos para se comunicarem por escrito, para identificar as tonalidades.

A solução simples não utiliza os nomes completos, mas símbolos menores para representar cada cor, e pode ser aplicada em peças com o uso de adesivos em relevo. Isso ajudaria, por exemplo, na hora de comprar um produto em uma loja, pois não seria necessário o auxílio de ninguém para que o cego ou cega soubesse de qual cor é aquele objeto.

“Essa autonomia melhora a autoestima e traz qualidade de vida a toda essa população”, afirma Marchi. A engenheira civil Êmeli Menegusso Fernandes concorda com a pesquisadora. Cega há 30 anos devido a complicações causadas pelo lúpus, ela utiliza a solução encontrada por Marchi para escolher suas roupas e até se maquiar sozinha. “Essa autonomia não tem preço. A pior coisa que eu vejo na deficiência que eu encarei é a dependência dos outros, isso é terrível”, comemorou.

 

Produzido em parceria com o Grupo Matinal Jornalismo

Justiça Digital: trabalhadores, casa, saúde e culpa

Justiça Digital: trabalhadores, casa, saúde e culpa

Dormir e acordar no mesmo lugar que se trabalha tem sido uma nova (nem tão nova) realidade, pelo menos desde meados de 2020 por conta do Covid-19. De acordo com uma pesquisa feita pelo Instituto de Administração, o home office foi adotado por cerca de 46% das empresas durante a pandemia e os escritórios de advocacia estão dentro destes dados.

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