Direito do Trabalho | Rede Lado

O país do futebol, da CPI e da Covid

Na falta de pão, vamos de circo. Se não consegue resolver o caos econômico e sanitário no qual nos meteu até o pescoço, o governo Bolsonaro teve a brilhante ideia de apoiar a vinda da edição de 2021 da Copa América ao país, após a competição ser recusada por Colômbia e Argentina. A mudança de sede causou mal estar e revolta entre os jogadores que, ainda que se alinhem em sua maioria à ideologia do “capitão”, temem pela repercussão e cobranças dos fãs nas redes sociais em relação à realização do torneio em momento nada oportuno. Tite não confirma nem a participação no torneio. Além dos brasileiros, outros astros do futebol sul-americano já demonstraram descontentamento com a realização da competição.

Como nem toda polêmica parece ser suficiente para a atual gestão federal, outra situação controversa teve Bolsonaro e o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello como peças centrais. Após o general da ativa participar de ato político ao lado do chefe do Executivo, atitude vedada pela legislação militar, o comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira, decidiu pelo arquivamento do processo que visava a punição de Pazuello por subir em um trio elétrico e discursar em apoio a Bolsonaro após uma “motociata” ocorrida no Rio de Janeiro no último dia 23.

Muito além de uma questão de hierarquia, a atitude do Exército de colocar panos quentes sobre o assunto representa um perigo à democracia, avaliam especialistas. “Quando essa força de última instância deixa de ser uma força de Estado e passa a ser de governo, de governante, isso é muito grave para o país. Hoje, ele (Bolsonaro) provou que é o Exército”, avalia o ex-ministro da Defesa Celso Amorim.

Esse plano muito bem pensado de demonstração de força – em que Bolsonaro parece ter provado que realmente quem manda é ele, inclusive no Exército – é apenas mais um passo no sentido do desmantelamento das instituições, intenção demonstrada por atitudes tomadas pelo presidente desde o início de seu mandato. Após a intensa campanha para desmoralizar os ministros do Supremo, agora o alvo parecem ser as Forças Armadas. “Mais um movimento coerente com a conduta do Presidente da República e com seu projeto pessoal de poder”, disse o general e ex-ministro-chefe da Secretaria de Governo de Bolsonaro, Carlos Alberto Santos Cruz. O militar que se diz envergonhado pela absolvição de Pazuello.

Com a escalada na politização dentro dos quartéis, abre-se precedente para outras atitudes que afrontem a hierarquia e a obrigação do Exército em seguir a Constituição. “Se houver uma situação no Brasil similar ao que foi a invasão do Capitólio, você não tem a quem recorrer. É uma situação em que não apenas a integridade das Forças Armadas é ameaçada, mas a integridade das instituições democráticas. É muito grave”, ponderou Amorim.

CPI e vacinas

A semana que passou foi movimentada também dentro do Senado, onde os parlamentares seguem as sabatinas aos depoentes da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid. A bola da vez foi a comentadíssima participação da médica oncologista Nise Yamaguchi, mais conhecida por ser uma das conselheiras de Bolsonaro na gestão da pandemia. Defensora declarada do “tratamento precoce”, como uso da dupla cloroquina e hidroxicloroquina, Yamaguchi rendeu memes, constrangimentos variados e pérolas em uma situação que serviu mais para demonstrar o quilate dos “especialistas” ouvidos pelo presidente do que para a investigação a que se propõe a Comissão.

Se Yamaguchi não deu uma resposta assertiva quando perguntada a respeito de sua opinião sobre as vacinas contra Covid, ao menos o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, parece estar atrás de soluções com comprovação científica para abreviar o sofrimento da população que há quase um ano e três meses tem sua vida profundamente afetada com o “novo” mundo que a Covid nos trouxe. De acordo com o chefe da pasta, o governo federal conseguiu antecipar a entrega de 3 milhões de doses da vacina da Janssen para este mês. O acordo firmado com a farmacêutica prevê que, no total, 38 milhões de doses cheguem ao país nos próximos meses.

