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Os fins da Justiça do Trabalho

Em maio deste ano, a Justiça do Trabalho comemorou 80 anos de sua instalação no país. Criada por decreto, dois anos antes, no auge da ditadura estadonovista, a instauração efetiva somente veio a acontecer em maio de 1941.  

Essa senhora tem muito a contar.  

Surgiu em um período em que o Estado e a Igreja Católica buscavam promover a conciliação entre as classes sociais, negando e reprimindo os conflitos nas relações sociais de produção, onde representantes do capital e do trabalho deveriam conviver de modo harmônico abdicando de seus interesses classistas em benefício dos nacionais, constantemente identificados com um dos lados dessa correlação de forças. Desnecessário enunciar qual deles. 

Considerada a importância atribuída a essa pacificação social, em especial, em um contexto político externo com a Segunda Guerra Mundial e com a presença marcante do fantasma do Comunismo no Brasil –  aliás, algo que jamais passou de uma ameaça imaginária, porém útil para a formulação do discurso mítico, com a apresentação de um inimigo poderoso a ser combatido –, a opção consistiu em vincular-se a instituição recém surgida ao Poder Executivo Federal, possibilitando-se assim um controle mais efetivo sobre ela. Não havia, portanto, razão a cogitar-se independência ou autonomia. Com a Constituição de 1946, o Poder Judiciário a incorporou. 

Esse fato não se mostra suficiente a retirar a importância da Justiça do Trabalho para os/as trabalhadores/as, eis que a demanda por mecanismos para tornar exigíveis as normas recém criadas para regular as relações de trabalho era constante nos movimentos insurgentes, organizados em sindicatos oficiais ou ainda nas antigas entidades sindicais paralelas à estrutura estatal. Portanto, por mais que interessasse (e muito) ao Estado, a nova instituição também representava o atendimento de uma reivindicação da classe trabalhadora.   

Nas suas oito décadas de existência, a Justiça do Trabalho atravessou, com alguns sobressaltos, momentos político-jurídicos marcantes na história do país, como o golpe civil-militar de 1964 e, por consequência, a Constituição autoritária de 1967 e a, mais autoritária ainda, Emenda de 1969. Ganhou arranjos democráticos com o fim da ditadura e a promulgação da Constituição de 1988 e viu-se mais poderosa com a ampliação de sua competência material pela Emenda Constitucional 45, de 2004.  

Ainda altiva e vigorosa, em julho de 2017, a Justiça do Trabalho observou um atentado contra a sua existência, com a publicação da Lei 13.467, que alterou mais de duas centenas de dispositivos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Tais modificações implicavam profunda transformação no Direito Material e Processual do Trabalho, assim como no direito sindical. Mas, merece maior destaque, uma das razões das mudanças, uma das fontes materiais da nova legislação: a difusão da ideia de que aquela senhora estava ultrapassada e, por atrapalhar o desenvolvimento econômico, deveria sair de cena, o mais rápido possível.  

Tal qual um de seus milhões de reclamantes – trabalhadores/as que depois de uma vida dedicada ao trabalho, à empresa, são dispensados/as como maquinário obsoleto, como peça em desuso, cuja inutilidade é certificada pelos novos tempos e por gerações de trabalhadores/as mais jovens, ágeis e baratos/as –, a Justiça do Trabalho foi escanteada, colocada em segundo plano de importância para, finalmente, quem sabe, depois de uma rápida transição, ser extinta.  

Logo ela, que prestou tão valorosos serviços ao Estado? Estruturada para funcionar como mediadora institucional nos conflitos entre capital e trabalho, missão cumprida com afinco e eficiência por 80 anos, ao contribuir com a estabilidade social e propugnar a conciliação nas relações sociais de produção como mote de existência, passava a ser desprezada pelos representantes políticos do capital que lhe rotulavam como trava ao crescimento econômico. 

Ela, que tão bem atendeu aos propósitos para os quais foi instituída, passara a ser segregada, tratada como indesejada, como ultrapassada. Ela e os ramos do Direito que lhe serviam de instrumental não são mais desejáveis. O enredo neoliberal aponta para outra direção, para a desregulamentação das relações de trabalho, para o enfraquecimento dos sindicatos de trabalhadores/as, afinal, a ideologia da classe dominante espraia-se para as demais e torna hegemônica a forma de existir, da qual resulta a crença de que suprimir direitos gera crescimento econômico.  

