Direito do Trabalho | Rede Lado

Fazendas de cliques: a plataformização do trabalho remoto

A uberização do trabalho já ultrapassou a bolha dos aplicativos de entrega e de locomoção. O número de pessoas trabalhando remotamente também aumentou, de acordo com relatório de 2021 da Organização Internacional do Trabalho. Há, agora, as plataformas conhecidas como “plataformas de microtrabalhos”, “trabalho fantasma” ou “trabalho de clique”.  

Em pesquisa liderada pelo professor Rafael Grohman na Universidade do Vale do Rio dos Sinos junto a Universidade de Cambridge, mostrou-se que, por meio de plataformas de fazendas de cliques, políticos, empresas, influenciadores e outros profissinais podem comprar seguidores e curtidas em redes sociais como YouTube, Instagram e TikTok. Com cerca de 170 reais é possível comprar 2000 seguidores, mas esses seguidores prometem ser “reais” e isso não é feito com impusionamento automatizado, mas sim, com uma multidão de trabalhadores ganhando menos de um centavo por tarefa.  

De acordo com o estudo, essas plataformas de cliques podem ser algo parecido como um “parasita” de redes sociais, pois dependem delas para conseguir o que é o grande trunfo de qualquer empresa e pessoa que quer se fundamentar na internet: engajamento. Para isso, os trabalhadores têm de se manter em diversas contas, muitas delas são falsas. Há debates sobre o assunto no que tange a busca por melhores condições de trabalho a quem opera nestas plataformas, políticas públicas de regulamentação, debates sobre e circulação de informações falsas. 

O debate sobre o assunto já ultrapassa a esfera acadêmica e traz discussões de como lidar com a nova realidade laboral em vista dos tempos atuais. Greves destes trabalhadores já foram feitas junto de articulações com youtubers que falam sobre “ganhar renda extra”. O estudo mostra que, os “bots”, muitas vezes, são humanos.  

Mariana Ornelas – Rede Lado  

Capacitismo: o que é e como curar

Sabia que você pode sofrer desse mal? Em alguma medida, todos sofremos, mas o alento é que tem cura e se chama conhecimento. Vamos entender juntos?

O capacitismo é o preconceito dirigido às pessoas com deficiência, a partir da premissa de que não somos capazes de estudar, trabalhar, competir, ter vida sexual nem realizar as tarefas do dia a dia, justificando atitudes discriminatórias. Ele começa nos termos usados para nos definir, ao longo da história: aleijados, inválidos, loucos, excepcionais ou simplesmente deficientes, palavras que refletem o olhar depreciativo.

Além dessas, algumas palavras e expressões que usamos são capacitistas e nem percebemos que podem ser muito ofensivas: louco; maluco; retardado; imbecil; capenga; deformado; autista, “cego de raiva.”, “dar uma de João sem braço.”, “não temos braço para realizar essa tarefa”, “desculpa de aleijado é muleta.” e tantas outras que reforçam o segregacionismo.

O Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei Nº 13.146, de 6 de julho de 2015, é a norma brasileira que se destina a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania. Nele, está a definição de Pessoa com Deficiência:  quem tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

Já as barreiras são definidas como: qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que limite ou impeça a participação social da pessoa, bem como o gozo, a fruição e o exercício de seus direitos à acessibilidade, à liberdade de movimento e de expressão, à comunicação, ao acesso à informação, à compreensão, à circulação com segurança, entre outros.

A Lei considera discriminação em razão da deficiência toda forma de distinção, restrição ou exclusão, por ação ou omissão, que tenha o propósito ou o efeito de prejudicar, impedir ou anular o reconhecimento ou o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais de pessoa com deficiência, incluindo a recusa de adaptações razoáveis e de fornecimento de tecnologias assistivas. Destaca ainda que é dever de todos comunicar à autoridade competente qualquer forma de ameaça ou de violação aos direitos da pessoa com deficiência.

A mentalidade da “incapacidade” foi responsável por nos trancafiarmos em quartos escuros, distantes do convívio social, criados como a vergonha que as famílias devessem esconder. Na natureza, alguns se livram das crias diferentes, como um reflexo para assegurar a sobrevivência da espécie na batalha da evolução. Humanos pensam e podem modificar o ambiente de modo a auxiliar a evolução da sua espécie com a inclusão da diversidade. Humanos são capazes de promoverem uma sociedade plural e que assegure o florescimento de todos os seus membros. Mas, quantos de nós não continuamos medindo os outros a partir dos resquícios da animalidade instintiva ou de argumentos que nunca paramos para questionar se tinham fundamento?