Além disso, uma decisão da Anvisa na última sexta-feira (4) autorizou a importação de doses das vacinas Covaxin e Sputnik em caráter excepcional e temporário, com limitação para o uso dos imunizantes a 1% da população de cada Estado que apresentou o pedido de importação, no caso da vacina russa, e 1% da população do país, no caso da indiana, entre outros pontos colocados como condicionantes para a autorização.

Você precisa saber

Governo é denunciado à Organização Mundial do Trabalho por violações trabalhistas

Durante a abertura virtual da 109ª Conferência da Organização Mundial do Trabalho (OIT), que discute as aplicações das normas da entidade no contexto do enfrentamento à pandemia da Covid-19, o secretário de Relações Internacionais da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Antonio Lisboa, usou seu discurso para denunciar uma série de violações que o governo de Jair Bolsonaro vem cometendo contra os direitos de trabalhadores e trabalhadoras do Brasil. Entre os pontos abordados por Lisboa estão as perseguições reiteradas a sindicalistas e a intensificação das violações às normas da OIT – como as convenções 98 e 154, que tratam do fomento às negociações coletivas e ao direito de sindicalização, respectivamente.

O representante da CUT relatou ainda a edição de Medidas Provisórias que permitiram os acordos e convenções coletivas entre empregados e trabalhadores, sem o aval de sindicatos, com reduções salariais, de jornada e suspensão de contratos de trabalho. A gestão federal frente à pandemia também foi motivo de críticas.

Panelaço e manifestações nas ruas criticam governo Bolsonaro

Cansados da omissão do governo federal frente à pandemia que já matou mais de 470 mil brasileiros, cidadãos de todo o país participaram dos diversos protestos que criticaram a gestão Bolsonaro e pediram o impeachment do presidente por meio de manifestações e panelaços registrados, respectivamente, no domingo (29) e na quarta-feira (2). Os atos do fim de semana passado foram os maiores registrados desde o início do atual governo. Em São Paulo, por exemplo, 80 mil manifestantes tomaram a Avenida Paulista para protestar.

Três dias depois, na quarta, quando Bolsonaro usava seu pronunciamento em rádios e TVs para se colocar a favor da imunização coletiva, mais barulho foi ouvido nas janelas de diversas cidades brasileiras onde ocorreram panelaços. Em resposta ao clamor das ruas, o presidente afirmou, em meio às batucadas, que “todos os brasileiros que assim o desejarem, serão vacinados”. No entanto, até o momento, apenas cerca de 11% da população (em torno de 23 milhões de pessoas) recebeu as duas doses que asseguram a imunização completa.

Análises

Ação de “Revisão da vida toda” é pautada para julgamento no STF

Por escritório LBS Advogados

Em novembro de 1999, por causa de uma mudança de regra do INSS, aposentados que começaram a trabalhar antes da nova regra tiveram as contribuições anteriores a junho de 1994 descartadas do cálculo do salário. Nesse processo, muitos aposentados saíram prejudicados, com diferenças negativas em seus benefícios. Acontece que há um princípio do Direito do Trabalho que diz que quando há duas leis diferentes, deve-se aplicar a que for mais benéfica para o trabalhador ou a trabalhadora. A ação de “Revisão da vida toda”, como ficou conhecido o processo, chegou no STF e será julgada até o dia 11 de junho. Continue lendo.

Antes de sair…

Eventos

  • Hoje, às 14h, o webinar “Exclusão digital: abordagens recentes” discute o tema à luz das situações de desigualdade escancaradas pela pandemia.
  • Amanhã, 9/6, às 19h, tem a terceira edição do “Acesso Pleno à Justiça”, debate focado no Centro-Oeste. Na quinta, dia 10/6, no mesmo horário, a conversa se volta à região Sudeste. A vez do Sul é na segunda que vem, 14/6.
  • Na segunda que vem, 14/6, às 19h, o tema “Alienação parental” é o foco de debate da série de encontros “Temas controvertidos na doutrina e jurisprudência”, promovida pela OAB.