Neste cenário, os representantes do grande capital no parlamento e no Poder Executivo parecem acreditar no fim da função pacificadora da Justiça do Trabalho. Decerto, também creem na incapacidade da classe trabalhadora organizada de lhes importunar, de criar-lhes sobressaltos nas relações sociais de produção e mecanismos de atenuação da mais-valia.  

A representação do grande capital age no sentido de retirar as concessões realizadas no passado em forma de legislação trabalhista e social, pois, a atual etapa do capitalismo mostra-se vitoriosa e prescinde de freios ou de amortecedores sociais. De forma ávida e célere, ela vaticina não haver espaço para um Direito do Trabalho tutelar dos/as trabalhadores/as.  

Tampouco se constata razão de existir a um órgão especializado no Poder Judiciário que tem por função dirimir os conflitos entre capital e trabalho, mesmo que isso na prática venha a representar na maior parte do tempo aplicar a legislação protetiva em dissídios individuais e constranger a atuação sindical no âmbito coletivo.  

A miopia do empresariado brasileiro impede-o de vislumbrar a importância da Justiça do Trabalho para a estabilidade do capitalismo nacional. Este empresariado, culturalmente transgressor de direitos, aparenta encontrar-se ressentido com decisões judiciais em dissídios individuais, mas não reconhece, de outro lado, o papel desempenhado por essa estrutura do Poder Judiciário nas relações coletivas de trabalho. A dificuldade de enxergar a ambiguidade do papel cumprido pela magistratura trabalhista explica a sanha patronal em pretender esvaziar o poder dela, algo saliente em parte das modificações introduzidas pela Lei 13.467. de 2017.   

Ao alcançar os 80 anos, essa senhora, já idosa, fragilizada por um ambiente externo hostil, vem convivendo com perigos intestinos. De maneira paradoxal, uma parte da magistratura do trabalho parece conspirar para o processo que pode levar a sua própria extinção. Nem se faz referência, aqui, embora pertinente, às inúmeras decisões declinando competência material de conflitos que resultam da relação de trabalho. Abdicar desta competência é abdicar de poder. Aliás, alinhadas com recentes julgados no Supremo Tribunal Federal que retiram da Justiça do Trabalho a capacidade de apreciar litígios decorrentes da relação de trabalho em clara contraposição ao estabelecido na Constituição Federal.  

De fato, refere-se às inúmeras decisões judiciais, nos mais diversos cantos do país, conferindo validade jurídica ao atentando contra o direito de acesso à justiça de trabalhadores/as, introduzido pela Reforma Trabalhista.  

Os critérios legais, definidos na CLT reformada, para concessão de assistência judiciária gratuita e a regra de pagamento de honorários de sucumbência tornaram a Justiça do Trabalho, potencialmente, mais cara aos pobres do que qualquer outro ramo do Poder Judiciário. De modo corriqueiro, circulam, inclusive por veículos de comunicação da imprensa tradicional, decisões de primeira e segunda instâncias condenando a parte autora, na maior parte das vezes algum/a miserável ou recém promovido/a à pobreza, ao pagamento de dezenas de milhares de reais de honorários de sucumbência e de custas judiciais.  

Essa parcela da magistratura mostra-se comprometida com os ideais dos reformadores da CLT que buscaram cercear o acesso da classe trabalhadora à Justiça do Trabalho. Também não surpreende tratar-se do mesmo segmento que vem interpretando as modificações legislativas, em Direito Sindical, de forma prejudicial aos sindicatos profissionais, o que contribui para a maior fragilização dessas entidades de defesa de trabalhadores/as. 

Também se mostra preocupante o uso da magistratura do trabalho como mera homologadora de acordos extrajudiciais, mais uma das novidades trazidas pela Lei 13.467, de 2017. Sem sequer existir um litígio, sem a instauração da lide, empregador e ex-empregado/a podem celebrar um acordo extrajudicial e obter a chancela judicial a fim de conferir eficácia liberatória geral, isto é, o poder de quitar extinto contrato de trabalho, sem que a parte autora possa mais reclamar qualquer outro direito. É a transformação da Justiça do Trabalho em um cartório.  