Estamos saindo dos porões. Com a criação de políticas públicas e eliminação de barreiras, podemos sair também dos sinais, das ruas, dos programas de caridade, dos benefícios assistenciais e adquirirmos a cidadania plena, como atores sociais aptos a construirmos um país mais humano. Uma longa e proveitosa jornada da qual não vamos recuar.

No universo do trabalho, há bastante trabalho a ser feito. A Lei 8.213/91 prevê as cotas nas empresas, em seu artigo 93, mas somente o faz naquelas que possuam a partir de 100 empregados, o que dificulta ainda mais a contratação numa realidade de queda abrupta dos postos formais de trabalho, com o avanço da automação. Essa garantia acaba servindo de desculpa para a ausência dessa população em lugares sem indústrias ou grandes corporações. Por uma via inversa, acaba por fortalecer o capacitismo.

Estudo divulgado no site Jornalista Inclusivo mostra um dado preocupante no universo do trabalho: 7 em cada 10 brasileiros com deficiência acreditam que empresas têm preconceito na contratação. Nem todo mundo tem disposição para o enfrentamento de preconceitos, especialmente quando falta representatividade para a luta coletiva ou quando essa representatividade é assistencialista ou “para cumprir cota”. Quantas pessoas não deixam de lutar pela empregabilidade pelas barreiras de locomoção, acesso ao local de trabalho, banheiros adaptados, locais adequados pra refeições nas proximidades? Vivemos cheios de ausências.

A consequência se reflete na presença de pessoas com deficiência nos postos de trabalho formais: dados recentes da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), divulgados pelo Ministério da Economia, confirmam a ocupação de apenas 1% das vagas dos 46 milhões de vínculos no país. Este dado, confrontado com o censo de 2010, de que somos cerca de 6,7% da população, leva à pergunta: onde estão essas pessoas? Recebendo benefício assistencial do INSS? Quais as políticas públicas para reverter essa realidade?

Mentalidades não mudam por milagre. É importante o trabalho das leis, e da educação, mas é essencial o da visibilidade. Não adianta as empresas cumprirem as cotas nos piores postos ou nas salinhas mais afastadas. É preciso que essas pessoas apareçam, sejam mostradas na mídia em situações cotidianas de trabalho, estudo, participação social e não como atração de programa para derramar lágrimas ou incentivar piedade. O foco precisa sair das limitações e do discurso de superação para a naturalidade de uma vida com a eliminação das barreiras.

Não precisamos de novelas que nos façam voltar a enxergar no último capítulo, ou a levantar da cadeira de rodas, ou da cirurgia milagrosa. Precisamos de um novo olhar, humano e inclusivo, de políticas efetivas de eliminação de barreiras, da presença naturalizada em todos os espaços sociais. Precisamos que se afaste o capacitismo do nosso caminho, para que possamos passar com nossa igualitária humanidade.

Meirivone Ferreira de Aragão – advogada, sergipana, sócia do Britto, Inhaquite, Aragão, Andrade e Advogados Associados, PCD, integrante da Rede Lado e da ABJD.

Texto veiculado na Carta Capital

PEC 32 e a supressão de direitos no serviço público

 

Seguindo a escalada de retirada de direitos dos trabalhadores no atual governo, agora é a vez de os estatutários voltarem a se preocupar. Após cerca de um ano desde o início de sua tramitação, a Proposta de Emenda Constitucional 32/2020, também conhecida por Reforma Administrativa, voltou à pauta da Câmara dos Deputados em meio a novos protestos. No último dia 14 de setembro, o deputado Arthur Oliveira Maia entregou o relatório da Reforma à comissão especial da Câmara.

A princípio, o texto enviado pelo governo Bolsonaro previa a possibilidade de se demitir e contratar pessoal sem concurso público e sem exigência de qualificação, por tempo indeterminado; o fim da estabilidade e de direitos como licenças remuneradas, promoções automáticas e benefícios, entre outros. Na versão apresentada por Maia, no entanto, por pressão de diversas categorias, foi mantida a estabilidade para todos os servidores, desde que passem por uma avaliação de desempenho e que todos estejam em um único regime jurídico.