Dicas culturais

  • Literatura: hoje, 8/6, às 19h, com uma live pelo Facebook, o escritor Márcio Grings lança “Quando o Som Bate no Peito”, uma coletânea de resenhas sobre apresentações que presenciou nos últimos 23 anos, com 34 relatos cobrindo performances internacionais de nomes como Bob Dylan, Paul McCartney, Rolling Stones, entre outros.
  • Podcast: com episódios mensais, o podcast Geração 7×1 trata sobre futebol, mas dá atenção particular à conexão entre o esporte e pautas sociais, como violência, racismo, machismo e homofobia.
  • Lives: sexta, 11/6, tem Simone e Simaria, e domingo é dia de Orquestra Sinfônica Heliópolis. Veja a agenda da semana.

Pesquisadora da UFPR cria sistema para cegos identificarem cores de forma simples

Para quem enxerga, pode não ser um problema, mas já pensou combinar roupas ou escolher quais peças lavar juntas sem saber de quais cores elas são? Essa dificuldade é enfrentada pelas pessoas cegas, mas pode estar com os dias contados. Isso porque a pesquisadora Sandra Marchi, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), criou um sistema tátil em braille, linguagem em relevo utilizada por muitos cegos para se comunicarem por escrito, para identificar as tonalidades.

A solução simples não utiliza os nomes completos, mas símbolos menores para representar cada cor, e pode ser aplicada em peças com o uso de adesivos em relevo. Isso ajudaria, por exemplo, na hora de comprar um produto em uma loja, pois não seria necessário o auxílio de ninguém para que o cego ou cega soubesse de qual cor é aquele objeto.

“Essa autonomia melhora a autoestima e traz qualidade de vida a toda essa população”, afirma Marchi. A engenheira civil Êmeli Menegusso Fernandes concorda com a pesquisadora. Cega há 30 anos devido a complicações causadas pelo lúpus, ela utiliza a solução encontrada por Marchi para escolher suas roupas e até se maquiar sozinha. “Essa autonomia não tem preço. A pior coisa que eu vejo na deficiência que eu encarei é a dependência dos outros, isso é terrível”, comemorou.

 

Produzido em parceria com o Grupo Matinal Jornalismo

A mão que protege bots ‘atendentes virtuais’ é negligente com assédios a trabalhadoras…

Chamou-me de idiota várias vezes durante o atendimento; disse que eu não deveria ter nem o ensino fundamental completo; pediu que eu enviasse uma foto minha, mesmo eu tendo deixado muito claro que aquele canal de atendimento era corporativo; perguntou se eu queria namorar com ele; perguntou se eu queria encontrá-lo em lugar mais reservado…

As frases acima transcritas, adaptadas ao contexto, poderiam ser ouvidas durante o expediente de qualquer trabalhadora, certo? Sim e não. Por incrível que pareça, elas fazem parte do dia a dia das bots atendentes do ramo financeiro e de varejo no Brasil.

Essa discussão repercutiu muito nas redes sociais, após a peça publicitária de um grande banco brasileiro informar que a sua atendente virtual, uma bot dotada de inteligência artificial, vinha sofrendo constantes assédios e agressões verbais por usuários do serviço. Em 2020, conforme informações do próprio banco, foram mais de 95 mil mensagens de natureza insidiosa recebidas pela Bia.

Diante dessa absurda constatação, o programa, por trás da voz da Bia, passou a ser treinado para responder aos assédios de forma assertiva e contundente, rechaçando essas práticas odiosas. Infelizmente, esses relatos não são isolados, e outras robôs dotadas de inteligência artificial também passam por esse “constrangimento”. Há relatos dessa natureza que se dirigem a outras atendentes conhecidas, como a Nati (Natura), Lu (Magalu) e Alexa (Amazon).

Se substituíssemos as vozes femininas das atendentes de inteligência artificial por vozes masculinas, os assédios sofridos se dariam na mesma proporção e intensidade? Seguramente, essa resposta é negativa. A divisão sexual do trabalho se revela de maneira cristalina, na escolha das empresas, ao colocarem vozes femininas por detrás do “trabalho de apoio” realizado pela inteligência artificial. Socialmente, essa prática importa na desvalorização do trabalho feminino e na disparidade salarial. Mulheres ainda ganham 30% menos comparando-se com os ganhos dos homens. Por outro lado, também temos que ponderar que muitas atendentes de call center – mulheres reais – não podem nem sequer responder à altura quando assediadas.