A seguir esse rumo, com um movimento sindical enfraquecido e sem conseguir apresentar-se como ameaça concreta ao capital, e com os/as trabalhadores sem acesso à Justiça do Trabalho, passará a fazer cada vez menos sentido preservar-se um ramo especializado do Poder Judiciário para dirimir os conflitos entre capital e trabalho.   

A representação política do grande capital e os ideólogos neoliberais não tardarão a defender a extinção da Justiça do Trabalho e a propor outras modalidades de solução de conflitos nas relações sociais de produção. Cartórios e instituições privadas de mediação e arbitragem estão à espreita da modificação legislativa que lhes franqueie o acesso a atuar nos conflitos individuais e coletivos de trabalho.  

A Justiça do Trabalho, a senhora octogenária, encontra-se bem debilitada. Um capitalismo triunfante e hegemônico pretende imputar um ponto final a sua história. No entanto, mais ameaçador é o perigo interno, que vem de parte de seus próprios organismos. Uma importante fração da magistratura trabalhista, dotada de racionalidade neoliberal, conspira com suas decisões para a autodestruição.  

Sem pretender ser exaustivo, os remédios, todavia, parecem amargos ou fora de alcance. Uma das possíveis alternativas, para se desviar a rota desse temível destino, seria a classe trabalhadora organizada, empobrecida e com o futuro comprometido pelas reformas neoliberais, retomar os movimentos do início do século passado que induziram o Estado a legislar em matéria de Direito do Trabalho. Tal perspectiva, atualmente, soa tão surreal como se extraída de uma das obras de Garcia Márquez. 

O outro caminho reside na disputa interna. A magistratura do trabalho não pode ser tomada como um bloco monolítico, constituída por pessoas que detenham uma forma homogênea de pensar ou de existir. Bem ao contrário disso. Sempre existiu e continuará a existir correlação de forças, gerando forte embate entre diferentes correntes entre magistrados/as. 

A síntese resultante da relação dialética constituída a partir do confronto interno na magistratura do trabalho aponta, atualmente, para o predomínio de decisões que aplicam de modo acrítico (ou suicida) a reforma de cunho neoliberal.  

Deve-se observar que os/as elaboradores/as da antítese se veem ainda constrangidos nos seus atos decisórios pelos contemporâneos instrumentos legais que permitem aos tribunais superiores imporem às demais instâncias sua jurisprudência consolidada. Reclamações correicionais, reclamações constitucionais, mandados de segurança, entre outros, são adotados como forma de impedir a construção de jurisprudências minoritárias e de modo a garantir que as modificações jurisprudenciais sejam movimentos originados nas altas cortes, o que torna a resistência muito mais complexa e difícil. Sem contar a utilização de ações de controle concentrado de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, onde os direitos sociais vêm sendo flexibilizados negativamente, tão bem exemplificadas na ADPF 324, cujo julgamento escancarou as portas para a terceirização de mão de obra irrestrita, desconstruindo algumas décadas de jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho em sentido contrário.  

Os conflitos entre capital e trabalho continuarão a existir e a suscitar, sob o modo de produção capitalista, uma solução institucional. Há mais de 80 anos, a Justiça do Trabalho vem atuando para oferecer a resposta do Estado com a finalidade de promover o apaziguamento nas relações sociais de produção, equacionando o conflito ao lhe conferir uma decisão. Certa ou errada, restará a compreensão das partes de existência de uma válvula de escape para pôr fim ao conflito. Sem a Justiça do Trabalho, o Estado haverá de construir alternativas para a substituí-la. A considerar o rumo dos acontecimentos, não parece leviano afirmar que, muito provavelmente, alternativas piores. 

A defesa da Justiça do Trabalho compete, sim, à classe trabalhadora, à advocacia trabalhista, mas, principalmente, à magistratura do trabalho que precisa recuperar os fins para os quais ela foi criada, com a ideia de servir como anteparo institucional nas relações de trabalho ao aplicar o tutelar Direito do Trabalho. Quem sabe, assim, retomando as suas origens sociais se tornará possível, em um futuro não muito distante, promover-se alterações que venham a transformá-la em uma Justiça Social. 

 

*Nasser Ahmad Allan, mestre e doutor em Direito pela UFPR, advogado trabalhista e sindical em Curitiba, sócio de Gonçalves, Auache, Salvador, Allan e Mendonça Advocacia, integrante da Rede Lado.