Apelidado de “antirreforma” e de “projeto Frankenstein”, o documento foi alvo de críticas de todos os lados – servidores, mercado financeiro, técnicos e parlamentares de esquerda e de direita. Isso porque beneficia agentes de segurança, mantém regras que facilitam interferência política nas contratações, e favorece membros de Poderes. “É uma contrarreforma, definitivamente. Um retrocesso absurdo. O relator cedeu a todas as pressões corporativistas. Em particular, às da bancada da bala. No lugar de ir na direção de aumentar a eficiência, ele está trazendo para a Constituição blindagens e restrições, problemas que hoje não estão lá. Além de ter aproveitado o ensejo para incorporar retrocessos em relação à reforma da Previdência”, avalia a economista Ana Carla Abrão.

Pressão sindical

A intenção era de que o texto já tivesse sido avaliado na última semana, o que não ocorreu graças, entre outros motivos, à pressão de entidades sindicais. Sem consenso entre oposição e a base aliada de Bolsonaro, Maia e o presidente da Câmara, Arthur Lira, adiaram a votação ao perceberem que não teriam votos necessários para aprovar o texto.

“Em linhas gerais, as mudanças do relatório estão sendo feitas basicamente para tentar reduzir resistências e garantir a aprovação do parecer, mas em essência continua muito ruim”, avalia o advogado Luiz Alberto dos Santos, consultor Legislativo do Senado Federal e membro do corpo técnico do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).

O relator deve apresentar um novo texto com mais mudanças ainda hoje. Já aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara, a PEC 32 deve ser analisada nesta terça-feira (21) pela Comissão Especial e, se aprovada, seguir para o Plenário, para votação em dois turnos. Depois, a proposta será apreciada pelo Senado.

Você precisa saber

Julgamento do Marco Temporal é novamente suspenso

O julgamento sobre a tese do Marco Temporal, que já se arrasta desde 26 de agosto no Supremo Tribunal Federal, parece longe de uma conclusão. Nesta semana, foi a vez de o ministro Alexandre de Moraes pedir vistas e paralisar a apreciação do tema no plenário.

Até o momento, a votação está empatada em um voto contrário à tese, do ministro Edson Fachin; e um favorável, dado por Kássio Nunes, indicado de Bolsonaro no STF. Enquanto Fachin defende que posse indígena é diferente da posse civil – pois a Constituição garante o ‘direito originário’ às terras –, Nunes argumenta que “a propriedade privada é elemento fundamental das sociedades capitalistas, como é a brasileira atual” e “a insegurança sobre esse direito é sempre causa de grande desassossego e de retração de investimentos”.

A discussão só será retomada após Moraes devolver o processo, o que não tem prazo para ocorrer.

Lei Geral de Proteção de Dados exige mudanças em escritórios de advocacia

Criada para mitigar abusos e promover o uso consciente de dados que trazem informações dos usuários, a Lei nº 13.709/18 está vigente desde o ano passado. A Lei Geral de Proteção de Dados, ou LGPD, como é conhecida, mudou a maneira como instituições privadas coletam, armazenam e disponibilizam essas informações, afetando, inclusive, a rotina dos escritórios de advocacia.

Dados físicos e digitais de clientes, empregados, associados, parceiros e fornecedores passam a ser de responsabilidade dos advogados, com controle de quem os acessa ou compartilha. Essa responsabilidade é grande, uma vez que esses dados são mercadorias valiosas nas mãos de publicitários e marketeiros e precisam de autorização prévia para serem utilizados.

“Essas técnicas foram utilizadas com sucesso em diversos casos, mais marcantemente nas eleições de Trump e Bolsonaro, mas também o Brexit”, observa Nilo da Cunha Jamardo Beiro, advogado de entidades sindicais e coordenador da Rede Lado.

Análises

Reforma Administrativa – O alvo não são os outros

Por Ricardo Quintas Carneiro e Filipe Frederico Ferracin, da Rede Lado

Caminhando a passos largos na Câmara Legislativa, a PEC 32, ou Reforma Administrativa, simboliza um retrocesso aos trabalhadores estatais, atingindo não somente aqueles que ainda entrarão no serviço público, mas também os atuais, que perderão benefícios conquistados ao longo de décadas de lutas. O discurso baseado na justificativa de diminuir o inchaço da máquina pública e aumentar a eficiência, acabando com supostas regalias, esconde a realidade de precarização do serviço público brasileiro, cuja importância é vital para toda população. Continue lendo

Antes de sair…

Eventos

  • Hoje e amanhã tem o III Fórum Nacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, em formato virtual.
  • Amanhã, às 11h, o professor Pablo Boczkowski lança o livro “Abundância: a experiência de viver em um mundo com fartura de informação”, com debate online.
  • Quinta-feira, 23/9, das 10h às 13h, tem o evento virtual “Os Efeitos Jurídicos da Nova Legislação de Trânsito – Lei n. 14.071/20”.
  • Na próxima segunda, 27/9, às 10h, webinar debate Previdência Social e Economia Digital com transmissão no YouTube.
  • Em setembro e outubro, a série de eventos temáticos “Maratona LGPD: Os Desafios na Proteção de Dados Pessoais” debate os desafios da Lei e sua aplicação.