Se o assédio sofrido pelas bots denuncia o machismo, também escancara a situação de precarização do trabalho sofrida pelas trabalhadoras de plataformas. Apesar de não serem a maioria nos aplicativos, as plataformas oferecem às mulheres um fator a mais: um trabalho flexível, o qual permite que provenham pela subsistência econômica de suas famílias e exerçam seus trabalhos com a maternidade e o lar, em dupla jornada de trabalho, a qual une o corre-corre precarizado das plataformas e um trabalho não remunerado de cuidado. Essa tendência da ocupação feminina em postos de trabalhos flexibilizados faz com que as mulheres, historicamente, desempenhem trabalhos “uberizados” desde sempre, como coloca Ludmila Costhek em referência à precarização típica desses trabalhos da atualidade, que sempre despontou nas funções tradicionalmente femininas.

As denúncias de motoristas de plataformas, como a Uber, que sofrem assédio por parte de seus passageiros mostram tendência dos apps em se eximirem da responsabilidade. Não há qualquer checagem quanto à veracidade dos dados fornecidos pelos passageiros em seus cadastros. Apesar de a Uber afirmar que segurança é a prioridade da empresa, essa máxima parece negada aos prestadores de serviços. A plataforma também não fornece informações de como lidar com essas situações, cada vez mais frequentes, e, quando recebe os relatos, comumente afirma lamentar e diz que providenciará o bloqueio do usuário, sem fornecer qualquer suporte à mulher, a quem se refere como “parceira”, ainda que aparente ser essa uma relação unilateral por parte da trabalhadora.

Em relação às entregadoras, o relato não foge ao apresentado. Além dos assédios verbais e testes físicos sofridos por parte dos estabelecimentos e dos próprios entregadores, elas são apagadas em comparação aos homens, chegando a receber menos chamadas, mesmo quando apresentam melhores desempenhos. Existem também os aplicativos que se mantém essencialmente do trabalho feminino, como os de serviços de beleza e faxinas, já historicamente precarizados. Os bloqueios injustificados são comuns nessas plataformas: mulheres que ficam afastadas por questões de saúde ou por cuidados com a família podem passar dias bloqueadas da plataforma por mera liberalidade da empresa.

Em um posto de trabalho formal, se a mulher sofre assédio, há a responsabilização da empresa pelo fato. Por outro lado, em um trabalho uberizado, parece haver reforço do assédio sofrido. Ao passo que surgem ações em proteção aos algoritmos de bots femininos, esses mesmos algoritmos reforçam a discriminação contra mulheres reais e aumentam a precarização no trabalho uberizado feminino.

O feminino é atacado sob qualquer forma, por isso se deve proteger a essência da mulher contra o machismo. A mão que afaga e promove campanhas precisa também promover a dignidade das mulheres em seus postos de trabalho. O engajamento apenas é possível se abranger todas as mulheres e só haverá empoderamento quando todas forem respeitadas.

Campinas, 13 de maio de 2021.

 

Fernanda Teodora Sales de Carvalho

Graduada em Direito pela PUC Minas, campus Poços de Caldas. Pós-Graduada em Direito do Trabalho e Previdenciário pela PUC Minas. Advogada Trabalhista na LBS Advogados. Integrante da Rede Lado.

 

Maria Gabriela Vicente Henrique de Melo

Graduanda em Direito pela PUC Campinas. Pesquisadora discente e membro do Grupo de Pesquisa Direito num Mundo Globalizado, da PUC-Campinas, nos biênios 2018-2019 e 2019-2020. Assistente JurídicA na LBS Advogados. Integrante da Rede Lado.

Justiça Digital: trabalhadores, casa, saúde e culpa

Justiça Digital: trabalhadores, casa, saúde e culpa

Dormir e acordar no mesmo lugar que se trabalha tem sido uma nova (nem tão nova) realidade, pelo menos desde meados de 2020 por conta do Covid-19. De acordo com uma pesquisa feita pelo Instituto de Administração, o home office foi adotado por cerca de 46% das empresas durante a pandemia e os escritórios de advocacia estão dentro destes dados.

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