Coautores:

*Eduardo Surian Matias, formado em Direito pela PUC Campinas (1986). Advogado trabalhista e sindical, sócio da LBS Advogados, integrante da Rede Lado.

*Antônio Vicente Martins, formado em Direito pela UFRGS (1985). Advogado trabalhista e sindical em Porto Alegre, sócio de AVM Advogados, integrante da Rede Lado. 

 

 

Da advocacia ao futebol: a vida de Antônio Carlos Maineri

“No meio da Universidade eu fui contatado para deixar o curso e me transferir para um clube de futebol no Paraná, o Paranavaí. Ofereciam um salário mínimo, moradia e pagavam um curso na faculdade da cidade, porém, eu estava na Federal em Porto Alegre (UFRGS). Felizmente eu tive bom senso e não aceitei a proposta. Minha formatura em Direito foi em 1973.”  Antônio Carlos Maineri percorreu vários caminhos antes de ser advogado trabalhista.  

Fez estágio em um grande escritório de Porto Alegre onde trabalhou com advogados e professores da UFRGS e PUC-RS, lá, conheceu uma outra integrante da Rede Lado, Gisa Nara Machado. Depois de formado, fez um curso em Haia, na Holanda, sobre Direito internacional Privado. “Na volta deste curso, fiz um concurso para advogar no Instituto Nacional de Pesos e Medidas, hoje o INMETRO, que antes era INPM. Fui aprovado e assumi. Eu gostava muito do que fazia. Foi lá que nasceu em mim a defesa do consumidor e a defesa dos Direitos Coletivos. Fui advogado no INPM por 12 anos, deixei o cargo com alguma dor, mas decidi me dedicar a advocacia,” Maineri. 

Lembra de uma importante fase na área jurídica, fora da advocacia do trabalho, que fez parte da história de Maineri: trabalhar no Grêmio. Foi Diretor do Jurídico do time em 1976 e depois  vice jurídico em 1991, saiu, voltou no mesmo ano como vice-presidente de futebol, até ser Diretor de Futebol em 1999. Hoje, é conselheiro jubilado do time. Na advocacia trabalhista, rumou para a área bancária, principalmente nas causas de complementação de aposentadoria. “Ali meus antigos sócios observaram meu trabalho. Então ingressei no escritório com o Tarso Genro, Rogério Coelho e Milton Camargo. Depois, mudamos para o atual nome, Camargo, Catita, Maineri, com novos sócios, com a chegada do João Catita. Hoje o escritório conta com outros sócios também.” O escritório CCM tem mais de 35 anos de experiência em advocacia trabalhista. 

Também lecionou durante 18 anos na Pontifícia Universidade Católia do Rio Grande do Sul como professor de Direito, além de ter sido banca em concursos de Juiz do Trabalho por três vezes. Conta que já dormiu com provas antes do concurso, pois não havia outro tipo de opção para proteger o teste seletivo. Em 2005, ganhou o prêmio “Mestre Jurídico” da OAB-RS, como bom advogado e bom professor. Em 2018, Maineri se aposentou da advocacia, mas não se desvinculou do escritório. “Sempre tive uma advocacia técnica e artesanal, muito dedicado ao cliente. Gostava muito das causas que envolviam complementação de aposentadoria, causas sindicais, relação de emprego e me preocupava com algo, isso tanto no escritório quando na docência, que é o que chamo de inquietação jurídica. Essa curiosidade pelo Direito, a pesquisa, a preocupação no desenvolvimento no ramo trabalhista.” 

Momento marcante 

Reitera o acompanhamento sempre contundente nas greves dos bancários. Lembra de um momento que foi escalado para fazer uma sustentação oral em um processo do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre contra o banco Bradesco e o processo já estava em execução. “Fui para o julgamento, lá estavam os advogados do Bradesco e o Juiz Relator tomou a palavra e disse: ‘Dr. Maineri, o colega que iria representar o banco pediu adiamento pois está representando o Brasil na Organização Internacional do Trabalho, na Suíça, e estou postulando a sua concordância ou não.’ O advogado em questão era Mozart Victor Russomano, que tinha sido presidente do Tribunal Superior do Trabalho e estava advogando para o Bradesco. Aceitei o adiamento e esperei a nova sessão. Chegou o dia que ele estava presente e reiterei que gostaria que  ficasse marcado no meu currículo que sustentei na tribuna com o Dr. Russomano.” 