Dicas culturais

  • Literatura: hoje, às 18h, tem Café com Libras – Literatura, escrita e Libras com a participação de Bixarte, Negabi e educadores.
  • Videodança: Tierra(Y) Sangre – Experimento V. é baseada na obra Bodas de Sangue, de García Lorca, e pode ser vista online.
  • Teatro: segue até sábado, 25/9, a programação online e grátis do BOBO – Festival Internacional de Comédia.
  • Música: a cantora e compositora Lia Sophia lançou o single “Não Vou Pedir Licença” com a participação de Zélia Duncan.

Gato despenca de arquibancada e é salvo pela torcida em estádio nos EUA

Amante ou não dos bichanos, é impossível não ficar com o coração apertado ao ver o vídeo que viralizou na última semana, no qual um gatinho despenca de uma arquibancada no estádio do Miami Dolphins, na Flórida, Estado Unidos, durante uma partida do futebol americano universitário. Aos mais sensíveis, um spoiler: o animal foi salvo e passa bem. O gatinho ficou pendurado em um suporte de uma parte alta da arquibancada e acabou caindo para a parte mais baixa. Por sorte, torcedores do time de futebol americano da Universidade de Miami, que jogava contra a Universidade Appalachian State, se mobilizaram e conseguiram segurar o bichinho, que não precisou gastar nenhuma de suas sete vidas.

Plataformização: criadores de conteúdo também são trabalhadores, afirma pesquisador

As redes sociais e os trabalhos em plataforma estão mudando a maneira de desenvolvermos trabalho e isso não é mais novidade. Porém, alguns empregos ainda são recentes no entendimento político-jurídico, o que torna a representação em categorias mais difícil. Em artigo, o pesquisador sobre sociologia cultural com enfoque no trabalho, Michael Siciliano, trouxe o caso de criadores de conteúdo negros estadunidenses alegaram que a Google e o YouTube os discriminavam com base em sua raça e ideologia e, com isso, geravam menos rentabilidade pois o algoritmo os boicotavam. Segundo os criadores de conteúdo, isso infringia as leis de liberdade de expressão garantidas pela Constituição dos Estados Unidos. 

Importante trazer que, de acordo com estudos, o algoritmo não cria categorizações, apenas “recria” as ações dos usuários, logo, se o sistema que estamos é racista, o algoritmo também será. Dito isso, no artigo, Siciliano trouxe a perda de ganhos dos “creators” e afirma: “… Lutar por uma classificação adequada como trabalhadores, tanto legalmente quanto (talvez mais importante) na consciência pública, é necessário para garantir uma vida mais digna e um futuro igualitário para todos os produtores de conteúdo”. 

Experiência que já está em curso é o caso do FairTube, na Alemanha. Em 2019, YouTubers da Alemanha se uniram ao maior sindicato de metalúrgicos da Europa, o IG Metall (um dos maiores sindicatos do mundo), para conseguir pressionar a plataforma a ter mais transparência nas ações, tanto para os criadores, quanto para os usuários. O IG Metall expandiu sua atuação, abrangendo categorias como a engenharia elétrica, T.I, plásticos e têxteis. O grupo conhecido como YouTube Union que se uniu ao IG Metall, transformou-se em FairTube. 

Ainda de acordo com Siciliano, o caso dos “creators” estadunidenses poderia ser considerado um processo trabalhista, não de liberdade de expressão, se os produtores de conteúdo no geral fossem considerados e se considerassem trabalhadores.

“As equipes jurídicas dos creators podem argumentar que o google/ youtube se envolve em uma sistemática discriminação salarial com base em questões de raça, por exemplo. Isso pode ser feito analisando como as taxas de pagamento do youtube (cpm ou custo por mil, uma quantia em dólares por 1.000 visualizações) variam por raça/etnia enquanto controlam o tamanho do público – uma tarefa desafiadora para criadores que não têm acesso fácil aos dados necessários, mas que é facilmente realizada pelo youtube.” Michael Siciliano.  