Fora a parte da advocacia trabalhista, Maineri conta um momento emblemático enquanto estava no jurídico do Grêmio. Eram as finais entre Grêmio e São Paulo e quem ganhasse seria o campeão brasileiro, o jogador Vilson Tadei levou uma suspensão de dois jogos e não poderia jogar as finais. “O treinador do Grêmio me chamou e disse: eu preciso desse jogador em campo, senão, não iremos ganhar. Fui para o Rio de Janeiro tentar desconstituir a punição e não consegui. Comecei a entrar com recurso, agravo, efeito, até que eu fiz um recurso pedindo efeito suspensivo desta pena de dois jogos. Fui à sede do Conselho Nacional de Esportes no Rio, passei por todas as instâncias da Justiça Esportiva, e às 16h da tarde do dia do jogo eu estava pedindo efeito suspensivo. Consegui às 17h e o jogo era às 21h, em Porto Alegre. Fiquei no Rio enquanto um colega levava a liminar que suspendia a punição. O jogador jogou o primeiro jogo, mas fiquei no Rio para garantir que o São Paulo não cassasse a decisão. Perdi os dois jogos ao vivo, mas o Grêmio foi campeão.” 

 

Lado e Lado 

“Minha madrinha foi Cristina Kaway Stamato e meu padrinho foi Antônio Vicente Martins. Mesmo aposentado, acompanho a Lado por considerar um movimento importante para além das relações de amizade, é um fortalecimento de pessoas que acreditam na criação coletiva.” Antônio Carlos Maineri.  

Fazendas de cliques: a plataformização do trabalho remoto

A uberização do trabalho já ultrapassou a bolha dos aplicativos de entrega e de locomoção. O número de pessoas trabalhando remotamente também aumentou, de acordo com relatório de 2021 da Organização Internacional do Trabalho. Há, agora, as plataformas conhecidas como “plataformas de microtrabalhos”, “trabalho fantasma” ou “trabalho de clique”.  

Em pesquisa liderada pelo professor Rafael Grohman na Universidade do Vale do Rio dos Sinos junto a Universidade de Cambridge, mostrou-se que, por meio de plataformas de fazendas de cliques, políticos, empresas, influenciadores e outros profissinais podem comprar seguidores e curtidas em redes sociais como YouTube, Instagram e TikTok. Com cerca de 170 reais é possível comprar 2000 seguidores, mas esses seguidores prometem ser “reais” e isso não é feito com impusionamento automatizado, mas sim, com uma multidão de trabalhadores ganhando menos de um centavo por tarefa.  

De acordo com o estudo, essas plataformas de cliques podem ser algo parecido como um “parasita” de redes sociais, pois dependem delas para conseguir o que é o grande trunfo de qualquer empresa e pessoa que quer se fundamentar na internet: engajamento. Para isso, os trabalhadores têm de se manter em diversas contas, muitas delas são falsas. Há debates sobre o assunto no que tange a busca por melhores condições de trabalho a quem opera nestas plataformas, políticas públicas de regulamentação, debates sobre e circulação de informações falsas. 

O debate sobre o assunto já ultrapassa a esfera acadêmica e traz discussões de como lidar com a nova realidade laboral em vista dos tempos atuais. Greves destes trabalhadores já foram feitas junto de articulações com youtubers que falam sobre “ganhar renda extra”. O estudo mostra que, os “bots”, muitas vezes, são humanos.  

Mariana Ornelas – Rede Lado  

Gisa Nara Machado da Silva: 48 anos de advocacia trabalhista

Advogada há 48 anos, Gisa Nara Maciel Machado da Silva já viveu e vive mudanças marcantes no Direito do Trabalho. Formada em 1973 pela PUC – Rio Grande do Sul, a advogada atuou em Porto Alegre nos primeiros anos de advocacia e em 1984 se mudou para o Rio de Janeiro, onde chefiou o departamento jurídico do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro por 10 anos. “Eu sempre gostei de Direito do Trabalho, desde quando comecei a estudá-lo na graduação. Até pelo meu posicionamento político,” afirma Gisa Nara.

Foi monitora de Direito do Trabalho na graduação e depois foi convidada a estagiar no escritório de Ermes Pedrassani, professor e que depois se tornou ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Após o estágio, Gisa Nara se formou e foi trabalhar em outro escritório do Direito do Trabalho até passar no concurso da Rede Ferroviária e decidir abrir um escritório de advocacia do trabalho com uma antiga colega de estágio, Lidia Woida, da qual foi sócia durante todo o período em Porto Alegre. Foram sócias por quase 10 anos.

Em 1984, foi chamada para trabalhar no Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro. Ficou como advogada do Sindibancários do Rio até 1997 e entre o fim dos anos 80 e começo dos anos 90 abriu o escritório com Sayonara Grillo Coutinho e Luiz Claudio Branco, além de ter sido assessora jurídica da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Foi uma das primeiras assessoras da CUT e fazia, fundamentalmente, eleição sindical. “Trabalhei na CUT numa época muito importante da organização dos trabalhadores, com o afastamento de direções sindicais pelegas e formação política de trabalhadores, dentro dos sindicatos e da Central Única,” conta.

A advogada afirma que, desde o primeiro escritório, sempre gostou e efetivar estagiários e diz orgulhosamente que a maioria dos advogados que trabalham com ela são mulheres. Gisa Nara tem um histórico relevante na luta feminista dentro dos movimentos e também na advocacia trabalhista. “No meu escritório, praticamente todo o mundo foi estagiário. A maioria que trabalha comigo são mulheres e acho que a questão de gênero na advocacia avançou um pouco, muito pouco. A Ordem dos Advogados, por exemplo, teve a paridade de gênero e a racial como premissa há pouco tempo,” reitera

Já em 2010, Ana Luiza Palmisciano se tornou sócia do escritório Machado Silva e adicionou-se o nome Palmisciano. Sayonara, nomeada Desembargadora do TRT/1ª Região saiu da sociedade com Gisa Nara e Ana Luiza. Hoje o escritório conta com mais de 20 pessoas na equipe. Gisa Nara também foi sócia de Cristina Kaway Stamato, do escritório SS&R, associado Rede Lado.

Momento marcante

“Acho que o mais interessante da minha trajetória é que vivenciei distintas formas de atuação da advocacia trabalhista. Eu tenho o privilégio de ter vivido muitas mudanças desde quando comecei a advogar. Comecei a advogar em plena ditadura. Nossa postura, naquela época, era muito mais de militância e resistência junto com os trabalhadores e sindicalistas daquela época,” afirma a advogada.

Conta que na época do Regime Militar, quem organizava o primeiro de maio era a associação dos advogados (em Porto Alegre), pois os trabalhadores, por mais que quisessem, não podiam organizar (repressão do governo). Gisa Nara conta do trabalho árduo de militância contra a Ditadura junto dos trabalhadores. “Fazíamos tudo (advogados) nas organizações de greve. Panfletávamos, organizávamos, comprávamos alimentação, cestas básicas…Depois que vim para o Rio de Janeiro, quando os sindicatos já tinham direções formadas e categorias organizadas, questionamos este tipo de atuação e passamos a ter uma advocacia fundamentalmente de assessoria jurídica mesmo, às direções e ao movimento”

“Nós estamos em outra fase do Direito do Trabalho com a Reforma Trabalhista. Essa reforma veio para liquidar os direitos e os processos. Restringiu a negociação coletiva, os sindicatos foram enfraquecidos, o acesso ao judiciário dificultado. Os sindicatos hoje sofrem com uma reduzida representação nas categorias, o que determina enfraquecimento na luta contra os retrocessos, havendo um recrudescimento e liquidação de direitos. Mas também se observa uma inclusão nas pautas das questões ligadas a gênero e raça.”

Gisa Nara reitera a importância das novas gerações na renovação dos espaços e ações políticas.

Lado e Lado

A ligação com a Rede Lado começou em um vínculo de amizade. Gisa Nara foi assessora da CUT Nacional junto de vários associados, como José Eymard Loguercio (LBS Advogados) e Vicente Martins (AVM Advgados), além de ter sido sócia de Cristina Kaway Stamato (SS&R Advogados).

“Temos de estar conectados não só na prática profissional, mas também como seres humanos, pois temos o mesmo projeto de vida, de nação, de humanidade. Acho de extrema importância que na Lado estamos juntos construindo isso. Temos debates importantíssimos e nos fortalecemos desta maneira,” finaliza.