Mariana Ornelas – Rede Lado

Desafio: inclusão digital de advogados idosos

Neste ano, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ lançou como meta para os próximos anos a implantação e o desenvolvimento do programa Justiça 4.0, cujo objetivo é tornar a Justiça brasileira 100% digital. É provável que o lançamento do programa nesse momento se deva às adaptações que tiveram de ser feitas na forma de entrega da prestação jurisdicional durante o período da pandemia do COVID -19.

Desde março de 2020, as atividades presencias nos tribunais estão suspensas, tanto para os jurisdicionados, quanto para servidores, magistrados e advogados. As dificuldades do momento demandam paciência, resiliência e criatividade de todos os que trabalham e dependem do funcionamento contínuo da Justiça. O uso predominante da internet e de ferramentas digitais tem possibilitado a continuidade do trabalho na advocacia, visto que audiências e sessões de julgamentos estão sendo feitas, via reunião online, com a presença de advogados, magistrados, partes e testemunhas. O quase domínio da tecnologia da informação e do computador como ferramenta, tornou-se requisito essencial para a atuação na advocacia, sendo que para o advogado jovem, a familiaridade mostrou-se natural. Muito embora o jovem advogado tenha maior domínio em relação as ferramentas tecnológicas, a advocacia que lhe é oferecida na grande maioria das vezes é precária, onde as condições de trabalho nem sempre são adequadas, muitas das vezes com a necessidade dele até valer-se de meios próprios para exercê-la, com contratação a margem da lei. Se os tempos do avanço tecnológico é excludente ao advogado idoso, ele é em muito restritivo e excludente ao jovem advogado

Já para o advogado idoso, o novo cenário é uma antecipação sem precedentes de um processo de adaptação que se iniciou em 2013 com a implantação do PJe e que ainda estava em ordem de absorção antes da Pandemia. Se o debate em torno da inclusão digital do advogado idoso já era uma pauta necessária, hoje é obrigatória, diante da perpetuação do uso massivo dos meios digitais para o exercício da profissão.

De acordo com dados da OAB Nacional, hoje são 219.638[1] advogadas e advogados ativos no Brasil acima de 60 anos de idade, número que justifica a necessidade do debate em torno da inclusão digital tanto por parte da OAB, no papel de entidade representativa de classe, quanto do próprio poder judiciário como poder constituído, cujo dever é alinhar-se às políticas de promoção e valorização do trabalho do idoso, conforme prevê o Estatuto do Idoso. O processo de digitalização da Justiça tem sido cada vez mais ousado, o que por sua vez exige do trabalho da advocacia familiaridade com o mundo digital. A novidade da vez é a digitalização dos processos para formação de um big data jurídico que alimentará a inteligência artificial: “alimentar o DataJud de forma automatizada e transformar, em texto puro, decisões e petições, a fim de ser utilizado como insumo de modelo de IA.”[2] A questão é que, quando os advogados idosos estão se acostumando com PJe e se despedindo do processo 

físico, já há a inteligência artificial sendo alimentada para proferir e prever decisões.

Toda essa movimentação é resultado da expansão da internet – internet ubíqua – fluidez, rapidez no processamento de informações e internet das coisas, características da Quarta Revolução Industrial de Klaus Schawb. O evidente avanço tecnológico propiciado por essa fluidez de dados alcançou o trabalho na advocacia e o modificou profundamente, criando patamares de distinção entre aqueles que possuem domínio no uso de ferramentas tecnológicas (geralmente os jovens) e aqueles que não tiveram a possibilidade de acompanhar a mudança na mesma velocidade. Constata-se, portanto, que a adoção cega da tecnologia, sob o signo do avanço puro e simples, dissociada da ideia de adaptação, nem sempre é símbolo de evolução e progresso, porque ao longo do caminho alguns ficam para trás. Assim como a Quarta Revolução Industrial não chegou para todos ainda, o mesmo ocorre com a Justiça 4.0, que não chegará para os idosos que não possuem o conhecimento necessário do uso de ferramentas indispensáveis para a atuação nesse novo conceito de justiça proposto. Fala-se em inteligência artificial quando o protocolo de peças processuais e as provas no formato de áudio e vídeo ainda são um calvário, até mesmo para os mais jovens.

Após mais de um ano de pandemia em que a autuação na advocacia segue ocorrendo integralmente no formato digital, discute-se a perenidade dessa “nova” forma de advogar. Fato que não é nem um pouco incômodo para o CNJ, que já leva em frente o projeto de digitalização da Justiça. Aparentemente, por entender que tudo tem funcionado sem maiores problemas. Porém, o mundo real não é 4.0 para o advogado idoso, tendo em vista que os sinais de esforços por parte das instituições responsáveis pela inclusão digital ainda são incipientes ou inexistentes.

Não se trata aqui de desmerecer a digitalização da Justiça, mas sim de alertar para a necessidade de implementações tecnológicas de modo a permitir a inclusão simultânea dos advogados, sob pena de se preterir a riqueza de conhecimento acumulado por esta parcela expressiva da advocacia. Vale lembrar que ferramentas digitais não possuem vida própria e que haverá sempre a necessidade de um advogado experiente para alimentar a inteligência artificial com teses jurídicas desenvolvidas ao longo de anos de prática e estudo. A descartabilidade digital não deve envolver o advogado idoso que, sob essa ótica, faz parte do presente da advocacia tanto quanto o advogado jovem.

Há dois caminhos no horizonte, a exclusão progressiva do advogado idoso causada pela implantação da tecnologia como única porta de acesso, ou, a inclusão, a qual deve necessariamente se iniciar pelo chamamento público ao debate desses 219.638 advogados idosos inscritos, a fim de se mapear e expor as reais barreiras encontradas para o desempenho da atividade. Somente assim será possível a criação de políticas efetivas de inclusão dos advogados idosos na advocacia digital.

Vale registrar, por fim, as palavras de uma advogada, aluna do curso de inclusão digital realizado no Paraná em 2017, as quais sintetizam a urgência do debate: “O primeiro encontro foi uma experiência extremamente positiva. Os colegas muito envolvidos, comprometidos, com ânsia de aprender. Como aluna do curso senti e ouvi o quão agradecidos eles estão por serem lembrados e valorizados, num momento em que a tecnologia vem sendo aplicado em todos os aspectos da vida profissional e cotidiana”.[1]

A construção de uma Justiça 4.0 distante da realidade dos idosos, e até como forma de exclusão e precarização para a juventude, não pode significar ou materializar-se como avanço, quando para sua implantação profissionais ficam pelo caminho.

Meilliane P. Vilar Lima – Advogada LBS e mestranda em Direito do Trabalho e Relações Sociais

 

[1] https://www.caapr.org.br/noticia/1919/curso-de-inclusao-digital-para-adultos-insere-advogados-no-mundo-da-informatica/

[2] https://www.cnj.jus.br/tecnologia-da-informacao-e-comunicacao/justica-4-0/

Moraes pede vista e julgamento sobre Marco Temporal é suspenso

Nesta quinta-feira (15), o julgamento sobre a tese do Marco Temporal foi suspenso após o pedido de vista do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes. Com isso, o julgamento fica sem data para terminar, já que a discussão só será retomada depois que Moraes devolver o processo. 

Até o momento, a tese tem dois votos, Edson Fachin votou contra a tese e Kássio Nunes Marques votou a favor. A tese do Marco Temporal envolve a demarcação de terras indígenas e colocaria as terras tradicionais como direito indígena se fossem ocupadas até dia 05 de outubro de 1988, dia da promulgação da Constituição.  

Nunes Marques afirmou: “Uma teoria que defenda que os limites das terras estão sujeitos a um processo permanente de recuperação de posse em razão de um esbulho ancestral abre espaço para conflitos de toda ordem sem que haja horizonte de pacificação”. E também: “a propriedade privada é elemento fundamental das sociedades capitalistas, como é a brasileira atual”. “A insegurança sobre esse direito é sempre causa de grande desassossego e de retração de investimentos.” 

Há setores do agronegócio interessados na aprovação do Marco Temporal, isso abriria espaço para novas investidas de invações às terras indígenas. Em cerimônia no Palácio do Planalto, Jair Bolsonaro (sem partido) disse, sem comprovações, que o fim do Marco Temporal poderia significar desabastecimento e mais inflação. 

O relator, Edson Fachin, defendeu que a posse indígena é diferente da posse civil pois a Constituição garante o ‘direito originário’ às terras. “Autorizar, à revelia da Constituição, a perda da posse das terras tradicionais por comunidade indígena, significa o progressivo etnocídio de sua cultura, pela dispersão dos índios integrantes daquele grupo, além de lançar essas pessoas em situação de miserabilidade e aculturação, negando-lhes o direito à identidade e à diferença em relação ao modo de vida da sociedade envolvente”, afirmou.